Folha de S. Paulo
Há duas explicações rivais para a
transformação das estruturas partidárias tradicionais
Após a debacle na eleição de 2017, o
partido socialista (PS) francês, um dos mais importantes partidos europeus do
pós-guerra, vendeu as "joias da coroa". Explico: o PS vendeu sua sede
histórica na Rue Solférino, numa das áreas mais valorizadas de Paris, para
pagar as dívidas de campanha.
Nada poderia ser mais simbólico. O sistema
partidário estabelecido há quase um século no país exauriu-se. A eleição
contrapôs Macron, e seu recém fundado movimento En Marche, à Marine Le Pen, o
que se repetiu em 2022.
O PS obteve 1.8% do voto. No "terceiro turno" —as eleições legislativas desta semana— Mélenchon unificou a esquerda numa reviravolta ideológica de 180 graus. Se bem-sucedido, teria levado Macron a de fato lhe passar o bastão do executivo, conforme a prática do semi-presidencialismo no país. Nela, presidentes governam no modo presidencialista quando contam com maioria parlamentar; e submetem-se ao primeiro-ministro, em coabitação, na ausência dela.
Macron, Mélenchon e Le Pen são, em graus
distintos, outsiders: insurgiram-se contra as estruturas partidárias
tradicionais. Mas a ascensão de Macron mostra que nem todos os outsiders são
extremistas. Os partidos de centro-direita tiveram a mesma sorte que o PS: os
gaullistas e seus satélites também encolheram.
Há duas explicações rivais para esta
transformação. A primeira foca em mudanças pelo lado da demanda: as
preferências do eleitorado nas democracias avançadas mudaram, e se
radicalizaram, sobretudo à direita, dando margem ao surgimento de
partidos-nicho (verdes, feministas, etc) e anti-sistema. (No pós-guerra estes
últimos eram graúdos e estavam na esquerda, como os estalinistas PCI e PCF, que
definharam).
A segunda enfatiza a oferta institucional:
os partidos distanciaram-se do eleitor médio. Voltaram-se para a
governabilidade, tornando-se indistinguíveis uns dos outros. Resultado:
afiliação partidária e comparecimento às urnas despencaram.
No final dos anos 1960, a política
consensual sofre grande transformação. Nos anos 1980, as divergências
programáticas acentuaram-se. Nas últimas décadas, a polarização recrudesceu, ao
tempo em que sua natureza mudou; ela tornou-se fundamentalmente afetiva
–ancorada na animosidade e rejeição entre rivais.
Muitos analistas, no pós-guerra,
constataram a grande convergência programática entre partidos
social-democratas, socialistas, democratas cristãos e conservadores. E
lamentaram o cinismo cívico resultante. Afinal, a política parecia
crescentemente uma farsa entre falsos rivais.
Hoje, eles lamentam que a política está
marcada por divergências paralisantes. Antes teria havido ausência de
polarização, hoje excesso dela.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
É como no Brasil,a polarização entre esquerda e direita exacerbou.
Postar um comentário