Folha de S. Paulo
A PGR de Augusto Aras e a de Rodrigo Janot
são males distintos e combinados
É constrangedor assistir aos arroubos
condoreiros de "principistas", movidos por brios que pretendem
libertários, revoltados porque pessoas de quase fino trato foram chamadas a
responder por suas maquinações golpistas. Sentem aquela comichão para defender
a "liberdade de expressão". E indagam em tom exclamativo:
"Quer dizer, então, que não podemos
pregar golpe de estado nem num grupo de zap!?" Não podem.
Ou podem. Mas têm de prestar contas à Justiça caso isso venha a público. A propósito: quais outros crimes, além dos tipificados nos Artigos 359-L e 359-M do Código Penal, poderiam se prestar a, digamos, divagações diletantes? Pedofilia? Assalto a banco? Narcotráfico? "Ah, não vamos misturar". Não misturo. Mas quero saber com quais crimes se pode flertar e por quê.
De resto, pergunte-se: serão mesmo apenas
"divagações diletantes"? Pois é... Moraes atendeu a um pedido da
PF. O
ministro é relator dos inquéritos das "fake news" e das milícias digitais,
que sucedeu o dos atos antidemocráticos, arquivado a pedido desta
impressionante Procuradoria-Geral
da República. A despeito das evidências, o órgão nada viu que merecesse a
devida persecução penal. Assiste-se, sob Augusto Aras, ao colapso da PGR, que
Rodrigo Janot já havia mandado para o buraco. Há mera adição onde parece haver
contradição entre antecessor e sucessor. São "males distintos e
combinados".
Estamos desaparelhados ainda —e que
democracia não está?— para enfrentar o assalto à legalidade promovido pela
extrema direita. Os nefelibatas do democratismo tornam a resistência ainda mais
difícil porque apresentam restrições à investigação oriundas da era dos crimes
analógicos. Nesse ponto, tenho de lidar com livros. É preciso ler "O Povo
contra a Democracia", de Yasha Mounk, e "Como as Democracias
Morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Guarde um lugar para
"Fascismo – Um Alerta", de Madeleine Albright.
Ou bem nos ocupamos da investida dos
extremistas para capturar e solapar as defesas que têm o estado democrático ou
ficaremos a brandir espadas retóricas contra moinhos de vento, vencidos pelo exército
informal que espalha "fake news" e pestilência e convoca os
insanos para a ação direta, a exemplo do que viu no Capitólio.
A percepção original do "paradoxo da
tolerância" tem a marca de Karl Popper em "A Sociedade Aberta e Seus
Inimigos". Você precisa ler. Era um conservador de instituições, não de
iniquidades. Em nome dos seus valores, uma democracia não pode permitir que
atuem livremente os que querem destruí-la em nome dos deles. Ou: "Se não
estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da
intolerância, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles". Não
é tão difícil de compreender.
A mesma PGR que, por intermédio de Lindôra
Araújo, informou à ministra Rosa Weber ser contra
a abertura de inquérito para apurar se Bolsonaro cometeu crime no caso
da pantomima com os embaixadores endereçou a Moraes críticas à operação contra
os empresários.
Naquela mensagem enviada à ministra Rosa, o
braço direitíssimo de Aras chegou a criticar os peticionários que recorreram ao
STF com uma notícia-crime. Mandou para o lixo o Inciso XXXV do Artigo 5º da
Constituição, que é taxativo: "A lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito". Vai ver se recorre tanto ao STF
porque já não se dá um tostão furado pela PGR.
Na petição enviada a Moraes, a
subprocuradora-geral inventou artigo próprio do Código de Processo Penal. Por
ele, o pedido de medidas cautelares seria monopólio do Ministério Público. No
CPP que serve ao Brasil não é assim. Gente que confunde crime com liberdade de
expressão ainda acabará reivindicando a liberdade de redigir as próprias leis.
Fiquei com a impressão de que a doutora
quer saber o que a PF já sabe, em inquérito ainda em curso, sobre empresários
flagrados em elucubrações contra a democracia. Alguns são interlocutores de
Aras.
Lugar de golpista é a cadeia. Prometo
enviar a eventuais condenados um exemplar de "O Pequeno Príncipe".
Que tenham ao menos a chance de ser pessoas melhores.
2 comentários:
Cidadãos como qualquer outros! Todos os grandes empresários estão sujeitos às mesmas leis que nós... Se a PF investiga ministros, deputados, presidentes, também investiga grandes empresários. Se eles não tiverem cometido crimes, acaba a investigação e eles nem são processados! Se houver indícios ou provas de crimes, e promover golpe de estado é um dos piores, deverão ser processados e eventualmente condenados! Perfeita a coluna do Reinaldo! A cadeia deve ser o destino dos canalhas golpistas!
Pois é... Há controvérsias.
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