Valor Econômico
Mais um jeitinho está sendo articulado para
conceder subsídios
Mais um bomba com potencial bilionário pode
cair no colo dos consumidores de energia elétrica. O artefato está sendo
preparado pelos mesmos parlamentares que, com cara de condoídos pela
dificuldade dos eleitores em pagar as contas de luz, querem rasgar contratos e
suspender reajustes de tarifas. Em um setor tão impenetrável, cujas regras
parecem ter sido escritas pelo demônio, convém explicar direitinho para impedir
que uns poucos saiam ganhando com o desconhecimento de muitos.
Vamos lá: na virada do século, com o objetivo de impulsionar novas fontes de energia pouco competitivas à época, uma lei (9.427/96) garantiu subsídios para três tipos de projetos de geração elétrica: usinas eólicas, solares e de biomassa. A produção e o consumo de energia oriundos desses empreendimentos - até 30 megawatts (MW) de potência - passaram a contar com 50% de desconto pelo uso das redes de distribuição e de transmissão.
Foi uma política pública bem- sucedida, que
deu um empurrão em tecnologias incipientes. Aos poucos, a conta tornou-se
pesada demais. Em 2020, esses descontos representavam cerca de metade dos R$
9,3 bilhões em subsídios na distribuição e na transmissão - o restante ia para
a agricultura irrigada, consumidores rurais, companhias de água e esgoto. A
curva projetada era insustentável.
O governo resolveu, então, extinguir esse
incentivo. Afinal, eólicas e solares já vendiam seus megawatts por valor mais
baixo do que hidrelétricas nos leilões de energia. Hora de caminhar pelas
próprias pernas. Para não impor nada traumático, a lei (14.120/21) deu um prazo
de 12 meses para que os investidores solicitassem na Aneel a outorga para novos
empreendimentos, ainda preservando o benefício.
Deflagrou-se, no mercado, o que foi chamado
de “corrida ao ouro” das renováveis. Quase três mil projetos deram entrada na
agência até 2 de março - prazo fixado. São quase 200 mil MW para análise. É o
equivalente a 15 usinas de Itaipu. Centenas de outorgas já saíram. Desvirtua-se
objetivo de criar uma porta de saída para os subsídios, que são rateados nas
tarifas e oneram os consumidores de todo o país.
Aí vem a bomba em gestação. Os projetos
autorizados pela Aneel têm 48 meses para entrar em operação comercial e gozar
do desconto por três décadas. Só que obviamente não existe, hoje, capacidade
suficiente no sistema de transmissão para escoar 200 mil MW de energia nova
para os centros de consumo. Articula-se, longe dos holofotes, um jeitinho na
Câmara dos Deputados para garantir os subsídios a esses projetos. Mesmo se
perderem a janela dos 48 meses para iniciar suas operações, os investidores
terão acesso ao desconto até que sejam solucionadas as restrições para o
escoamento. Na prática, o fim do benefício - como todos imaginavam em 2020 -
não terá data para ocorrer e a conta das subvenções continuará em alta.
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O professor Maurício Tolmasquim, da UFRJ,
chama a atenção para o efeito de 8 mil MW adicionais em usinas térmicas que
usam gás natural - fruto do “jabuti” na lei de privatização da Eletrobras - sobre
as emissões de gases-estufa no setor elétrico.
De acordo com a Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), que o próprio Tolmasquim presidiu por 11 anos, o lançamento
de CO2 equivalente na atmosfera poderia cair 30% entre 2026 e 2031, se fosse
adotado cenário no qual modelos matemáticos cruzam dados de segurança no
abastecimento com o menor custo possível para a expansão do parque gerador.
Entretanto, como há um dispositivo legal que impõe esses 8 mil MW em térmicas,
as emissões deverão aumentar 74% de 2026 a 2031.
Nos fóruns internacionais, o Brasil tem
sido cada vez mais questionado pela vergonhosa alta do desmatamento, mas sempre
procura equilibrar as críticas com alguns trunfos, como a matriz elétrica
limpa, sonho de qualquer europeu. “Não deveríamos perder esse ativo”, defende o
professor.
Países como Dinamarca, Holanda, Áustria e
Portugal já divulgaram planos de chegar a praticamente 100% de geração
renovável em 2030. O Brasil faz um caminho inverso e corre o risco de perder
protagonismo.
Tolmasquim acredita que é perfeitamente
factível ancorar a expansão do sistema com usinas eólicas, solares e de
biomassa. Ele sustenta que o problema não é construir mais térmicas, mas
deixá-las como “inflexíveis” - no jargão do setor, isso significa que elas vão
operar durante 70% do tempo. “O fato de estarem em localidades onde não há gás,
nem linha de transmissão para escoar a energia, só aumenta a irracionalidade,
mas está longe de ser o único ponto negativo.”
Operar um sistema com fontes intermitentes
- nunca se sabe ao certo quando venta ou faz sol - tem lá suas dificuldades,
mas já foi mais complicado. Hoje, graças ao banco de informações reunidas ao
longo dos anos, sabe-se em qual lugar do país e a que horas usinas eólicas ou
fotovoltaicas podem ser mais bem aproveitadas. Baterias logo poderão guardar
megawatts gerados nos momentos de pico.
“O Brasil deveria ter uma meta de emissões
líquidas zero na geração de eletricidade a partir de 2030. Isso é compatível
com a segurança no fornecimento de energia, com térmicas flexíveis atendendo a
ponta do sistema e complementando as renováveis quando necessário”, argumenta.
O primeiro leilão para contratar as usinas
térmicas exigidas na Lei da Eletrobras está previsto para o segundo semestre.
Ainda dá tempo de revisitar essa obrigação.
Um comentário:
Teve um tempo que se plantou tanta cana de açúcar na minha região que eu pensei que a biomassa fosse salvar o planeta.
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