quarta-feira, 20 de julho de 2022

Fernando Exman - Inflação, corrupção e segurança pública

Valor Econômico

Ao manter ataques às urnas, Bolsonaro perde tempo precioso

A divulgação de dados recentes sobre inflação, os quais poderiam ser uma bandeira relativamente positiva para a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, está sendo ofuscada pelo ato promovido no Palácio da Alvorada para desqualificar o sistema eleitoral perante embaixadores estrangeiros.

Era tudo o que a ala política queria evitar. O pré-candidato, contudo, continua a seguir um roteiro próprio. Não poderá dizer que não foi alertado, caso seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto continue a decepcionar.

Bolsonaro perde tempo. Dá prioridade aos ataques às urnas eletrônicas e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), afastando-se do que os políticos em seu entorno gostariam de ver na campanha: as medidas adotadas pelo governo para reduzir o custo de vida, aumentar o emprego e assegurar a retomada da atividade econômica.

Para piorar, desta vez a audiência era formada por aqueles que irão aconselhar seus governos a reconhecer ou não o resultado da eleição. E eles, por dever de profissão, nem poderiam recusar o convite para um evento na residência oficial do presidente da República. Não surpreenderá se Bolsonaro passar novamente dos limites e utilizar a tribuna da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro, às vésperas do primeiro turno, para voltar ao assunto sem apresentar provas.

Por ter a convicção de que deveria ter vencido no primeiro turno em 2018, insiste na pauta. Acredita que grande parte da população não só compreende sua frustração, como também o apoia. Mas esta visão não é compartilhada por alguns que estão na retaguarda e demandam, com urgência, uma guinada em seu comportamento.

Neste momento, poucas coisas preocupam mais a maioria dos eleitores do que a inflação.

Levantamentos do instituto Datafolha ajudam a ilustrar o desafio. Em março, 75% dos entrevistados afirmavam que o governo tinha responsabilidade pela alta dos preços. Apenas 21% diziam que a administração federal não poderia ser responsabilizada, de forma alguma, pelo problema. É muito pouco.

Em maio, uma outra sondagem revelou que o aumento da inflação podia mudar a intenção de voto de três a cada dez brasileiros. O percentual entre os jovens era ainda maior: alcançava 51%.

À época, o IPCA-15 atingia uma alta acumulada de 12,20% em 12 meses. Atualmente, está em 11,89%. Não há brasileiro capaz de comemorar uma oscilação tímida dessas, nem mesmo o mais bolsonarista em campanha. Ainda assim, a queixa entre os governistas mais pragmáticos é quanto à dificuldade de propagar o que consideram pequenas vitórias do dia a dia de uma campanha que está indefinida.

É o que fazem, agora, em relação à redução do preço dos combustíveis. E como gostariam de agir quanto ao Boletim Focus divulgado no início da semana.

Tradicionalmente publicado às segundas-feiras, o relatório registrou a terceira queda consecutiva na mediana das projeções dos economistas de mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022. Desta vez, de 7,67% para 7,54%.

O governo é mais otimista. Na semana passada, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia revisou algumas de suas projeções. Entre elas, a de alta do IPCA para 2022, que diminuiu de 7,9% para 7,2%. Essa estimativa já incorpora o efeito das medidas legislativas aprovadas para reduzir os preços de combustíveis, energia elétrica e comunicação.

A expectativa de aliados do presidente é que a inflação continue a desacelerar. Mas isso não significa, necessariamente, que cresça o bem-estar da população até o primeiro turno - principalmente se persistirem as dificuldades de Bolsonaro se comunicar com quem já votou nele e, agora, demonstra arrependimento.

A cerca de 75 dias da eleição, integrantes da campanha de Bolsonaro têm a certeza de que a economia será o principal tema da disputa. Corrupção e segurança pública também estarão em debate, mas atrás da inflação.

Hoje, o marqueteiro do presidente e sua equipe têm como maior desafio justamente tentar convencer o eleitor que a guerra na Ucrânia tem papel primordial no processo de aumento dos preços dos alimentos, da gasolina e do diesel, do gás de cozinha. E que o governo não pode ser responsabilizado por isso - nem por suas ações e tampouco por eventuais omissões.

Neste campo, contudo, também existe o risco de Bolsonaro começar a replicar um discurso que, na teoria, seria mais identificado apenas à ala ideológica.

Há quem questione, por exemplo, se a invasão da Ucrânia pela Rússia não é um movimento geopolítico arquitetado para desestabilizar as democracias ocidentais, uma vez que qualquer turbulência naquela região tem inevitável impacto nos preços dos alimentos, fertilizantes e combustíveis. A África, mais exposta à insegurança alimentar, enfrentaria severos episódios de instabilidade política. Países latino-americanos menos providos de recursos naturais também.

Setores menos ideológicos do governo discordam. Seus integrantes acreditam que a guerra na Ucrânia resulta de uma reação russa ao avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a qual até poderia ser prevista em alguns cenários diante dos alertas feitos por Moscou ao longo dos anos.

Claro que a guerra pode acabar fortalecendo Rússia e China diante de um Ocidente democrático com dificuldades econômicas, reconhecem essas autoridades. O que não quer dizer, necessariamente, que seja um movimento articulado para desestabilizar Estados Unidos, Europa e seus aliados.

A eventual incorporação desse discurso por Bolsonaro é vista com preocupação por parte de seus aliados. Com ele, o presidente não irá convencer ninguém que o governo está fazendo de tudo para combater a carestia e ainda passará a imagem que se trata de uma manobra diversionista. Assim como os ataques às urnas.

 

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