Folha de S. Paulo / O Globo
Em dezembro de 2017, o repórter Maurício
Lima contou que a Eletrobras contratou
por cerca de R$ 400 milhões o escritório de advocacia americano Hogan Lovells
para investigar roubalheiras descobertas pela Operação Lava Jato no setor de
energia. As roubalheiras estavam estimadas em R$ 300 milhões.
Eram os estranhos tempos do lava-jatismo.
O Datafolha dava 35% das preferências para uma candidatura de Lula e 17% para
Bolsonaro. Donald Trump estava na Casa Branca e, no Brasil, o economista Paulo
Guedes trabalhava pela candidatura do apresentador Luciano Huck à Presidência
da República. O IBGE informava que, em 2016, 52,2 milhões de brasileiros viviam
abaixo da pobreza. Hoje são 54,8 milhões.
A notícia de Maurício Lima foi rebatida
pela Eletrobras: As informações seriam "incorretas", deu o assunto
por encerrado e batalhou para mantê-lo sob sigilo.
Passaram-se quatro anos e o lava-jatismo
tornou-se um anátema. Desde setembro de 2020, circula no Tribunal de Contas da
União um relatório de inspeção com 379 páginas e o carimbo de
"reservado" sobre o contrato assinado pela Eletrobras com o escritório
Hogan Lovells.
No último dia 15, os ministros começaram a tratar do assunto e o trabalho foi suspenso por um pedido de vistas. Está estabelecido pelo relatório que a Eletrobras pagou R$ 340 milhões para investigar desvios que ficaram abaixo dessa quantia.
O relatório mostra como torraram-se R$ 340
milhões para investigar empreiteiras metidas em licitações viciadas,
sobrepreços (quando o serviço é caro), superfaturamentos (quando há mutreta na
cobrança), benefícios impróprios e subcontratações malandras.
O trabalho da infantaria do TCU mostrou um
painel desalentador. Nos contratos com o escritório Hogan Lovells, havia
vícios, sobrepreços, superfaturamentos e subcontratações que chegaram a R$ 263
milhões, pagando-se em muitos casos por serviços que não eram comprovados.
Nos tempos da Lava Jato, empreiteiros e
gestores públicos viraram Belzebus. Em muitos casos, eram. No entanto, olhando
para o que aconteceu no contrato da Hogan Lovells, ocorre um raciocínio cínico,
porém inevitável: roubava-se na construção de hidrelétricas, mas as empresas
empregavam milhares de trabalhadores e, ao fim do negócio, as usinas produziam
eletricidade. O trabalho da Hogan Lovells empregou algumas dezenas de
afortunados e produziu papéis de pouca serventia.
A investigação do TCU encontrou "a
existência de sobrepreço na contratação" e mais:
"Pagamentos por serviços sem regular e
prévia comprovação de sua execução (superfaturamento)."
"Reembolso de despesas não autorizadas
previamente ou irregularmente demonstradas."
"Elevação de preços contratuais acima
do limite legalmente autorizado."
"Realização de contrato verbal para
prestação de serviços não caracterizados como de pequenas compras de pronto
pagamento ""Membros da Cigi."
Membros da Comissão Independente de Gestão
da Investigação da Eletrobras, a Cigi, além de serem remunerados pelos serviços
que prestavam, foram reembolsados por colaborações adicionais. Entre
eles: Ellen
Gracie Northfleet (ex-presidente da Supremo Tribunal Federal), Durval
José Soledade Santos (ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários) e Júlio
Sérgio de Souza Cardoso.
"Foi identificado que a Eletrobras
firmou termos de reconhecimento de dívida (TRD), com pessoas físicas e
jurídicas em vista da prestação de serviços, sem cobertura contratual
formal."
O escritório Ellen Gracie Advogados
Associados recebeu R$ 474 mil. Os doutores Durval e Júlio Sérgio cobraram R$
67,5 mil cada um.
Além desses reembolsos, entre 2015 e 2017,
Durval recebeu R$ 68 mil mensais e o Ellen Gracie Associados, R$ 131,1 mil
mensais em 2015 e 2016 como remuneração por integrar a comissão.
Pagamentos legítimos, remuneravam trabalho.
Durval José Soledade Santos, recebeu R$ 2.517 por hora trabalhada e o
escritório de Ellen Gracie, R$ 3,6 milhões (R$ 4.788 por hora).
O documento informa:
"Os valores pagos pela Eletrobras aos
membros da Cigi são incompatíveis com os preços praticados pelo mercado."
"Os pagamentos por serviços sem
regular e prévia comprovação da execução implicaram dano ao patrimônio do
tomador e enriquecimento imotivado dos prestadores".
"Os produtos entregues à Eletrobras
pelo Hogan Lovells não se prestam à: a) detecção de fraudes já ocorridas que
ainda não fossem de conhecimento de autoridades nacionais de controle e
investigação; b) prevenção de fraudes futuras ainda não conhecidas."
O relatório de inspeção listou 53
responsáveis e sugeriu que todos sejam ouvidos. Na caçamba, entraram executivos
e membros dos conselhos da Eletrobras, bem como os sócios e diretores das
empresas contratadas.
O documento é apenas um ponto de partida
para o julgamento. Está longe de ser um veredito e a memória das decisões do
Tribunal de Contas tem pelo menos um horrível esqueleto. Em 2017 o TCU congelou
os bens dos conselheiros da Petrobras numa decisão absurda, com um lance de
amnésia seletiva.
Uma coisa é certa: se em 2017 a Eletrobras
tivesse tomado o cuidado de investigar a denúncia de Maurício Lima, o caso do
contrato com o escritório custaria menos à sua reputação.
Madame Natasha
Madame Natasha adora ler documentos do
Tribunal de Contas da União e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo à
equipe do relatório de inspeção do contrato da Eletrobras com o Hogan Lovells.
Em duas ocasiões eles queriam dizer "acessoriamente" e escreveram
"assessoriamente".
Nada grave. Em março de 1964, antes de
entrar para a Academia Brasileira de Letras, o general Aurélio de Lyra Tavares,
futuro ministro do Exército,
disparou um "acessoramento" numa carta ao seu colega Humberto
Castello Branco.
O direito da Unimed
Durante cerca de 20 anos o economista
Cláudio Salm, ex-diretor do IBGE, foi freguês da operadora de saúde
privada Unimed.
Diagnosticado com um câncer de pulmão, recorreu a um medicamento importado.
Como o fármaco não estava na lista
da Anvisa, foi à Justiça e obteve uma liminar que lhe assegurava o
reembolso.
Meses depois, em abril de 2006, o remédio
entrou na lista da agência.
Em agosto de 2019 Cláudio Salm morreu.
A Unimed está na Justiça, cobrando R$ 176
mil ao espólio do falecido.
Como o Superior
Tribunal de Justiça decidiu que as operadoras não são obrigadas a
reembolsar o custo de medicamentos que não estão no rol da Anvisa, ficou a
questão:
Se a Justiça concedeu uma liminar quando o remédio não está na lista e depois ele é incluído, o espólio do freguês tem que pagar?
Um comentário:
Escrever errado é da lei,hoje ficou mais fácil não errar por causa do computador,quer dizer,corrige só a grafia.
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