sexta-feira, 3 de junho de 2022

Ricardo Mendonça: Voto envergonhado e ataque às instituições

Valor Econômico

Eleitores enrustidos de Lula podem decidir a eleição no 1º turno

Algumas semanas atrás, uma empresa de pesquisa contratada por um banco fez um teste curioso. Depois de perguntar aos entrevistados em quem eles pretendiam votar para presidente da República neste ano, perguntou em quem eles achavam que a maioria da outras pessoas da família e da roda de amigos estava disposta a votar.

Constatou que tem mais gente que conhece parentes e amigos interessados em votar no ex-presidente Lula do que o próprio desempenho de Lula na pergunta direta. Com o presidente Jair Bolsonaro ocorre o inverso.

Os resultados são sugestivos.

Na véspera do primeiro turno das eleições de 2018, o Datafolha informava que Bolsonaro tinha 40% dos votos válidos, o Ibope falava em 41%. No domingo, conforme a apuração do Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro terminou o primeiro turno em primeiro lugar, exatamente como diziam as pesquisas, mas com pouco mais de 46% dos votos válidos.

A diferença de cinco ou seis pontos entre os números de véspera apurados pelos institutos de pesquisa e o resultado extraído das urnas naquela eleição foi atribuída à aceleração de última hora de uma onda conservadora que pairava sobre a sociedade - fenômeno que teria exercido pressão maior no grupo dos que deixam para decidir no dia do pleito - e ao chamado voto envergonhado.

Voto envergonhado foi um fenômeno muito discutido nos Estados Unidos após a surpreendente vitória de Donald Trump em 2016. Lá, o excêntrico empresário e apresentador de TV também havia conquistado mais votos nas urnas do que as empresas de pesquisa conseguiam enxergar antes do pleito.

Apurou-se depois que uma parte considerável do eleitorado americano torcia intimamente pela vitória de Trump, mas, antes da eleição, não se sentia confortável para admitir isso publicamente. O candidato era tão estranho ao figurino tradicional de presidentes americanos, tão grotesco e tão politicamente incorreto, que alguns apoiadores tinham receio de sofrer qualquer tipo de constrangimento social se admitissem a simpatia que realmente sentiam.

O medo de ser reprovado pelo interlocutor também se manifestava quando esse disfarçado simpatizante de Trump era abordado por algum profissional de pesquisa. “Se eu afirmar que prefiro o Donald, o que esse entrevistador vai pensar de mim?”, poderia especular.

Na dúvida, o trumpista receoso respondia qualquer outra coisa para ao entrevistador. Mas na cabine de votação, sozinho, em ato secreto, sem o risco da patrulha de amigos ou parentes, o voto era para Trump.

No Brasil de 2018, o mais exótico entre os candidatos competitivos da eleição presidencial era Bolsonaro.

Não são poucos os estigmas negativos associados à figura do agora presidente. Machista. Racista. Homofóbico. Vulgar. Violento. Apoiador da ditadura militar, admirador de torturadores. Muitas dessas marcas fortes sempre foram alimentadas pelo próprio personagem.

É razoável supor que, quatro anos atrás, uma parcela não desprezível do eleitorado que se identificava com os atributos repugnantes de Bolsonaro ainda não tinha coragem suficiente para assumir o bolsonarismo de peito aberto.

Em seus círculos, esses eleitores dissimulavam a simpatia pelo capitão reformado. Abordados pelos institutos de pesquisa, não se sentiam à vontade para responder “Bolsonaro”. Nas urnas, porém, fincaram “17”.

Não há razão para acreditar que o voto envergonhado em Bolsonaro se repetirá nas eleições deste ano.

Quatro anos depois, qualquer pudor que algum bolsonarista de armário nutria em 2018 já teve tempo suficiente para se diluir. De braços dados com o chamado Centrão, Bolsonaro não pode mais ser confundido com um estranho do mundo político, um “outsider”. Não é mais o deputado amalucado com linguagem transgressora. Agora ele é o presidente da República, o titular do cargo, o oficial, o incumbente.

Um indício da evaporação do apoio envergonhado a Bolsonaro aparece nos relatórios das próprias pesquisas de opinião. Como método de controle, as empresas também perguntam aos entrevistados em quem eles votaram na última eleição. Diferentemente do que ocorria antes do pleito de 2018, os resultados de agora coincidem com os da apuração.

Se não há mais bolsonarista enrustido, Lula desponta, conforme sugere o curioso teste citado no início desse texto, como potencial candidato a ser o mais novo destinatário de votos envergonhados da eleição presidencial.

Corrupto, comunista, presidiário, mensaleiro, aloprado, chefe do petrolão. Os carimbos acumulados que perseguem o petista em sua sexta candidatura presidencial não são poucos. A quatro meses da eleição, podem estar camuflando parte de sua força eleitoral.

Eleitores de Bolsonaro genuinamente arrependidos do voto em 2018 podem ainda não se sentirem inteiramente confortáveis para admitir a intenção de votar em Lula em 2022. Simpatizantes do PSDB de várias décadas talvez ainda tenham receio de, em público, dizer que agora irão de PT.

Em outubro, com pequeno empurrãozinho do voto envergonhado, um eventual desempenho de Lula superior ao apontado pelas pesquisas pode representar a conclusão da disputa presidencial no primeiro turno.

Pode resultar também em uma previsível intensificação do queixume golpista a respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas. Uma preciosidade no colo dos propagadores de notícias falsas e teorias da conspiração.

Um Bolsonaro derrotado no voto em 2 de outubro, data do primeiro turno, ainda terá quase três meses de mandato pela frente. Um Bolsonaro derrotado no segundo turno, em 30 de outubro, ainda terá mais dois meses de comando na Presidência da República.

As instituições precisarão ser fortes.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

É,pode mesmo ter gente que tem vergonha de declarar que vai de Lula,se no passado o criticava tanto.