Para Persio Arida, cortar imposto para tentar controlar a inflação é medida populista e irresponsável
Por Anaïs Fernandes / Valor Econômico
Ainda que existam fatores globais ajudando
a explicar a pressão sobre os preços, como no caso atual no Brasil, a inflação
sempre é resultado de falhas de governo, o que já aconteceu e segue ocorrendo
na gestão de Jair Bolsonaro (PL), aponta Persio Arida, ex-presidente do Banco
Central e um dos idealizadores do Plano Real.
Cortar impostos no contexto atual das
contas públicas brasileiras para tentar controlar a inflação é medida populista
e irresponsável, segundo Arida. Além disso, o governo corre para aprovar uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o valor do Auxílio Brasil e
cria outros benefícios, o que tende a alimentar ainda mais a inflação, diz ele.
“É uma mistura de desfaçatez com inépcia”, afirma Arida.
"Nosso primeiro compromisso tem que ser com
a democracia. Estamos vivendo um retrocesso civilizatório”
Ele observa que os próximos meses,
principalmente a partir de agosto, quando começa a campanha eleitoral, serão de
elevada incerteza, o que também não facilita o trabalho do Banco Central de
convergir a inflação para a meta. “Quem garante que o governo não patrocinará
mais um furo no teto, ou que a PEC supostamente emergencial não vire
permanente?”
Arida foi coordenador do programa econômico
do ex-tucano Geraldo Alckmin (hoje PSB) na corrida pelo Planalto em 2018,
quando Bolsonaro saiu vencedor. Em março deste ano, circularam notícias de que
Arida havia se reunido com Aloizio Mercadante (PT), coordenador do programa da
chapa Lula-Alckmin. Ao Valor Arida
confirma o encontro, mas diz que tem se reunido com “todas as forças do campo
democrático”. Ele cita o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), que
acabou deixando a disputa, e a pré-candidata Simone Tebet (MDB). “Mais quatro
anos da família Bolsonaro no poder seriam desastrosos para o Brasil”, alerta.
"Com uma boa agenda ambiental e respeito às
instituições, o Brasil deixa de ser um pária dos investimentos”
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na sexta-feira.
Valor: O mercado tem elevado suas projeções para o PIB
do Brasil em 2022. Ao mesmo tempo, a inflação em 12 meses segue em dois dígitos
e as previsões são de mais juros. Que momento macroeconômico é esse do país?
Persio Arida: Nosso
problema estrutural é o crescimento muito baixo, algo entre 1,5% e 2%. É um
crescimento que não leva a renda per capita a subir e é insuficiente para
termos o país que gostaríamos de ter. Nesse aspecto, o que está acontecendo
agora é só um processo cíclico. A minha previsão para o ano que vem é de
crescimento quase zero. O Brasil oscila nessa faixa entre zero e 2%. Estou
muito pessimista para 2023. Inflação é um problema mais complicado. O Brasil
tem tradição de indexação muito grande. E eu acho também que tem um problema,
de certa forma, global. Eu não vejo os bancos centrais no exterior preocupados
em efetivamente causar queda da inflação. É como se eles tivessem um mandato
dual - e alguns países têm, claro -, mas com peso muito grande no efeito de
curto prazo da política monetária sobre o nível de emprego.
Valor: A Europa, por exemplo, tem inflação bem
pressionada e taxas de juros reais ainda negativas...
Arida: Juro real
negativo tem uma função. Em certos períodos históricos, que sucedem a grandes
endividamentos, juros reais negativos diminuem o tamanho da dívida pública. O
caso mais eloquente nesse aspecto é o que aconteceu depois da Segunda Guerra
Mundial - a Inglaterra tinha 250% de dívida/PIB. Surtos inflacionários reduzem
o valor real da dívida, desde que os juros fiquem negativos, que é exatamente o
que está acontecendo agora. Então, tem um significado de ajuste mais profundo,
mas é claramente uma decisão dos bancos centrais no sentido de evitar uma luta
inflacionária com determinação.
Valor: Sobre o Brasil, como tem acompanhado o recente
processo inflacionário, à luz da sua experiência na época do Plano Real?
Arida: Inflação não
é um fenômeno de mercado. É sempre o resultado de uma falha do governo. Essa
política fiscal expansionista do governo, resultado dos furos do teto de gastos
e da redução de tributos, joga contra o Banco Central por aumentar a demanda e
desvalorizar o câmbio. E há uma enorme incerteza à frente - quem garante que o
governo não patrocinará mais um furo no teto, ou que a PEC supostamente
emergencial não vire permanente? Além disso, há eleições em outubro. O Fed
[Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos] tem por prática não mexer
na taxa de juros antes das eleições, mas, na minha opinião, o Banco Central não
deveria se deixar influenciar pelo calendário eleitoral.
Valor: Medidas de corte de impostos, como as aprovadas
no Congresso, não funcionam, então, para controlar a inflação?
Arida: O corte de
impostos é o exemplo de política populista simples. Se o Brasil tivesse
superávit, eu entenderia. Mas o Brasil está longe de ter superávit. Claramente,
é uma coisa populista, evidentemente voltada para ganhar votos. É uma política
fiscal irresponsável. É tão simples quanto isso.
Valor: O sr. diz que é preciso olhar o fiscal e o
monetário. Em relação à atuação do Banco Central desde o choque da pandemia e
até agora, qual é a sua avaliação?
Arida: O Banco
Central é uma das poucas áreas de governo que funcionam bem. Gosto muito do
trabalho de desregulação e aumento de competição no mercado financeiro. E o Pix
foi um sucesso. É sempre possível dar uma de engenheiro de obra feita e dizer
que o Banco Central não deveria ter baixado tanto a taxa de juros durante a
pandemia, mas, considerando as incertezas daquele momento, está longe de ser
óbvio ex-ante que o Banco Central errou.
Valor: Os ativos voltaram a ficar pressionados, em
parte, por causa do risco fiscal que o sr. mencionou. Com tanto drible em
regras como o teto de gastos, a Lei de Responsabilidade Fiscal, além da lei
eleitoral, sobrou algum arcabouço fiscal?
Arida: Essa PEC
emergencial de agora, o segundo furo no teto, é uma mistura de desfaçatez e
inépcia. Muitos países deram subsídios aos mais pobres. Mas, se houvesse uma
preocupação efetiva com eles, o subsídio teria que ter sido dado há muito mais
tempo. Inépcia porque, se o problema é causado por uma subida extraordinária do
preço do petróleo, o mais óbvio é adotar uma taxação extraordinária sobre suas
exportações para subsidiar os pobres. O absurdo é aumentar a dívida pública,
diminuir o ICMS e ficar trocando a diretoria da Petrobras, deprimindo o seu
valor e a confiança dos investidores.
Valor: Em março deste ano, saíram notícias sobre um
encontro entre o sr. e Aloizio Mercadante. Como foi isso?
Arida: Nosso
primeiro compromisso tem que ser com a democracia. Estamos vivendo um
retrocesso civilizatório. Ameaça às instituições, esvaziamento dos órgão de
controle, irresponsabilidade com o meio ambiente, estímulo à violência, cortes
ao financiamento da ciência, o desastre das escolas fechadas durante a
pandemia, a defesa da hidroxicloroquina e a demora em comprar vacinas. A
política econômica desse governo é lamentável: nenhum progresso na reforma
tributária ou administrativa, a economia brasileira continua fechada, a única
privatização que houve foi a pior da nossa história e os furos do teto de
gastos são vexaminosos. E o que deu certo foi mérito de outros: sem Rodrigo
Maia [ex-presidente da Câmara] e Tasso Jereissati [senador tucano], não
teríamos tido a reforma da Previdência e a lei do saneamento básico. A independência
do Banco Central foi um cochilo do Bolsonaro. Mas minha preocupação maior é
mesmo com a democracia e o estado de direito. Mais quatro anos da família
Bolsonaro no poder seriam desastrosos para o Brasil. Por isso, tenho conversado
com todas as forças do campo democrático.
Valor: Com quem, por exemplo?
Arida: Conversei
muito com [João] Doria, que fez um ótimo governo em São Paulo. Conversei com
Aloizio Mercadante em março e várias vezes com o Geraldo Alckmin. Conversei com
Simone Tebet e ajudei no programa econômico que está sendo preparado pela Elena
Landau. Independentemente do resultado das eleições, é importante dar voz a uma
parcela do eleitorado que rejeita as barbáries do Bolsonarismo, mas, ao mesmo
tempo, apoia as reformas modernizantes de que o país tanto precisa.
Valor: Que reformas são essas?
Arida: As mesmas que não foram feitas no governo Bolsonaro: uma abertura comercial decidida, reforma tributária, reformulação das leis orçamentárias, um processo de desconstitucionalização. Tem também as privatizações, para reduzir o tamanho do Estado e liberar capital para ajudar os mais pobres. Políticas públicas não precisam de estatais para serem efetivadas. Tem muita coisa a ser feita para colocar o Brasil em uma rota de crescimento mais elevado. Nenhum governo com disposição reformista consegue fazer todas as reformas ao mesmo tempo. Existe um problema de priorização política. Mas a diretriz tem que estar clara, senão pode ter certeza de que vamos ficar patinando nesse crescimento de zero e 2%. E o Brasil pode ter um belo futuro. Um bom governo pode fazer coisas extraordinárias e surpreendentes, como foi o governo do FHC [Fernando Henrique Cardoso], com o Plano Real e as reformas feitas em seguida. Hoje, tem uma oportunidade para o Brasil enorme. Se tiver uma boa agenda ambiental e respeito às instituições, o Brasil deixa de ser um pária para os investimentos internacionais.
Um comentário:
"Retrocesso civilizatório" é mesmo uma boa definição do DESgoverno Bolsonaro!
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