Folha de S. Paulo
Quase 40% não votaram em 2002, voto parece
mais decidido e país rachou com ódio e economia
Lula da Silva (PT) foi preso em abril de
2018. Em junho, liderava o Datafolha,
com 30% dos votos para presidente. Em segundo lugar vinha "Ninguém",
com 21%: isto é, a soma de nulos, brancos e indecisos. Jair Bolsonaro (PL),
então PSL, tinha 17%.
No outro cenário da pesquisa, Fernando
Haddad era o candidato petista, com 4%. "Ninguém" liderava, com 33%.
Bolsonaro vinha a seguir, com 19%.
Foi uma eleição esdrúxula e lúgubre. Parece
compreensível que, em meados do ano, "Ninguém" tivesse tantos votos,
que acabariam tendo outro destino quando o país entrou em surto terminal.
Mas houve outras eleições em que havia
tantos ou mais votos nulos, brancos e indecisos
no meio do ano. Na campanha de 2022, o nível de abstinência eleitoral e
indecisão é do mais baixo na redemocratização.
Óbvio que o voto pode mudar até outubro, mas mais gente tomou partido mais cedo. É mais um dado para pensar o que pode mudar o destino da eleição, assim como é o caso do voto feminino, da rejeição maior de pobres e pretos a Bolsonaro ou do peso que podem ter os estelionatos eleitorais.
Parece óbvio, mas a gente se esquece ainda
de como o eleitor mudou desde Lula 1. Há continuidades, de experiência
socioeconômica, política ou outra. Mas massas de cidadãos passam a votar ou
deixam de fazê-lo, em condições muito diferentes de debate público.
Das pessoas que ora têm idade para votar,
quase 40% não podiam fazê-lo ou nem haviam nascido em 2002, na vitória de Lula
1. Quase um quarto do eleitorado tinha menos de 16 anos quando Lula deixou o
poder, em 2010. Devem ter memória diferente dos "bons anos petistas".
Os evangélicos eram 15% da população em 2000, são mais de 30% agora.
Em 2006, o número de celulares equivalia a
53% da população _não quer dizer que fosse essa a parcela dos brasileiros com
celular: alguém tinha mais de um, outrem nenhum. Em 2018, equivalia a 109%;
agora, a 120%.
O número de contas
em redes sociais passou de 86 milhões em 2014 para 130 milhões em 2018
e 171 milhões em 2022 (dados de várias fontes compilados no site Datareportal,
a serem tomados com grãos de sal).
Lula tem 56% contra 20% de Bolsonaro entre
as famílias que ganham até dois salários mínimos; perde ou empata nas demais
faixas de renda. É uma eleição "de classe" ou da revolta da pobreza,
mas não é história tão diferente pelo menos desde 2006. Bolsonaro, de resto,
ainda tem 20% dos pobres na pior crise da República.
Como se sabe, 36% dos homens e 21% das
mulheres votam em Bolsonaro. É diferença expressiva, ainda maior que na votação
de Lula em 2002 e 2006, também mais votado por homens.
"Ninguém" (nulos, brancos,
indecisos) teve 11% dos votos no Datafolha desta semana, tão pouco quanto no
junho ou julho da eleição de Lula 1 (2002) e Dilma 1 (2010).
No junho da eleição de Dilma 2 (2014),
"Ninguém" tinha 30%, à frente de Aécio Neves (PSDB). Foi eleição
apertada e conturbada pelas sequelas de 2013 e na véspera da Grande Recessão.
Nas eleições de FHC, brancos, nulos e indecisos eram cerca de 20% em meados do
ano, quando a disputa com Lula estava empatada.
Eleição é mais do que "a economia,
estúpido!". Eleitores parecem algo mais decididos porque os candidatos são
mais conhecidos e por causa do conflito
odiento, "cultural" e econômico, que vai rachar o país a perder
de vista.
Machismo e outras desumanidades afetam o
voto, assim como a volta da questão religiosa. Várias classes reacionárias se
organizaram politicamente, o tumulto volátil da política digital domina a
conversa pública, há quase uma mudança de geração de 2002 para 2022. Eleição e
voto podem ser mais complicados do que parece.
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