O Estado de S. Paulo
Com o Supremo e o TSE atuando de modo tão
elíptico, a Justiça dá consistência à polarização com dois preferidos e os
demais fantoches.
Deixando-se manejar por uma eleição flashback,
o Brasil concede ao passado poder sobre o futuro. Levado pelo êxtase ou a
aventura, a reflexão não tem tido prioridade entre nós. Só as pesquisas contam,
como ideologia.
As pesquisas nunca gostaram de Ciro. E já
desconfiam de Simone. Fingem não ver Luiz Felipe. Gostavam de Marina, até que
Dilma espalhou que os verdes eram banqueiros – registraram a indignidade na
margem de erro. Largaram Aécio jogando as fichas no capitalismo de cassino que
produziu 2018.
Lá atrás, queriam Collor e, por odiar
Brizola, ajudaram Lula a contragosto. Calado duas vezes por FHC, ele se
reciclou, arrumou um guru, amigo das pesquisas, para ensaboar a fera e fazer a
pedra virar flor. As pesquisas fingiram não ver Bolsonaro e escondiam que
evitavam Haddad. No fundo, não queriam Ciro e botaram a culpa em Juiz de Fora.
Alckmin, que é médico e afável, não visitou o esfaqueado no hospital,
ajudando-o a consolidar a imagem de desprezado.
Nenhuma diferença metodológica ou técnica explica a variação dos números das pesquisas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ajuda na confusão por só exigir o carimbo burocrático de “registrada”, dando credibilidade ao submundo da amostra. Pesquisa é ideologia, eleitor é que é utopia.
Com o Supremo e o tribunal eleitoral
atuando de maneira tão elíptica, espalhando ânsias malogradas por aí, a Justiça
dá consistência à polarização com dois preferidos e os demais fantoches. Sem
clareza jurídica estrutural e estável, criando jurisprudência de casta,
ministros concedem privilégios aristocráticos a políticos processados,
produzindo este estado de coisas. Ameaçam o País com o rigor da lei – saudades
de Brossard (não quero o rigor da lei, basta a lei) – e empurram o eleitor,
coelho apressado de Alice, para a festa do corta-cabeça.
A vaidade unilateral de querer prevalecer
sozinho cingiu o País. E o mesmo naipe arbitrário do poder monocrático se
espalhou como doença. O Supremo, como instituição, precisa se proteger contra
si mesmo, se não quer ver suas decisões tênues como clarão de fósforo riscado.
A crise dos democratas é maior do que a da democracia.
Pesquisa como ideologia enfia o eleitor no
funil de sua falta de parâmetros. Embrulha os resultados em tantos labirintos
que lembram leis e linguiça, melhor não ver o processo de fabricação.
A superficialidade da eleição tira o Brasil
da roda do tempo com seu baixo padrão de disputa do voto. Olhando o mar de
pesquisas, é possível observar que se dirige mais aos candidatos fora da curva,
que insistem no debate, contrários ao “rejeitor” – o eleitor da rejeição, não o
da escolha.
O desejo de distinção pode conter mais
insinceridade do que divergência. Entre Lula e Bolsonaro, notórias biografias
distintas, são grandes as afinidades sobre mando, base parlamentar, gastos,
guerra, papel do Estado, idolatria. Têm apoiadores sinceros que aceitam que
seus governos estejam dentro de si mesmos, como efígie que fará o que quiser.
Porém, insistindo em bulir com o brasileiro, podem se surpreender com a
exaustão do antagonismo deste longo estímulo negativo que instiga o povo.
A semelhança de estratégia é que produz
competição tão encarniçada. Borboleta e caranguejo, harmonia na bizarrice.
Poderão vencer um ao outro, mas não conseguirão extrair força do voto para
fazer acontecer. Terminada a apuração, a mágica evapora em governos requentados.
Ciro, Simone ou Luiz Felipe podem fazer o
Brasil iniciar um novo ciclo. Com eles, a energia autêntica da novidade
política retira das urnas a força constitucional de mudança e reforma.
Ciro é enfático e seguro, coerente
conhecedor dos desafios, traído em sua boa-fé, não perde a fé, segue como um
Robinson Crusoé. Quem luta contra a corrente parece um injustificado por não
oferecer perspectivas mais cobiçáveis que tranquilizam apressados e
interesseiros. Sua influência benéfica é justamente esta, não deixar o País
cair na inércia do lugar-comum que o tem feito chegar sempre atrasado ao mundo
civilizado.
Simone é altiva e doce e, com sua coragem,
prova que o Brasil não é indigno de viver uma outra experiência estética no
exercício do poder. Não é autoritária em seus valores, jovialidade autêntica,
uma outra alegria mais pluralista, com a fé e não a cor de igrejas em conflito.
É, também, capaz de enfrentar a overdose de moralismo ideológico, a
invisibilidade das ideias no poder e o viés antiocidental em curso na campanha.
Luiz Felipe quer ser um presidente ousado e
barato, pois sabe que uma boa auditoria resolveria bem muitos problemas do
Estado brasileiro, abismo do dinheiro do contribuinte. Não se faz passar por
pessoa que não é. Parece disposto a desafiar o blefe da mesmice e ampliar o
horizonte do País.
Tomando caminhos já conhecidos, o Brasil
mais se bifurca. E se a marca da eleição é a rejeição que outro caminho tomar?
Lembro poesias consagradas. Diante da encruzilhada, não seja duas pessoas, uma
influenciando a outra. Busque o caminho menos pisado, isso fará toda a
diferença no futuro. Pense na existência, sem ironia ou cansaço, vá por onde te
levem teus próprios passos.
*Sociólogo.
Um comentário:
Faltou ser mais claro e objetivo,sei lá.
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