O Estado de S. Paulo
Cerco à Petrobras, indisciplina fiscal e
ameaças à Lei das Estatais são retrocessos, negaçõesde avanços históricos.
Juscelino já era. Prometeu cinquenta anos
em cinco e realizou um grande trabalho de modernização, mas Jair Bolsonaro é
muito mais audacioso. Poderia levantar a bandeira de oitenta anos em quatro,
mas na contramão da história. Em apenas um mandato, está demolindo, ou tentando
demolir, avanços acumulados em oito décadas. Ao tentar intervir na Petrobras e
em seus padrões de gestão, põe em risco uma estatal criada em 1953 e
consolidada, num percurso difícil e inseguro, como uma grande e eficiente
empresa do setor energético. Sobreviveu até a desastrosa intervenção
petista, mas nem a Lei das Estatais, importante barreira aos desatinos
políticos, está hoje segura. A Petrobras é um símbolo, talvez mais vistoso, da
política do retrocesso conduzida por Bolsonaro e por seus principais
companheiros de aventura, mas o desmonte histórico é muito mais amplo.
Pobreza e fome estão entre os mais preciosos troféus dessa campanha. Em 2014 o Brasil saiu do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas. Em 2013 havia 52 milhões de pessoas, 26% da população, em insegurança alimentar. Esse contingente abrangia 7,2 milhões de indivíduos famintos, 3,6% dos habitantes do País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa vitória já foi revertida. Pesquisa iniciada em novembro do ano passado e encerrada em abril mostrou 33,1 milhões assombrados pela fome e 125 milhões – incluídos os sem comida – em condição de insegurança. Este último número equivale a 58,7% dos moradores no País. Não houve notícia, ainda, de um retorno ao mapa internacional dos famintos, mas isso em nada deprecia a façanha bolsonariana.
Desemprego, subemprego, perda de
remuneração e inflação muito alta explicam o aumento da pobreza e o
reaparecimento da fome. Ninguém deveria alegar surpresa. Já na campanha
eleitoral, em 2018, o candidato Jair Bolsonaro qualificou como excessivos os
direitos trabalhistas dos brasileiros. Sobravam direitos e faltava trabalho,
segundo ele. Mas criação de emprego depende, no curto prazo, muito mais da
expansão dos negócios do que dos direitos trabalhistas e do custo da mão de
obra.
Sem plano, sem objetivos de longo prazo e
sem uma efetiva política econômica, o presidente e seu ministro da Economia,
Paulo Guedes, nunca tentaram repor o País, com segurança, no caminho da
modernização e do crescimento. Pela última estimativa do Banco Central,
divulgada na quinta-feira, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve crescer
1,7% neste ano. Se a projeção estiver correta, a média anual de expansão terá
ficado, a partir de 2019, abaixo de 2%, embora o desempenho em 2021 tenha sido
mais que suficiente para compensar a perda de 3,9% ocorrida em 2020.
Todo o mundo capitalista foi atingido pelos
efeitos econômicos da covid-19 e, nos últimos meses, pelos danos decorrentes da
guerra na Ucrânia. Mas o desemprego e a inflação no Brasil continuam maiores
que na média das economias emergentes e desenvolvidas. O presidente Bolsonaro e
sua equipe conseguiram, portanto, interromper a recuperação iniciada em 2017,
depois da recessão de 2015-2016, foram incapazes de reverter a
desindustrialização e assistiram, quase inertes, à degradação das condições de
trabalho. Não há como atribuir a subutilização de mais de 20 milhões – e seu
empobrecimento – à legislação trabalhista implantada em 1942, há 80 anos,
portanto, e às normas adicionadas nas décadas seguintes.
Incapazes de enfrentar as questões
fundamentais, o presidente e seus associados tentam disfarçar os problemas com
improvisações às vésperas da eleição. Para isso, precisarão contornar as normas
eleitorais e a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada há 12 anos. Se
conseguirem, terão dado mais um passo, talvez dois, no caminho do retrocesso.
A reversão histórica é hoje parte do dia a
dia brasiliense. Os ataques à Petrobras são acompanhados de ensaios de
revogação, ou pelo menos de alteração, da Lei das Estatais. Essa lei foi
aprovada em 2016, quando o escândalo da Lava Jato facilitava a imposição de
restrições a desmandos do poder. A Lei de Responsabilidade Fiscal tem sido
agredida com frequência. A regra do teto de gastos, aperfeiçoamento das normas
fiscais, já foi descumprida pela atual administração, com ajuda de um
malabarismo legal improvisado.
O mesmo tipo de manobra facilitou a imposição de calote a credores de precatórios, por meio do reescalonamento dos compromissos confirmados judicialmente. Também a violação dos padrões federativos, com a interferência na tributação de combustíveis pelos Estados, cabe perfeitamente neste roteiro do atraso. Da mesma forma, combina com esse conjunto a ideia, lançada há poucos dias, de tributar a exportação de petróleo. Essa manobra seria semelhante à prática argentina, sempre fracassada, de atrapalhar as vendas externas de trigo e carne para baratear a comida no mercado interno. Seria mais uma reversão das políticas brasileiras, mais um atraso ditado pelos padrões bolsonarianos. Talvez se possa, em 2023, engatar de novo a marcha para a frente.
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