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É dever de Bolsonaro condenar a violência
O Estado de S. Paulo
Atentados recentes a atos políticos preocupam em um ano de eleições altamente polarizadas. Mas, antes que serenar os ânimos, o presidente os acirra
O ataque de um bolsonarista que matou um
petista no Paraná é um tenebroso lembrete do que a polarização política é capaz
de fazer. Quando vidas são perdidas, é dever das autoridades, a começar do
presidente da República, condenar a violência e serenar os ânimos. Mas Jair
Bolsonaro faz justamente o contrário – incentiva a hostilidade aos opositores,
considerados inimigos.
Um levantamento do Estadão de
2020 mostrou que a média de mortes por motivações políticas nas eleições
municipais na redemocratização foi de 52. Naquele ano foram 76. Boa parte desse
aumento está relacionada à infiltração do crime organizado. Mas a polarização
tem o seu papel.
No último dia 7, uma bomba com fezes foi
lançada em um ato do qual participava o candidato petista Lula da Silva. Dias
antes um drone despejou fezes e urina em manifestantes petistas. Não havendo
indícios de que as agressões tenham sido promovidas por grupos organizados e
não tendo deixado feridos, elas tendem a ser relegadas ao folclore. Nem por
isso deixam de ser crimes contra a dignidade das vítimas e prenunciar as nuvens
de uma tempestade que pode se abater sobre a política nacional. Por isso, o
silêncio do presidente da República é ensurdecedor.
Por óbvio, condenar a violência cabe a todos: lideranças civis, autoridades públicas e principalmente os candidatos. O próprio PT tem um histórico de conivência com a violência praticada por regimes ditatoriais e militâncias no Brasil, como o MST. Há pouco, Lula conclamou militantes a intimidar deputados e suas famílias em suas casas. Mas a omissão de Bolsonaro é especialmente grave por quatro motivos.
Primeiro, porque, como chefe de Estado, tem
o dever de zelar pela serenidade do processo democrático. Depois, os ataques
recentes atingiram o seu maior adversário – no caso do drone, há indícios de
que o perpetrador é apoiador de Bolsonaro. Em terceiro lugar, há uma
circunstância pessoal. Bolsonaro foi vítima do mais notório caso de violência
política do nosso tempo: uma facada em 2018, razão pela qual sua sensibilidade
para os riscos de novos atentados deveria ser maior. Mas, por último, e mais
importante, Bolsonaro não só não condena explicitamente estes incidentes, como
sub-repticiamente os estimula.
De pronto, ele promove a confusão entre justiça
e justiçamento. Como parlamentar, prestigiou milícias, chegando a sugerir que
deveriam ser legalizadas. Na Presidência, sua política de segurança pública se
resumiu a armar a população para que possa fazer justiça com as próprias mãos.
Mais graves são as ameaças às instituições
políticas, sobremaneira às eleitorais. O presidente já convocou um desfile de
tanques para intimidar os parlamentares no dia da votação da malfadada proposta
do voto impresso. Recorrentemente insinua que o resultado das urnas só será
lícito se resultar em sua vitória e alude a um desfecho violento com fórmulas
golpistas como “preso, morto ou vitorioso”.
Essa tática foi exemplarmente exposta por
seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, em entrevista ao Estadão.
Recriminando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por não fazer modificações
exigidas pelos bolsonaristas, Flávio vaticinou que isso traria “instabilidade”.
Ao mesmo tempo, se imiscuiu da responsabilidade por eventuais tragédias: “Como
a gente tem controle sobre isso?”.
A resposta é óbvia: basta que o presidente
Bolsonaro pare de fazer acusações infundadas ao sistema eleitoral e desestimule
claramente a violência em caso de sua eventual derrota. Mas não há sinal nesse
sentido. Ao contrário. Tanto que o TSE e o STF vêm trabalhando em um plano de
segurança reforçado para as manifestações convocadas por Bolsonaro no 7 de
Setembro. Não há maior evidência das anomalias causadas pelo flerte do
presidente com as vias de fato. É da natureza do processo político que as
manifestações da oposição, por contestarem o poder, tendam mais à violência.
Mas desde 2019 as instituições da República estiveram constantemente mais
ocupadas em se defender de agressões gestadas no próprio Palácio do Planalto.
Bolsonaro encerrou sua carreira militar
depois de planejar um atentado a bomba a instalações do Exército. Assim começou
sua carreira política. Está em suas mãos evitar que ela se encerre da mesma
maneira: com desonra e crime.
Boa parceria para alfabetizar crianças
O Estado de S. Paulo
Iniciativa estimula a colaboração entre entes federativos e une os setores público e privado com o objetivo de dar escala à bem-sucedida experiência de Sobral (CE)
A alfabetização das crianças, logo no
início do ensino fundamental, é passo decisivo para o êxito dos alunos em toda
a sua trajetória escolar. Pensando nisso, está em curso no País uma iniciativa
que une os setores público e privado e faz acontecer o tão necessário regime
colaborativo, articulando o trabalho de governos estaduais e municipais.
Trata-se da Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração (Parc), já
adotada em pelo menos 1.859 municípios de 11 Estados, além de São Paulo, onde
houve adesão parcial.
A Parc beneficia cerca de 2 milhões de
alunos nos primeiros dois anos do ensino fundamental, informou recente
reportagem do Valor. Atuando conjuntamente, diferentes atores não apenas
qualificam o ensino público, como conseguem superar uma tradicional barreira a
bem-intencionadas propostas bancadas pela iniciativa privada: o ganho de
escala, algo indispensável para ampliar o número de alunos contemplados e,
assim, influir positivamente nos rumos da educação.
À frente da iniciativa, pelo lado do setor
privado, estão o Instituto Natura, a Fundação Lemann e a Associação Bem Comum.
Detalhe: as entidades não desperdiçaram tempo nem esforços tentando reinventar
a roda. Pelo contrário. Inspiraram-se em um dos maiores exemplos de política
educacional bem-sucedida no Brasil: a alfabetização de crianças no município de
Sobral (CE), que já serviu de referência também para um programa do Ministério
da Educação (MEC) − antes do atual governo, claro.
Por isso mesmo, o diretor executivo da
Associação Bem Comum é Clodoveu de Arruda, o Veveu, ex-prefeito de Sobral. Na
sua equipe, há também outros ex-gestores públicos desse município cearense que
se notabilizou pelo salto de qualidade na rede de ensino fundamental, nas
últimas duas décadas.
O Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) de Sobral passou de 4 para 8,4 nos anos iniciais do ensino
fundamental, entre 2005 e 2019 − um dos mais altos entre as redes municipais do
País (a média nacional nessas redes foi de 5,7 em 2019). O modelo sobralense,
por sua vez, serviu de base para a transformação da rede pública do Ceará,
outra referência nacional.
Do lado do setor público, a Parc concretiza
o indispensável regime de colaboração, aproximando as prefeituras do respectivo
governo estadual. Ora, nada mais lógico, ainda mais na educação. Pela
legislação brasileira, o poder municipal deve cuidar da educação infantil e dos
anos iniciais do ensino fundamental, enquanto os Estados respondem pelo ensino
médio. Não raro, porém, secretarias estaduais e municipais perdem oportunidades
de somar esforços para encarar o desafio maior, que é elevar os índices de
aprendizagem. Para que isso se concretize, os governos estaduais têm que
investir e apoiar a capacitação técnica das prefeituras. Motivos não faltam:
basta lembrar que os alunos que chegam às escolas de ensino médio, das redes
estaduais, são aqueles que frequentaram as escolas municipais de ensino
fundamental.
Para um Estado aderir à Parc, o primeiro
passo é uma reunião com o governador e o secretário estadual de Educação. O
objetivo é assegurar que a parceria será priorizada em termos de execução
orçamentária e governança.
O detalhamento das ações da Parc é feito em
conjunto entre a rede estadual e as respectivas redes municipais, já que não se
trata simplesmente de reproduzir o modelo de Sobral. Mas há ações comuns a
todas as experiências, como investir na formação dos professores, produzir
material didático e avaliar os alunos ao final do 2.º ano do ensino
fundamental, quando se espera que as crianças já tenham aprendido a ler e a
escrever.
A suspensão das aulas presenciais durante a
pandemia de covid-19 impactou profundamente a alfabetização das crianças.
Reduzir esse prejuízo, portanto, é mais que obrigação. Nesse sentido, a Parc
aponta um caminho e sinaliza que o País dispõe de políticas educacionais
capazes de proporcionar bons resultados. O segredo é somar forças, de maneira
que cada ator contribua com o que tem de melhor.
O PT não perde tempo
O Estado de S. Paulo
Notícia de que petistas já articulam novas formas de rateio do ‘orçamento secreto’ não surpreende ninguém
O Estadão revelou que
parlamentares do PT e de outros partidos que compõem a coligação que apoia a
chapa Lula-Alckmin para a Presidência da República não só estão entre os
beneficiários do “orçamento secreto”, como já combinam entre si novas formas de
rateio do butim bilionário a partir de 2023, quando se projeta um novo balanço
de poder em Brasília. Estima-se que as emendas de relator, conhecidas como RP-9
e base do esquema, somarão R$ 19 bilhões no ano que vem.
Em boa medida, a atual legislatura só
conseguiu extrapolar todos os limites morais e constitucionais para se
apropriar de recursos do Orçamento sem prestar contas a ninguém porque o
Executivo, a quem caberia liderar a agenda orçamentária, é ocupado por um
presidente que não governa – e que, ademais, vendeu seu poder aos partidos
aliados em troca de sua manutenção figurativa no cargo. Mas uma parcela da
responsabilidade por esse arranjo antirrepublicano cabe também a essa oposição
pusilânime e oportunista que aí está.
Se houvesse no País uma oposição digna do
nome, firme, altiva, republicana, propositiva, talvez não houvesse “orçamento
secreto”; ou ao menos a sociedade poderia nutrir alguma esperança de que a
excrescência poderia estar com os dias contados. Nada disso.
Lula da Silva tem dito por onde anda que o
PT e os partidos aliados precisam eleger “uma grande bancada no Senado e uma
grande bancada na Câmara dos Deputados” porque, caso contrário, “a gente não
acaba com o orçamento secreto”. “Será muito difícil eu e o (candidato a vice
Geraldo) Alckmin fazermos o que nós precisamos fazer (sem essas bancadas)”,
disse Lula em Salvador, no dia 2 passado.
Ora, o mesmo Lula que se arvora em líder de
uma frente ampla e democrática contra o autoritarismo e essa forma de patrimonialismo
que o “orçamento secreto” tão bem representa deveria ser o primeiro – até por
sua condição de liderança nas pesquisas de intenção de voto – a erguer a voz
para dentro e exortar os parlamentares de sua base de apoio a não participar do
“orçamento secreto”. Esses correligionários do lulopetismo, ao contrário do que
vêm fazendo, deveriam organizar uma coalizão parlamentar para acabar com essa
herança maldita, esta sim, verdadeira, do governo Bolsonaro, com o início da
nova legislatura, em fevereiro de 2023.
Mas, ao que parece, todos os que se
locupletam nessa farra com dinheiro público ao abrigo de controles
institucionais conspiram para a manutenção do “orçamento secreto” a perder de
vista. O Estadão já revelou as manobras do presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), para manter aberta a porta do cofre. O que está em discussão
agora é a formação de uma nova base de contemplados diante da perspectiva de
alteração dos núcleos de poder, tanto no Congresso como no Palácio do Planalto.
A sociedade que se dane.
Por fim, mas não menos importante, não é demais lembrar que, enquanto houver “orçamento secreto”, o Congresso estará em condição de flagrante desrespeito ao Supremo Tribunal Federal, que já disse o óbvio: “orçamento secreto” e Constituição são noções antitéticas.
Deputados têm dever de rejeitar PEC
Eleitoral
O Globo
O mínimo a exigir da votação na Câmara é
que retire do texto o estapafúrdio estado de emergência
A Câmara dos Deputados terá amanhã mais uma
chance de rejeitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, a
famigerada PEC que dribla as leis eleitorais e fiscais para distribuir benesses
a grupos que interessam eleitoralmente ao governo. O mínimo a exigir dos
deputados, se continuarem mesmo dispostos a violar o arcabouço institucional
que protege o voto e o dinheiro do cidadão, é que retirem do texto o descabido
estado de emergência, incluído apenas para blindar o presidente Jair Bolsonaro
de inevitáveis contestações judiciais.
O plano do governo era passar a patrola na
Casa, repetindo o que fez no Senado na semana retrasada. Mas a incapacidade de
mobilização e o medo da derrota em plenário levaram o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), a cancelar a votação esperada para a última quinta-feira.
Uma nova sessão está marcada para amanhã.
A PEC pródiga em apelidos é indesejada por
dois motivos. Primeiro, por esbarrar na Lei Eleitoral, que proíbe criar
programas em ano de eleições para coibir o uso da máquina pública em benefício
de candidatos da situação. A regra tenta garantir equilíbrio entre as várias
forças políticas em disputa pelo poder. A PEC permitiria, se aprovada, que um
lado usasse o canhão do Orçamento, enquanto os demais continuariam atirando de
arco e flecha. A vítima fatal seria a própria democracia.
Como parte da estratégia de campanha de
Bolsonaro, ela aumenta o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, cria um
benefício de R$ 1 mil para caminhoneiros e outro para taxistas, dobra o valor
do vale-gás, repassa R$ 2,5 bilhões para custear a gratuidade do transporte
público e R$ 500 mil à agricultura familiar. É certo que a ajuda aos pobres
deveria ser alvo de preocupação. Mas o Auxílio Brasil é um programa sem foco,
que desperdiça recursos, e caminhoneiros e taxistas não estão entre os mais
necessitados (são só categorias que Bolsonaro quer agradar).
Ao abrir o cofre do Tesouro para comprar
votos, Bolsonaro cria um rombo de mais de R$ 41 bilhões — eis o segundo motivo
para barrar a PEC. O presidente está pedindo permissão para usar o dinheiro de
todos os brasileiros na campanha. Leis que evitam o descontrole do gasto
público ficariam congeladas, criando precedente perigoso.
Não é outro o motivo para o nervosismo do
mercado financeiro, que novamente fez subir a pressão inflacionária. Com maior
dificuldade para deter os preços, a “bondade” da PEC se esvai. O que ela
entrega com uma mão aos mais pobres, a inflação retirará com a outra. Os
deputados, muitos dos quais viveram a história brasileira recente, têm
obrigação de saber disso.
A preocupação dos parlamentares, porém, é
outra. Sabendo que Bolsonaro poderia se complicar na Justiça Eleitoral, a base
governista incluiu na PEC a decretação de um estapafúrdio estado de emergência
para justificar a lambança sem descumprir as regras. Isso não passa de
conversa. Não fosse a percepção de desgoverno gerada pela própria PEC, os
indicadores econômicos estariam em melhora. Obviamente a situação continua
difícil, mas está longe de ser uma emergência.
Os apuros que o Brasil passa hoje advêm da
inépcia ou da omissão de Bolsonaro. No fim do mandato, ele impõe ao país mais
um retrocesso institucional e fiscal. A expectativa dos brasileiros em relação
aos deputados é que resgatem um mínimo da sensatez que tem faltado ao
Congresso.
Governos estaduais precisam ser mais
transparentes nas informações
O Globo
Apenas cinco estados satisfazem aos
critérios de excelência avaliados pela Transparência Internacional
Uma pesquisa da Transparência Internacional
constatou que os governos estaduais sonegam informações à população tanto
quanto o federal. Não são poucos os estados que deixam de colocar à disposição
informações básicas, como determina a Lei de Acesso à Informação.
A pesquisa foi elaborada com base em 84
critérios, divididos em oito áreas: marcos legais, plataformas, administração e
governança, transparência financeira e orçamentária, transformação digital,
comunicação, participação e dados abertos. Os indicadores são usados para
calcular um Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP). Dos 27 estados
(incluindo Distrito Federal), apenas cinco ficaram na faixa de 80 a 100 pontos.
Em primeiro lugar, vem o Espírito Santo,
seguido de Minas Gerais, Paraná, Rondônia e Goiás. Os estados que tiveram pior
avaliação, de 20 a 39 pontos, foram Sergipe, Pará e Acre. Os 19 estados
restantes distribuíram-se entre bem ou regularmente avaliados. O Rio de Janeiro
ficou em 16º lugar; São Paulo em 12º. Mesmo entre os cinco primeiros colocados,
nenhum obteve a nota máxima (100) — ela variou de 83 (Goiás) a 90,4 (Espírito
Santo).
A falta de informações necessárias dos
governos estaduais ocorre mais nas áreas orçamentária e de governança,
impedindo o acompanhamento da aplicação do dinheiro do contribuinte e da
execução de obras, aspectos vitais para a avaliação de todo governo. Apenas Amazonas,
Ceará, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rondônia fornecem imagens e informações
sobre contratos, duração e localização para acompanhamento de obras públicas.
Somente Espírito Santo e Minas Gerais têm
alguma regulamentação sobre a prática do lobby, e só Espírito Santo e Paraná
têm regras para proteger quem denuncia casos de corrupção. Pior, nenhum estado
divulga informações completas sobre o repasse de emendas parlamentares, nem
sobre a concessão de incentivos fiscais. Com isso, dificulta-se ainda mais a
vigilância da sociedade sobre o destino do dinheiro público, deixando caminho
aberto para a corrupção.
Assim como faz a União, os estados deveriam
publicar todas as informações sobre os incentivos fiscais concedidos. Como
estes são benefícios dados a empresas ou interesses privados (que deixam de
recolher impostos), os governos estaduais deveriam revelar todos os dados que
justificassem a benesse. Não é o que acontece. Outro absurdo: apenas um a cada
três governadores divulga sua agenda diária.
Mesmo considerando que o tamanho do governo federal atrai a maior parte das atenções, há muito a revelar sobre a administração dos entes federativos. A Transparência Internacional promete para breve avaliação de cerca de 180 municípios em sete estados, bem como do Legislativo e do Judiciário. A regra no Brasil costuma ser esconder tudo aquilo que pode arranhar o governante e só divulgar boas notícias. Não é mais possível aceitar esse tipo de comportamento.
Preço presente
Folha de S. Paulo
Ofensiva eleitoreira de Bolsonaro dispara
dólar e juro, o que dificulta retomada
O populismo eleitoreiro de governo e
Congresso na gestão das contas públicas já cobra seu preço. Nas últimas semanas
dispararam os juros e a cotação do dólar, sempre um prenúncio de problemas
maiores na economia.
Há dificuldades externas, por certo, como o
risco de recessão global. Mas as variáveis financeiras brasileiras vêm piorando
mais que as de outros países, evidência de que as fragilidades e a desconfiança
têm características locais.
A erosão da institucionalidade fiscal é uma
das causas mais importantes. Em 2021, ganharam força as chamadas emendas
parlamentares secretas, uma fatura de R$ 16 bilhões ao ano; houve ainda a
mudança casuística do teto de gastos e um calote nas dívidas judiciais, os
precatórios da União.
Agora, tramita uma nova alteração na
Constituição para permitir maiores despesas a três meses da eleição
presidencial, numa conta estimada em R$ 40 bilhões.
Depois de aprovado o texto no Senado por 72
votos a 1, com a ajuda da covardia da oposição, nada indica
que a Câmara dos Deputados atuará de forma mais prudente.
Em que pese a necessidade de reforçar a
proteção social, tudo poderia ser feito dentro da legislação ordinária, com
cortes em outros gastos. A irresponsabilidade do esvaziamento de regras que
visam justamente conter despesas de cunho eleitoreiro é patente.
Por fim, o governo Jair Bolsonaro (PL)
vende a falsa ideia de que há uma sobra de arrecadação e patrocina desonerações
de impostos direcionadas para angariar votos.
As consequências negativas são evidentes.
Se todas as regras de prudência na gestão do Orçamento podem mudar ao sabor das
conveniências, não há credibilidade possível. Nos últimos dias, os juros
atingiram o maior patamar
desde o final do mandato de Dilma Rousseff (PT) —mais de 6%
acima da inflação— e a cotação do dólar voltou a se aproximar de R$ 5,40.
Mantidas essas condições, será inevitável
uma desaceleração da economia nos próximos meses, com riscos recessivos
crescentes para 2023. Pior, aumenta a probabilidade de reversão da dinâmica
positiva da retomada de empregos dos últimos meses, com enormes danos sociais
adiante.
A elevação do custo de financiamento do
Tesouro estreitará ainda mais a margem de manobra do Orçamento nos próximos
anos. Com uma dívida de R$ 5,7 trilhões, cada ponto a mais nos juros eleva as
despesas em quase R$ 60 bilhões, cerca de dois terços dos aportes destinados ao
Auxílio Brasil.
Nessas condições, caberá às forças
políticas responsáveis, e talvez também ao Judiciário, atuar com rigor e
celeridade para garantir direitos sociais e, ao mesmo tempo, minimizar os danos
da imprevidência de governo e Congresso.
O óbvio na lei
Folha de S. Paulo
Projeto enterra a absurda tese da defesa da
honra, já abandonada nos tribunais
Na quarta-feira (6), a Comissão de
Constituição e Justiça do Senado aprovou
projeto de lei que proíbe o uso da tese de legítima defesa da honra para
absolver acusados de crimes contra mulheres.
Ainda que a medida dos legisladores não
seja inovadora, uma que vez que o malfadado argumento já se encontra abolido
por tribunais no país, é benéfico que a letra da lei reflita tal entendimento.
De autoria da senadora Zenaide Maia
(PROS-RN), o texto aprovado pela comissão modifica a legislação penal para
vedar que a defesa se valha de valores morais para favorecer réus acusados de
feminicídio e outras agressões.
Fica também impossibilitado que a pena em
crimes de violência doméstica seja reduzida por motivo de "relevante valor
social ou moral".
À primeira vista, o projeto apenas parece
consolidar o que já deveria ser a regra. Não é tão simples assim —a tese
absurda mostrou sinal de vida até recentemente.
Não se trata aqui de casos famosos —e
escandalosos— como o assassinato de Ângela Diniz por Doca Street, no longínquo
1976.
O diabo mora nos detalhes. Reforma de 2008
na lei brasileira instruiu que o júri seja questionado "se o acusado deve
ser absolvido", após responder se o fato criminoso ocorreu e se o réu é
seu ator ou dele participou, nessa ordem.
A
controvérsia, assim, passou a ser se o júri poderia absolver
acusados de feminicídio com base em apelos da defesa por clemência baseada na
defesa da honra, mesmo de forma manifestamente contrária aos indícios nos
autos.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, em 2020, na prática autorizou a absolvição de um acusado de matar a
mulher em defesa da honra, uma vez que restaurou a absolvição original do réu,
anulada pelo Tribunal de Justiça mineiro, com base no argumento da livre
convicção do júri.
"Até décadas atrás no Brasil, a
legítima defesa da honra era o argumento que mais absolvia os homens violentos
que mataram suas namoradas e esposas, o que fez o país campeão de
feminicídio", ressaltou o ministro Alexandre de Moraes, voto vencido no
caso.
Foi somente em 2021 que o pleno do STF, por
unanimidade, consolidou o entendimento de que qualquer julgamento em que seja
levantada a tese da legítima defesa da honra deveria ser anulado. O óbvio, por
vezes, precisa ser dito.
Inflação continua muito alta e preocupante
Valor Econômico
Para baixar a inflação, será necessário
perseverança da política monetária
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) de junho veio abaixo do esperado pelos analistas econômicos do mercado
financeiro, mas por enquanto não há nada a comemorar. Há sinais de que a
inflação poderá se tornar mais resistente, devido ao forte avanço dos núcleos e
dos preços de serviços, e será um longo trabalho até levá-la às metas.
O IPCA ficou em 0,67% em junho, segundo
dados divulgados na sexta pelo IBGE, levemente abaixo da mediana das projeções
do mercado, de 0,71%, segundo levantamento feito pelo Valor Data. O índice de
difusão, que mede o quão disseminadas são as altas de preços, caiu para 66,6%,
ante 72,4% no mês imediatamente anterior.
As boas notícias acabam por aí. O IPCA é o
maior para meses de junho desde 2018, quando subiu 1,26%, em virtude do impacto
da greve dos caminhoneiros. Normalmente, a inflação costuma ser bem baixa nos
meses de junho, exceto nos surtos inflacionários, como o que ocorreu em 2015,
no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
No acumulado em 12 meses, o IPCA voltou a
se acelerar, passando de 11,73% para 11,89%. O pico da inflação, pelo que tudo
indica, ficou para trás, em abril, quando o índice chegou a uma máxima de
12,13%. Daqui para o fim do ano, a tendência é de queda. Os economistas ouvidos
na pesquisa Focus de expectativas de mercado estimam uma variação de 7,96% no
fechamento deste ano. Para julho, a previsão é que haja uma variação negativa
do IPCA.
Infelizmente, a maior parte do recuo da
inflação será devida a medidas artificiais adotadas pelo governo e pelo
Congresso Nacional para reduzir preços de combustíveis e de outros produtos
essenciais, como energia. São medidas insustentáveis, que não devem perdurar ao
longo do tempo.
Os economistas do setor privado já contam
com novas pressões inflacionárias no próximo ano, passado o período eleitoral.
Pelo menos parte dos cortes de impostos federais e estaduais deverá ser
desfeita, porque fragilizam as contas públicas.
A abertura qualitativa dos dados do IPCA de
junho mostra que a inflação segue viva. A média dos núcleos de inflação ficou
em 0,89% no mês, e em 10,3% no acumulado em 12 meses. Os percentuais são
absolutamente incompatíveis com a meta de inflação deste ano, de 3,5%. Entre
todos os núcleos, chama a atenção, em especial, o avanço da inflação subjacente
de serviços, com alta de 1,05% em junho e de 8,86% em 12 meses. A inflação
cheia do setor de serviços chegou a 0,9% em junho, e a 8,86% em 12 meses.
Já era esperado que, com a reabertura da
economia, a inflação de serviços tivesse alguma aceleração. Nos piores momentos
da pandemia, esse foi o segmento que mais sofreu, em decorrência das medidas de
distanciamento social. Mas a aceleração de preços de serviços supera as
expectativas.
Em parte, isso reflete a inércia
inflacionária. Quando o índice de preços cheio se acelera, os preços dos
serviços vão na mesma direção, puxados pelos mecanismos de indexação ainda
presentes na economia. O Banco Central também está investigando se as condições
mais favoráveis do mercado de trabalho não estariam pressionando os custos da
empresa, embora os salários ainda estejam sendo corroídos em termos reais.
As condições de demanda da economia
favorecem a alta de preços de serviço. O pacote fiscal editado pelo governo
tenderá a pressionar ainda mais o setor durante o período eleitoral. Por mais
meritório que seja dar assistência à população mais vulnerável, as medidas não
foram desenhadas de forma neutra e fiscalmente responsável.
O trabalho para baixar a inflação será
árduo, e medidas insustentáveis de corte temporário de impostos atrapalham, em
vez de ajudar. O acirramento do risco fiscal pressionou, por exemplo, a taxa de
câmbio, uma outra fonte de pressão sobre os preços da economia no próximo ano.
Não há mágica nem soluções fáceis. Para baixar a inflação, será necessário perseverança da política monetária. Não é à toa que o Banco Central siga subindo os juros. O consenso das previsões do mercado é de que será preciso levar a taxa básica a 13,75% em ao ano na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto. Os juros, pelas indicações do próprio BC, deverão ficar em patamar bem elevado ao longo do ano que vem. Ao fim, os custos do populismo fiscal serão mais inflação e perda de atividade econômica, atingindo sobretudo os mais pobres.
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