domingo, 26 de junho de 2022

Vinicius Torres Freire: Eleitor mudou muito desde Lula 1

Folha de S. Paulo

Quase 40% não votaram em 2002, voto parece mais decidido e país rachou com ódio e economia

Lula da Silva (PT) foi preso em abril de 2018. Em junho, liderava o Datafolha, com 30% dos votos para presidente. Em segundo lugar vinha "Ninguém", com 21%: isto é, a soma de nulos, brancos e indecisos. Jair Bolsonaro (PL), então PSL, tinha 17%.

No outro cenário da pesquisa, Fernando Haddad era o candidato petista, com 4%. "Ninguém" liderava, com 33%. Bolsonaro vinha a seguir, com 19%.

Foi uma eleição esdrúxula e lúgubre. Parece compreensível que, em meados do ano, "Ninguém" tivesse tantos votos, que acabariam tendo outro destino quando o país entrou em surto terminal.

Mas houve outras eleições em que havia tantos ou mais votos nulos, brancos e indecisos no meio do ano. Na campanha de 2022, o nível de abstinência eleitoral e indecisão é do mais baixo na redemocratização.

Óbvio que o voto pode mudar até outubro, mas mais gente tomou partido mais cedo. É mais um dado para pensar o que pode mudar o destino da eleição, assim como é o caso do voto feminino, da rejeição maior de pobres e pretos a Bolsonaro ou do peso que podem ter os estelionatos eleitorais.

Parece óbvio, mas a gente se esquece ainda de como o eleitor mudou desde Lula 1. Há continuidades, de experiência socioeconômica, política ou outra. Mas massas de cidadãos passam a votar ou deixam de fazê-lo, em condições muito diferentes de debate público.

Das pessoas que ora têm idade para votar, quase 40% não podiam fazê-lo ou nem haviam nascido em 2002, na vitória de Lula 1. Quase um quarto do eleitorado tinha menos de 16 anos quando Lula deixou o poder, em 2010. Devem ter memória diferente dos "bons anos petistas". Os evangélicos eram 15% da população em 2000, são mais de 30% agora.

Em 2006, o número de celulares equivalia a 53% da população _não quer dizer que fosse essa a parcela dos brasileiros com celular: alguém tinha mais de um, outrem nenhum. Em 2018, equivalia a 109%; agora, a 120%.

O número de contas em redes sociais passou de 86 milhões em 2014 para 130 milhões em 2018 e 171 milhões em 2022 (dados de várias fontes compilados no site Datareportal, a serem tomados com grãos de sal).

Lula tem 56% contra 20% de Bolsonaro entre as famílias que ganham até dois salários mínimos; perde ou empata nas demais faixas de renda. É uma eleição "de classe" ou da revolta da pobreza, mas não é história tão diferente pelo menos desde 2006. Bolsonaro, de resto, ainda tem 20% dos pobres na pior crise da República.

Como se sabe, 36% dos homens e 21% das mulheres votam em Bolsonaro. É diferença expressiva, ainda maior que na votação de Lula em 2002 e 2006, também mais votado por homens.

"Ninguém" (nulos, brancos, indecisos) teve 11% dos votos no Datafolha desta semana, tão pouco quanto no junho ou julho da eleição de Lula 1 (2002) e Dilma 1 (2010).

No junho da eleição de Dilma 2 (2014), "Ninguém" tinha 30%, à frente de Aécio Neves (PSDB). Foi eleição apertada e conturbada pelas sequelas de 2013 e na véspera da Grande Recessão. Nas eleições de FHC, brancos, nulos e indecisos eram cerca de 20% em meados do ano, quando a disputa com Lula estava empatada.

Eleição é mais do que "a economia, estúpido!". Eleitores parecem algo mais decididos porque os candidatos são mais conhecidos e por causa do conflito odiento, "cultural" e econômico, que vai rachar o país a perder de vista.

Machismo e outras desumanidades afetam o voto, assim como a volta da questão religiosa. Várias classes reacionárias se organizaram politicamente, o tumulto volátil da política digital domina a conversa pública, há quase uma mudança de geração de 2002 para 2022. Eleição e voto podem ser mais complicados do que parece.

 

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