segunda-feira, 11 de julho de 2022

Celso Rocha de Barros: Ciência, universidade e democracia

Folha de S. Paulo

Universidade pública é espaço de experiência fundamental para a democracia

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em junho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Daniel Tourinho Peres, professor da UFBA, e Mayra Goulart, professora da UFRJ.

Diante dos cortes criminosos que o governo federal dirige contra o orçamento do conhecimento, muitos temos insistido na centralidade da ciência para o desenvolvimento do país. Mas não é apenas o nosso desenvolvimento econômico que está ameaçado. Está sob forte ameaça também o futuro da sociedade brasileira como sociedade democrática, que combata nossa absurda desigualdade e promova inclusão.

Por muito tempo, a ciência foi vista como atividade de um indivíduo especial: o cientista, alguém dotado de extrema curiosidade, inteligência e imaginação, capaz não apenas de olhar para os pequenos detalhes, mas também ter uma visão geral do mundo. Só mais tarde tornou-se compartilhada a percepção de que a ciência é um trabalho coletivo, resultado de uma sociabilidade muito particular, disposta a rever, ainda que nem sempre de bom grado, as bases sobre as quais estão assentadas suas certezas.

A elite brasileira se interessou tardiamente pela criação de instituições voltadas para a produção do conhecimento que viria auxiliar no desenvolvimento do país e em nossa integração a um sistema produtivo internacional marcado pelo rápido avanço científico. Essas instituições são, claro, as universidades públicas, onde se realiza mais de 90% de nossa ciência.

Algumas universidades são mais antigas, outras mais novas. Só muito recentemente, porém, em que pese o enorme trabalho que realizaram em tempo incrivelmente curto para inserir o Brasil como ator relevante na produção de ciência, elas passaram a explorar todo o potencial presente em seus diversos campi para a formação de uma sociabilidade com enorme potencial democrático.

Nos últimos anos, com a política de cotas, a universidade pública passa a ser também o espaço de uma experiência fundamental para a nossa democracia. É nela que começa a se realizar a nossa experiência comum, aquela em que brasileiras e brasileiros, de diferentes gerações e origens, com experiências de vida muito distintas e desiguais, encontram-se e cooperam com a finalidade de transmitir e produzir conhecimento, de buscar a solução de problemas conhecidos e enfrentar novas questões.

A universidade pública muda vidas. Mas ela não muda apenas a vida daqueles que entram nela. Ela muda também a forma como vivemos em sociedade, sociedade que se torna capaz de trabalhar seus conflitos e tensões, encontrando uma medida comum, ainda que precária e provisória, isto é, democrática.

Não é acidente, portanto, que governos com projetos autoritários tentem destruir universidades e a comunidade científica, seja com cortes brutais de recursos, seja com ataque sistemático, baseados em mentiras, à imagem das instituições e de seus quadros.

Em outubro, temos a chance de votar pela ciência, liberdade e igualdade, ou de continuarmos, como disse Millôr Fernandes, com um "enorme passado pela frente".

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

''Eu vejo o futuro repetir o passado'',com Bolsonaro será sempre assim.