Folha de S. Paulo
Por que Bolsonaro promove ataques às urnas
eletrônicas?
A balbúrdia em torno da urna eletrônica é
puro Bolsonaro.
Parafraseando Hofstader, no clássico "The Paranoid Style in American
Politics", de 1964, é exemplo do estilo paranoico. As eleições acabaram
sendo uma das poucas questões em que ainda se pode fazer alarido. (O
autoritarismo do STF é outra). Pode-se fingir que não é governo, é vítima.
A denúncia sobre uma conspiração no dia das eleições é consistente com um
espírito antissistema, que tem se mostrado crucial para o sucesso eleitoral na
nova onda populista global. Eis o Leitmotiv principal da investida denuncista.
A balbúrdia poderia servir para mobilizar o núcleo duro de apoiadores;
flexionar músculos visando eventuais retaliações futuras; e, não menos
importante, monopolizar a agenda pública em torno do assunto. Mas há custos
—não desprezíveis— que não foram antecipados. O saldo líquido é negativo.
Além do mais, a balbúrdia como estratégia é
crescentemente não crível. Bolsonaro normalizou-se: a aliança com o centrão foi
o núcleo vertebrador da transformação. Tudo o mais é consequência. A cacofonia
é típica de outsiders que permaneceram por longo tempo periféricos em relação
ao establishment que os excluía. Mas permanece como um elemento fora de lugar
quando proferida por quem ocupa o poder, e que se metamorfoseou naquilo que
criticava.
A guerra cultural e a campanha permanente em torno de agendas exóticas (e.g.
anti-globalismo) perderam espaço. Temas comportamentais idem. Seus
protagonistas —Weintraub, Sales, Araújo, Damares— esvaneceram-se. Com os
militares, algo parecido: sua face pública resume-se ao Ministro da Defesa.
O centrão esforça-se para mostrar que Bolsonaro é um político como outro
qualquer; a oposição maximalista que ele é um ditador-em-potência. E que
mostrará sua face real no dia das eleições, no ato final; deflagrando o que
nunca ocorrera em nenhum momento do mandato. Contra conspiração.
Mas o alerta de uma ameaça do ditador empalidece quando o presidente usa as
armas da velha —aliás, velhíssima— política no afã de reeleger-se, ancorado em
práticas escusas. Estas
práticas e a inação do governo —na área orçamentária ambiental,
educacional, cultura—
é que constituem uma verdadeira ameaça. A ameaça da velha política.
E mais: a balbúrdia traz consequências, como mostrou trabalho recente sobre
desconfiança pública em eleições contestadas na América Latina. Hernández-Huerta e Cantú (2022) utilizam experimentos e
pesquisas com 100 mil respondentes, para concluir que a contestação de
perdedores quanto aos resultados reduz a confiança de eleitores sobre a
integridade das eleições. Como ocorreu antes com a Grande Corrupção.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Bolsonaro só não decretou ditadura no País porque não tem poder absoluto pra isso,senão...
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