Valor Econômico
Divergência entre os institutos não muda
tendência geral
Na pesquisa mais recente do Ipec, há 47% de
eleitores com renda até dois salários mínimos no Estado de São Paulo. No
levantamento do Datafolha, são 41% neste recorte. A pesquisa paulista do Ipespe
constatou 36% de eleitores na renda mais baixa. A do Ideia, 35%. A da Quaest,
25%, mesmo percentual usado pela AtlasIntel. Quem está certo?
Nenhum segmento medido nas pesquisas de
opinião, nem mesmo a autoidentificação de gênero, é esculpido sobre a pedra.
Tudo é variável, mas talvez nada seja tão fluido quanto a renda. A renda
familiar é afetada com uma separação, a perda de um emprego, o nascimento de um
filho.
Dada a diferença de perfil entre os eleitorados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente Jair Bolsonaro, a diferença não é trivial. A base lulista está entre os pobres. A menor quantidade de pobres pode afetar diretamente o seu percentual em pesquisas de intenção de voto.
A diferença existe porque os institutos
partem de premissas diferentes. Ipec, Datafolha, Ipespe e Ideia apuram o
percentual de renda dentro da própria amostra. Ou seja, fazem as entrevistas e
levantam junto aos pesquisados de qual renda dispõem. O resultado depois passa
por uma ponderação.
No caso do Quaest e do Atlas a metodologia
é diferente. Estes institutos colocam como controle amostral a cota de renda,
pré-definindo-a de acordo com a pesquisa Pnad contínua do IBGE de 2022. Um
artigo de Felipe Nunes, do Quaest, publicado no jornal “O Globo” em 8 de
agosto, expôs seus argumentos a favor deste critério. Essencialmente, ele diz
que a Pnad contínua, com atualização trimestral, é o melhor dado oficial
disponível sobre o tema.
Andrei Roman, do Atlas, vai pela mesma
linha. “Usar o critério probabilístico funciona pior para aferir isso. Os
hábitos associados a renda no Brasil são diferentes e há evidências nas
pesquisas de 2020 de que a população de baixa renda no Brasil é superestimada”,
justificou.
Foi a Pnad contínua que constatou que em
São Paulo apenas um em cada quatro cidadãos ganha menos de dois salários
mínimos. Em nível nacional, este percentual sobe para 38%. Ou seja, quase dois
terços da população eleitora no Brasil teria renda familiar acima deste
patamar. Há quem veja o dado do Pnad como a pedra angular, há quem o receba com
desconfiança.
Segundo Márcia Cavallari, do Ipec, a
dificuldade de cálculo existe mesmo nos números oficiais. “A mensuração precisa
da renda é bastante sensível, pois os entrevistados tendem a subestimar sua
renda quando ganham muito, ou tendem a superestimar sua renda quando ganham
pouco, além daqueles que não respondem”.
A pesquisadora diz que a ponderação é feita
com o cruzamento de outras variáveis, estas sim consideradas no controle da
cota amostral, como gênero, domicílio eleitoral e idade.
A tendência do entrevistado em ser pouco
preciso ao falar de sua renda, mesmo no Pnad, é reconhecida por Felipe Nunes,
da Quaest. Ele não acredita, no entanto, na extrema fluidez do indicador. “Ao
longo dos anos os dados da Pnad indicam relativa estabilidade em relação a este
recorte”, afirma.
Luciana Chong, do Datafolha, afirma que o
dado da Pnad tem o grande problema de ser a fotografia de um momento, e que
poucas coisas variam tanto quanto a renda familiar.
“As flutuações são grandes. Em nível
nacional, a faixa até dois salários mínimos pulou de 48% para 60% no momento em
que o pagamento do auxílio emergencial foi suspenso”, conta Chong. Atualmente,
com o auxílio restabelecido, o percentual que o Datafolha trabalha no Brasil
como um todo é de 51%, dez pontos percentuais acima do paulista. “Com tal nível
de oscilação, como poderemos usar uma cota que não mude?”, indaga.
Para Luciana Chong, a renda da população é
algo tão fluido que a própria pesquisa Pnad está desatualizada. Ela diz ver com
estranheza, à luz das pesquisas que analisa, a informação de que a pobreza
paulista é tão reduzida.
Maurício Moura, do Ideia, diz que muita
cota pré-estabelecida enviesa demais o processo. “Muita cota pré-estabelecida
enviesa demais o processo. “Cada cota que você introduz é um viés pré-definido.
O nosso mundo ideal é uma amostra totalmente aleatória”, afirma.
Quando olha-se o retrospecto de 2018, não
se pode afirma categoricamente que pesquisas sem cota de renda definida
erraram, ao se observar os votos totais, e não os válidos. O último Datafolha
antes do primeiro turno daquele ano apontou Bolsonaro com 35%, crescimento de
sete pontos percentuais em relação à rodada anterior. O presidente conseguiu
33% em relação ao total do eleitorado apto a votar, e 42% entre os que
compareceram às urnas, sem desconsiderar os votos em branco ou nulo. No caso do
petista Fernando Haddad, o Datafolha do fim do primeiro turno assinalava 22%.
Ele teve 21,3% entre os aptos a votar e 26,7% dos que foram às urnas.
A diferença entre Bolsonaro e Haddad, de 13
pontos percentuais na pesquisa, ficou em 12 pontos percentuais no total do
eleitorado brasileiro, 15 pontos entre os que efetivamente votaram e 17 pontos
entre os votos válidos. Além de todas essas variações estarem dentro da margem
de erro, o instituto havia detectado uma forte elevação de Bolsonaro nos dois
levantamentos anteriores, o que configurava uma tendência de canalização do
eleitorado de candidaturas menores para o então candidato do PSL.
E respondendo à pergunta do início da
coluna sobre quem está certo: no resultado final, não há diferença em relação
às tendências. Em todas Lula está estável ou em ligeiro declínio. Em todas
Bolsonaro registra um crescimento lento e consistente rodada após rodada. Ao se
comparar as pesquisas de metodologias diferentes entre elas mesmas, e não uma
com a outra, as curvas se justapõem, polêmicas à parte.
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