quinta-feira, 2 de junho de 2022

Míriam Leitão: A crise atual numa visão de esquerda

O Globo

Vai custar pelo menos R$ 100 bilhões pagar os atrasados que o governo Bolsonaro está jogando para o ano que vem. É o que acha o economista Nelson Barbosa, que foi ministro do Planejamento e da Fazenda do governo Dilma. Ele define a economia do atual governo como um “show de improviso”. Acredita que o número a ser divulgado nesta quinta-feira, do PIB do primeiro trimestre, será positivo, mas que isso não se sustenta. Barbosa conta que economistas do PT têm se reunido para preparar um plano, e ele participa, mas “não há um cacique”.

— O PIB vem forte hoje e o desemprego caiu. Esse é o lado bom, o copo meio cheio. Mas o copo também está meio vazio porque essa recuperação não tem fôlego. Com a desaceleração da pandemia, a economia finalmente reabriu e o setor de serviços se recupera. Isso só acontece uma vez, você não reabre todo trimestre. Não dá para comemorar porque o resultado não é sustentável.

Na visão dele, em entrevista que me concedeu na Globonews, o choque é externo, mas foi agravado internamente:

— É preciso ter um plano de reconstrução. A covid vai deixar sequelas econômicas e sociais. Do lado da política econômica há um show de improviso. O governo não tinha plano para o pós-covid, nem para lidar com a volatilidade de preços de energia e combustível.

Ele é a favor da redução do ICMS sobre alguns bens e serviços, mas dentro de uma reforma tributária:

— A tributação indireta é muito alta no Brasil. O ICMS ainda se pauta por uma lógica dos anos 1970, quando energia, telefone, gasolina eram considerados bens supérfluos aos quais poucos tinham acesso. Hoje são bens populares. O ICMS é alto há 30 anos. Não foi isso que causou o choque de preços. O governo não se preparou para lidar com a volatilidade das cotações de energia e de combustíveis.

No caso dos combustíveis, ele defende atenuar os efeitos do choque externo:

— A maioria dos economistas não concorda com o controle de preços. Eu também não. Vários países estão adotando políticas para suavizar os preços. A Espanha, Itália e o Reino Unido estão adotando uma tributação extraordinária sobre lucros excessivos do setor. É preciso desmistificar a ideia de que o governo não tem nada a fazer, que o mercado resolve. Esse é um preço-chave, o governo tem que intervir para atenuar a flutuação. Já se faz isso com o câmbio flutuante. O BC não tem meta, mas quando flutua demais ele faz swap cambial, faz leilão de reserva, vende e compra.

Nelson Barbosa, que era ministro quando a inflação chegou a dois dígitos em 2015/2016, concorda com a atuação do Banco Central:

— Está correto, já vivemos com inflação alta, que é muito ruim. Um país como o Brasil sabe que tem que tomar o remédio amargo.

Ele lembra que parte da inflação é causada pela instabilidade política do governo, com o presidente que coloca em dúvida a manutenção da democracia.
Sobre as críticas ao governo Dilma, Barbosa diz que passados seis anos já se sabe que não foi só um problema de política econômica.

— Houve erros de política econômica, vários deles reconhecidos e comentados pelas próprias autoridades do PT, inclusive eu, mas é preciso reconhecer que aquela recessão teve outros fatores. Houve queda de preços de commodities, seca, e o choque político da operação Lava-Jato. Tudo isso explica a recessão.

Barbosa tem participado de reuniões para definir um plano econômico da candidatura Lula:

— Na medida que as eleições forem se aproximando, os candidatos terão que ser mais claros sobre seus planos, até porque a legislação manda. No PT, há vários economistas dando ideias, eu faço parte, mas não há um cacique.

Há um ponto que geralmente gera controvérsia entre os economistas. Qual a ordem dos fatores? Controla os gastos e cresce, ou cresce e controla os gastos?

— É preciso aumentar temporariamente o gasto, para reforçar a transferência de renda e retomar o investimento. Fazer a economia crescer e reequilibrar o orçamento. Essa é a sequência. É muito difícil o equilíbrio com a economia estagnada.

Perguntei o que colocar no lugar do teto de gastos. Barbosa disse que Bolsonaro vai deixar um passivo de pelo menos R$ 100 bilhões de precatórios e despesas atrasadas.

— Depois será preciso fazer uma diretriz fiscal. Pode ser uma meta de resultado primário ou meta de gastos. Eu prefiro a segunda opção. Não é nenhuma novidade, é assim que é feito nas grandes democracias do mundo.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Bolsonaro consegue piorar tudo que toca,é o avesso do Rei Midas.