quinta-feira, 14 de julho de 2022

Vinicius Torres Freire: Donos do dinheiro cobram caro

Folha de S. Paulo

Sinais do aperto financeiro mostram que dificilmente a economia vai crescer em 2023

A taxa de juro básica no atacadão de dinheiro não estava tão alta desde outubro de 2015, quando o governo de Dilma Rousseff entrava em crise final. Havia então paniquito financeiro por causa do déficit e da proposta de Orçamento deficitário para o ano seguinte. O então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que entrara para fazer "reformas" e salvar Dilma da degringolada fiscal, era dado como morto-vivo.

A taxa real dos juros de um ano está perto de 8,4%. Antes do início do fim de Dilma Rousseff, chegara a perto disso nos piores meses da crise financeira de 2008. Antes de 2006, era em geral maior.

E daí? É mais um sinal do aperto financeiro em curso: dólar caro, juros pelo mundo em alta, preço das commodities (em dólar) estáveis ou em queda, preço das ações na Bolsa caídos e desmaiados no chão etc.

Em teoria, são indícios de que dificilmente a economia vai crescer em 2023. Vai diminuir o PIB per capita (por cabeça, PIB dividido pelo tamanho da população): empobrecimento, na média.

Mesmo com esse aperto ruim das condições financeiras, a inflação ainda não dá sinal de baixa duradoura. O IPCA deve vir abaixo de zero em julho e baixo em agosto por causa das reduções de impostos sobre combustíveis e energia. Afora isso, resultado de intervenções pontuais do governo, a inflação ainda é disseminada e tem outros sinais de infecção resistente.

Por ora, a baixa do preço em dólares de várias commodities não refresca a situação, com exceção do caso de minérios (ferro, cobre). Como deve ser fácil perceber, a alta do dólar impede a baixa de preços de comida, petróleo e derivados.

O medo ou primeiros sinais da recessão nas economias ricas abatem o preço das commodities. É possível que caiam ainda mais. Não vai adiantar muito se o dólar continuar passeando pela casa dos R$ 5,40. Para piorar, a queda do preço desses materiais básicos, que exportamos aos montes, vai tirar renda das empresas do setor e agregados. A economia do agronegócio e exportações eram um dos motivos desse crescimentozinho de 2022.

As taxas de juros de prazo mais longo também estão salgadas, o que vem desde o trimestre final do ano passado. Parte do sal veio da gambiarra com o teto de gastos, obra de Jair Bolsonaro e seus regentes do centrão, ampliada agora com o puxadinho ou puxadão da PEC dos Bilhões, a desmoralização final do teto e das leis fiscais brasileiras. A inflação é mundial, certo, mas o balde de chantili e os morangos mofados sobre esse bolo ruim foram obra de Bolsonaro e do poderoso centrão.

O estelionato eleitoral mais recente, além de lançar vergonha, derrisão e descrédito sobre a política econômica brasileira, cria problemas materiais óbvios. No final de 2022, vai ter inflação represada (por causa de queda temporária de impostos), um Auxílio Brasil que terá passado a custar R$ 120 bilhões por ano (antes do estelionato, custava R$ 90 bilhões), servidores públicos à espera de aumento e o país quase inteiro a esperar uma solução mágica para pobreza, baixo crescimento e para a ruína deixada por Bolsonaro.

A taxa de juros de que se trata aqui é a taxa do DI para negócios de um ano, descontada a inflação para os próximos 12 meses (ex ante). É uma espécie de piso dos juros no mercado financeiro e de crédito. A gente não sabe bem como andam as taxas nos bancos, porque os últimos dados disponíveis são de fevereiro, atraso devido à greve no Banco Central.

É possível fazer um remendo nesses panos podres. O novo governo teria de propor mudanças amplas e rápidas, em uma tentativa de acordo nacional —ou quase isso, pois pelo menos um terço do país é adepto da destruição. Ainda não está à vista.

 

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