O Globo
Os kamikazes cumpriam missões suicidas na
esperança de salvar seu país. A elite política busca se manter no poder
Na semana passada, escrevi um longo artigo
sobre essa PEC de benesses que atropela o equilíbrio fiscal, a Constituição e
as leis eleitorais. Não vou repetir o tema nem os argumentos.
Apenas lembro mais uma vez : a expressão
PEC Kamikaze é imprecisa. Os pilotos japoneses, na Segunda Guerra, cumpriam
missões suicidas na esperança de salvar seu país. A elite política procura se
manter no poder, colocando em risco o próprio Brasil.
Usei a expressão elite política, que talvez
seja mais ampla que o próprio Congresso. Envolve acadêmicos, intelectuais;
enfim, é um termo mais amplo. Mas o que aconteceu no Parlamento é um ato de
representantes diretamente eleitos pelo povo.
É em torno desse tema, elite política, que
pretendo divagar. Sempre volto à leitura de “Memórias de Adriano”, de
Marguerite Yourcenar. O que mais atrai nele é sua atitude diante da morte, algo
que enriquece meu estudo sobre o tema no belo trabalho de Simon Critchley “O
livro dos filósofos mortos”, uma análise sobre como morreram centenas de
filósofos, dos gregos aos pós-modernos. Um dia, falo dele.
O Adriano que interessa aqui é o político de sensibilidade extraordinária. Ele achava que era importante tratar com bondade escravos, pobres, todos os que estavam na base da pirâmide social. Seu argumento era que deveriam se interessar pela sobrevivência e estabilidade de Roma.
Pensar isso no século II é um grande feito.
Dizem que o século II foi especial porque os deuses tradicionais estavam em
decadência, e o cristianismo ainda não havia sido imposto. Homens como Adriano
e Marco Aurélio estavam mais livres para pensar. A visão de Adriano é uma aula
elementar de segurança nacional.
Sem que o povo se interesse pelo país,
nenhum exército o garantirá, independentemente de ter ou não as mais modernas
armas. A Inglaterra mostrou isso na Segunda Guerra Mundial.
O que diria Adriano, 19 séculos depois, de
uma elite que só pensa em si mesma e volta as costas para os interesses do
povo? Que, mesmo num momento em que parece estar fazendo o bem, na verdade,
está agredindo o país e, estrategicamente, tornando os pobres mais pobres
ainda.
Por isso é que nas eleições de 2014
apareceu o slogan de Eduardo Campos: “Não vamos desistir do Brasil”. Não creio
que isso teria algum efeito noutros países do mundo. Se surgiu no Brasil, no
contexto de uma campanha presidencial, é por causa de um grande abismo: a
estrutura estatal lá em cima e, no cotidiano, as pessoas cada vez mais alheias
a esse mundo paralelo.
De certa forma, ninguém desiste do Brasil.
Mesmo a diáspora no exterior mantém-se informada sobre o país. No cotidiano,
continuamos a ouvir música brasileira, a torcer pelo futebol brasileiro, mas
isso não tem nada a ver com a vida política nacional.
O que é interessante nos políticos
brasileiros, creio que poderia chamar de estupidez, é a total insensibilidade
para o abismo. Eles interpretam a indiferença como um sinal verde para seguir
em sua marcha egocêntrica.
Não é preciso ser profeta para anunciar que
o abismo nos engolirá. O orçamento secreto é usado para que cada um se eleja,
sem considerar as condições gerais, que implicam outra racionalidade de gastos.
Na semana passada, o senador Davi
Alcolumbre apresentou uma PEC para que parlamentares, sem nenhum preparo,
ocupem embaixadas mantendo o mandato. Eles querem ir para Londres, Paris e Nova
York recebendo como deputados e vivendo seus mandatos em outros países.
É um absurdo tão grande para quem analisa
de fora, mas é compreensível. Podemos tudo: dividir a parte do leão do
Orçamento, avançar nos cargos públicos e, ainda por cima, passar uma temporada
no exterior, representando esse Brasil fantasma, onde reinamos diante da
indiferença geral. Não queremos ser amados; isso é um luxo. Basta que não nos
incomodem.
Se voce pode chamar a estrutura político-burocrático-militar de Brasil, é possível dizer que, nesse sentido, muita gente já desistiu do país. O problema é se um dia descobrirem que este Brasil lhes foi roubado — e quem sabe com que violência responderão ao crime?
Um comentário:
Eu sou contra qualquer sistema de violência,cruzes!
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