Valor Econômico
Ao manter ataques às urnas, Bolsonaro perde
tempo precioso
A divulgação de dados recentes sobre
inflação, os quais poderiam ser uma bandeira relativamente positiva para a
campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, está sendo ofuscada
pelo ato promovido no Palácio da Alvorada para desqualificar o sistema
eleitoral perante embaixadores estrangeiros.
Era tudo o que a ala política queria
evitar. O pré-candidato, contudo, continua a seguir um roteiro próprio. Não
poderá dizer que não foi alertado, caso seu desempenho nas pesquisas de
intenção de voto continue a decepcionar.
Bolsonaro perde tempo. Dá prioridade aos
ataques às urnas eletrônicas e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF),
afastando-se do que os políticos em seu entorno gostariam de ver na campanha:
as medidas adotadas pelo governo para reduzir o custo de vida, aumentar o
emprego e assegurar a retomada da atividade econômica.
Para piorar, desta vez a audiência era formada por aqueles que irão aconselhar seus governos a reconhecer ou não o resultado da eleição. E eles, por dever de profissão, nem poderiam recusar o convite para um evento na residência oficial do presidente da República. Não surpreenderá se Bolsonaro passar novamente dos limites e utilizar a tribuna da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro, às vésperas do primeiro turno, para voltar ao assunto sem apresentar provas.
Por ter a convicção de que deveria ter
vencido no primeiro turno em 2018, insiste na pauta. Acredita que grande parte
da população não só compreende sua frustração, como também o apoia. Mas esta
visão não é compartilhada por alguns que estão na retaguarda e demandam, com
urgência, uma guinada em seu comportamento.
Neste momento, poucas coisas preocupam mais
a maioria dos eleitores do que a inflação.
Levantamentos do instituto Datafolha ajudam
a ilustrar o desafio. Em março, 75% dos entrevistados afirmavam que o governo
tinha responsabilidade pela alta dos preços. Apenas 21% diziam que a
administração federal não poderia ser responsabilizada, de forma alguma, pelo
problema. É muito pouco.
Em maio, uma outra sondagem revelou que o
aumento da inflação podia mudar a intenção de voto de três a cada dez
brasileiros. O percentual entre os jovens era ainda maior: alcançava 51%.
À época, o IPCA-15 atingia uma alta
acumulada de 12,20% em 12 meses. Atualmente, está em 11,89%. Não há brasileiro
capaz de comemorar uma oscilação tímida dessas, nem mesmo o mais bolsonarista
em campanha. Ainda assim, a queixa entre os governistas mais pragmáticos é
quanto à dificuldade de propagar o que consideram pequenas vitórias do dia a
dia de uma campanha que está indefinida.
É o que fazem, agora, em relação à redução
do preço dos combustíveis. E como gostariam de agir quanto ao Boletim Focus
divulgado no início da semana.
Tradicionalmente publicado às
segundas-feiras, o relatório registrou a terceira queda consecutiva na mediana
das projeções dos economistas de mercado para o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) de 2022. Desta vez, de 7,67% para 7,54%.
O governo é mais otimista. Na semana
passada, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia revisou
algumas de suas projeções. Entre elas, a de alta do IPCA para 2022, que
diminuiu de 7,9% para 7,2%. Essa estimativa já incorpora o efeito das medidas
legislativas aprovadas para reduzir os preços de combustíveis, energia elétrica
e comunicação.
A expectativa de aliados do presidente é
que a inflação continue a desacelerar. Mas isso não significa, necessariamente,
que cresça o bem-estar da população até o primeiro turno - principalmente se
persistirem as dificuldades de Bolsonaro se comunicar com quem já votou nele e,
agora, demonstra arrependimento.
A cerca de 75 dias da eleição, integrantes
da campanha de Bolsonaro têm a certeza de que a economia será o principal tema
da disputa. Corrupção e segurança pública também estarão em debate, mas atrás
da inflação.
Hoje, o marqueteiro do presidente e sua
equipe têm como maior desafio justamente tentar convencer o eleitor que a
guerra na Ucrânia tem papel primordial no processo de aumento dos preços dos
alimentos, da gasolina e do diesel, do gás de cozinha. E que o governo não pode
ser responsabilizado por isso - nem por suas ações e tampouco por eventuais
omissões.
Neste campo, contudo, também existe o risco
de Bolsonaro começar a replicar um discurso que, na teoria, seria mais
identificado apenas à ala ideológica.
Há quem questione, por exemplo, se a
invasão da Ucrânia pela Rússia não é um movimento geopolítico arquitetado para
desestabilizar as democracias ocidentais, uma vez que qualquer turbulência
naquela região tem inevitável impacto nos preços dos alimentos, fertilizantes e
combustíveis. A África, mais exposta à insegurança alimentar, enfrentaria
severos episódios de instabilidade política. Países latino-americanos menos
providos de recursos naturais também.
Setores menos ideológicos do governo
discordam. Seus integrantes acreditam que a guerra na Ucrânia resulta de uma
reação russa ao avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a
qual até poderia ser prevista em alguns cenários diante dos alertas feitos por
Moscou ao longo dos anos.
Claro que a guerra pode acabar fortalecendo
Rússia e China diante de um Ocidente democrático com dificuldades econômicas,
reconhecem essas autoridades. O que não quer dizer, necessariamente, que seja
um movimento articulado para desestabilizar Estados Unidos, Europa e seus
aliados.
A eventual incorporação desse discurso por
Bolsonaro é vista com preocupação por parte de seus aliados. Com ele, o
presidente não irá convencer ninguém que o governo está fazendo de tudo para
combater a carestia e ainda passará a imagem que se trata de uma manobra
diversionista. Assim como os ataques às urnas.
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