Editoriais / Opiniões
Só democracia pode resolver conflitos de um
país tão diverso
O Globo
Reportagem do GLOBO percorreu o Brasil para
jogar luz sobre os cinco grupos que decidirão as eleições
Com a eleição indefinida, estima-se que
ainda estejam em disputa perto de 48 milhões dos mais de 156 milhões de
eleitores aptos a votar, sejam aqueles que não manifestam preferência nas
pesquisas, sejam os que não demonstram convicção na própria escolha. Cinco
grupos demográficos chamam a atenção por ser considerados decisivos para o
resultado: os nordestinos, os evangélicos, as mulheres, a classe média e quem
trabalha na cadeia do agronegócio. É especialmente nesses segmentos
demográficos que os candidatos concentram esforços para erodir o apoio aos
concorrentes.
De domingo até ontem, O GLOBO publicou uma
série de reportagens — acertadamente intitulada Brasil Fora da Bolha — para
ajudar a entender o que está em jogo na escolha dos brasileiros. As repórteres
viajaram por quatro semanas, percorreram quase 2 mil quilômetros por terra, 16
horas em avião e ouviram 57 pessoas para cumprir a principal missão do
jornalismo profissional: fornecer um testemunho fidedigno da realidade.
No Nordeste, a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o presidente Jair Bolsonaro é explicada pela memória dos seus dois mandatos e de políticas sociais. A reportagem foi à Bahia, onde há o maior número de beneficiários do Auxílio Brasil de Bolsonaro, e verificou por que ele tem surtido efeito eleitoral aquém do desejado pelo governo. “Pedi para minha filha comprar R$ 5 de carne do sertão. Quando olhei o saco, só vi um tequinho deste tamanho”, disse Maria de Fátima, que mora num bairro violento de Salvador. Os mais pobres são os mais afetados pela inflação.
Entre os evangélicos, a dianteira de
Bolsonaro é palpável. Em Manaus, fica claro como o púlpito de muitas igrejas se
transformou em palanque. “Queremos orar e interceder por esses homens, desde
nosso presidente da República até nosso governador e prefeito”, disse o pastor
Sérgio Antônio, da Igreja Comunidade Viva Pai. Na batalha pelo voto, Bolsonaro
explora pautas caras aos evangélicos.
A rejeição a Bolsonaro segue alta no
público feminino. A defesa das armas, a falta de compaixão com as vítimas da
Covid-19 e a inflação despertam antipatia e têm até provocado brigas de casais.
A cozinheira Fláusia dos Santos, que mora perto de Cuiabá, votou no PT até
2014. Em 2018, foi de Bolsonaro. Agora deverá trocar de direção de novo, para
revolta do marido.
Entrevistas com eleitores de classe média
em São Paulo comprovaram a oscilação de preferências. Em julho, Lula estava em
vantagem nesse público. Em agosto, o pêndulo passou a favorecer Bolsonaro. No
Centro-Oeste, locomotiva do agronegócio, a maioria é bolsonarista. “Bolsonaro
rouba menos”, afirmou José Aparecido dos Santos, o Zé do Trator, de Campo Verde
(MT).
O retrato do Brasil fora da bolha mostra,
antes de tudo, um país amplo e plural. A forma mais eficaz de resolver os
conflitos intrínsecos a uma sociedade tão diversa é a democracia. No Brasil, há
um sistema eleitoral confiável, de eficácia comprovada. Qualquer que seja a escolha
em outubro, precisará ser respeitada por todos. Daqui a quatro anos, haverá uma
nova oportunidade de confirmá-la ou corrigi-la.
Crise econômica chinesa traz preocupação a
todo o planeta
O Globo
País não atingirá meta de crescimento em
razão da política de ‘Covid zero’ e do estouro da bolha imobiliária
O acirramento da tensão entre China e
Estados Unidos em torno de Taiwan deixou em segundo plano um problema de
consequências mais imediatas nos mercados globais: o resfriamento da economia
chinesa. Pelas projeções, ela não atingirá a meta de crescer 5,5% neste ano.
Ficará pouco acima de 3% ou 4%. É um resultado que foge ao padrão e à
necessidade de gerar renda e emprego para 1,4 bilhão de habitantes.
Os indicadores de julho mostraram uma perda
de sustentação geral. A produção industrial cresceu 3,8% ante julho do ano
passado, aquém dos 4,6% esperados. Com as vendas no varejo aconteceu o mesmo:
2,7% de aumento, bem abaixo dos 5% projetados e dos 3,1% registrados em junho.
Uma das causas é a ferrenha política de
“Covid zero” seguida por Pequim desde o início da pandemia. Prédios podem ser
interditados se um só morador testar positivo, e cidades, não importa o
tamanho, são postas em lockdown absoluto caso o foco se amplie. Ocorreu com
Xangai e seus 25 milhões de habitantes por dois meses. Desde a semana passada,
dezenas de milhares de turistas ficaram retidos em Sanya, na Ilha de Hainan,
que vive um surto sem previsão para o fim do lockdown.
Outra causa da paralisia econômica é o
esvaziamento de uma bolha imobiliária. A primeira evidência das dificuldades
surgiu no segundo semestre do ano passado, com a insolvência da gigantesca
incorporadora Evergrande, afundada numa dívida de US$ 300 bilhões. Em vez de
ter promovido a tempo a desalavancagem que o nível de endividamento do país
recomendaria, na última segunda-feira o banco central chinês se viu obrigado a
determinar que as maiores instituições financeiras estatais ampliassem
empréstimos, ao mesmo tempo que cortou juros de linhas importantes de crédito.
Os bancos convocados a agir terão US$ 29,3 bilhões para oferecer às
incorporadoras imobiliárias em apuros.
Os operadores chineses reclamam por ações
mais incisivas de Pequim, como as tomadas na crise deflagrada em 2008 pelo
estouro de uma bolha semelhante no mercado imobiliário americano. O
primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, declarou no mês passado que o governo não
tomaria medidas fortes de estímulo. Depois da confirmação de que a economia
chinesa cresceu apenas 2,5% no primeiro semestre, Li convocou os dirigentes de
seis províncias que respondem por 45% do PIB do país para ajudar na recuperação
da economia. É incerto o que farão.
Nos primeiros sete meses do ano, os
investimentos em produção cresceram 5,7%, abaixo da previsão de 6,2%. Por
inevitável, o mercado de trabalho reage negativamente e pune os mais jovens. Na
faixa de 16 a 24 anos, o desemprego beira os 20%. Conter a crise no setor que
representa de 20% a 30% do PIB é a prioridade para o governo de Xi Jinping, que
espera o XX Congresso do Partido Comunista ainda neste ano para receber o aval
a seu terceiro mandato consecutivo e se firmar como dirigente mais poderoso
desde Mao Tsé-Tung. Não estava em seus planos esta crise. Nem nos do planeta.
O eleitor que julgue
Folha de S. Paulo
Combater fake news é um grande desafio, mas
TSE precisa conter ímpeto censório
O ministro Mauro Campbell Marques, do
Tribunal Superior Eleitoral, parece ter aproveitado um episódio
grotesco protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para
passar um recado em nome da corte a que pertence.
Isso explicaria por que ele determinou
a remoção de
vídeos que mostram Bolsonaro reunindo-se com diversos embaixadores estrangeiros para
apresentar-lhes um conjunto de mentiras a respeito das urnas eletrônicas.
Explicaria, mas não justificaria. Campbell
Marques, que também é corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ultrapassou o
limite do razoável em sua decisão, acrescentando um erro judicial à aberração
presidencial.
É verdade que Bolsonaro reincidiu em
conduta indesculpável. Suas reiteradas tentativas de destruir as eleições
periódicas e de conturbar a vida cívica nacional merecem o mais forte repúdio
das instituições republicanas e dos cidadãos defensores da democracia.
Repúdio, sim; mas não entrar no jogo de
quem despreza o Estado de Direito. Se o presidente viola a lei, deve ser punido
segundo a sanção prescrita, observados os princípios e a jurisprudência
pertinentes.
Isso significa, por exemplo, levar a sério
a análise de eventuais crimes comuns e de responsabilidade que Bolsonaro tenha
cometido, seja na reunião com os embaixadores, seja em outras circunstâncias de
seu mandato.
Isso também significa, no âmbito eleitoral,
dar resposta proporcional a eventuais infrações praticadas.
No caso específico, valer-se do Palácio do Planalto e da estrutura estatal para
difundir conteúdo utilizado na campanha deixa o presidente exposto aos
dispositivos que, na lei eleitoral, punem o abuso de poder político e o uso
indevido dos meios de comunicação.
Caso fique comprovado o abuso, a pena
estabelecida é a cassação do registro ou do diploma de candidato beneficiado.
Que o TSE prossiga com esse julgamento.
Derrubar os vídeos que transmitiram o
evento insólito, entretanto, faz pouco sentido neste momento. Primeiro porque a
violação, se houve, já está concluída. Mirar alguns poucos canais bolsonaristas
tem efeito limitado no combate a fake news e custo alto para a livre circulação
de ideias.
Entretanto também faz pouco sentido porque
os vídeos, no fundo, são um retrato pronto e acabado de Bolsonaro exposto em
seu desvario bonapartista.
Se estivesse em questão uma peça de
propaganda sabidamente inverídica destinada a espalhar desinformação, a decisão
do TSE teria cabimento. Não sendo o caso, o tribunal faria melhor se contivesse
seu ímpeto censório para legar ao eleitor a tarefa de julgar
Bolsonaro.
Amazônia recortada
Folha de S. Paulo
Milhões de quilômetros de vias clandestinas
reforçam tese de colapso de chuvas
A Amazônia abarca 4,2 milhões de km² só no
Brasil, quase metade do território nacional. Mesmo diante dessa enormidade, não
deixa de suscitar espanto a revelação de que a rasgam 3,46 milhões de
quilômetros de estradas, pelo grau de devastação que a cifra sugere.
Tal extensão equivale a nove vezes a
distância da Terra à Lua, como assinalou reportagem da série Planeta em Transe,
publicada pela Folha. O dado contrasta com o registro oficial de somente
39 mil km de vias na floresta amazônica.
Dito de outro modo: são clandestinas estradas de
mais de 3 milhões de quilômetros. A maioria dos caminhos é
desconhecida do Estado e atesta a condição de terra sem lei na porção
brasileira da maior floresta tropical do globo.
Os dados preocupantes surgiram em
levantamento de pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon), com base em imagens de satélite. O estudo saiu publicado no periódico
especializado Remote Sensing.
Não haveria problema se tais rodovias
cumprissem apenas o papel usual de facilitar o trânsito de pessoas e
mercadorias. Na Amazônia, contudo, elas estão intimamente associadas com desmatamento.
Nada menos que 55% desses sendeiros
clandestinos se encontram em propriedades privadas. Muitos estarão servindo à
extração ilegal de madeira, à qual em geral se segue um ciclo de ressecamento,
degradação e derrubada da mata.
A devastação prossegue com a abertura de
pastagens e a introdução da pecuária extensiva, pouco produtiva. Nas áreas de
solos melhores e topografia favorável à mecanização, as terras são vendidas
para cultivos de grãos, mas boa parte acaba abandonada.
Esse empobrecimento insidioso não entra no
cômputo de desmate realizado pelo sistema Prodes do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe). Pela estatística oficial, quase 20% do bioma já
perdeu a cobertura florestal.
A ciência aponta que, ao alcançar 25% de
destruição, a floresta amazônica como a conhecemos —chuvosa, biodiversa e
sumidouro portentoso de carbono— poderá entrar em colapso. Nesse cenário, a
espiral de emissões de gases do efeito estufa sairá do controle, turbinando o
aquecimento global.
O quadro se agrava com o antiambientalismo
do governo Jair Bolsonaro (PL), que rendeu mais um
triste recorde na segunda (22) —o maior registro de queimadas
em um único dia de agosto desde 2017.
A democracia segundo Lula
O Estado de S. Paulo
Petista se apresenta como ‘salvador’ da
democracia no Brasil, que goza de boa saúde, mas é incapaz de condenar uma real
ditadura, como a da Venezuela do ‘companheiro’ Maduro
Lula da Silva, ora vejam, é favorável à
alternância de poder na Venezuela. Foi o que o candidato petista à Presidência
disse a jornalistas estrangeiros no dia 22 passado. No entanto, recorreu ao
conceito de “autodeterminação dos povos” para dizer que não deve “se meter” no
que acontece na Venezuela. Mais uma vez, Lula foi incapaz de criticar, mesmo de
leve, a ditadura venezuelana. Enquanto poupava o “companheiro” ditador Nicolás
Maduro, que no passado já se referiu a Lula como “um pai”, o petista chamou o líder
oposicionista venezuelano Juan Guaidó de “impostor”.
O conceito de autodeterminação dos povos é
a bengala que Lula usa sempre que é instado a demonstrar algum desconforto com
a ditadura venezuelana ou com qualquer outra ditadura camarada. É como se dissesse
que Maduro está no poder e governa de maneira tirânica porque é isso o que
desejam os venezuelanos. Ora, um povo exerce a autodeterminação quando é capaz
de decidir livremente, por exemplo, sua condição política. Na Venezuela, essa
liberdade simplesmente não existe, e as cadeias estão cheias de quem deseja a
autodeterminação.
Logo, chega a ser cruel esquivar-se de
criticar a ditadura venezuelana a pretexto de respeitar o povo daquele país,
como se esse povo fosse livre para decidir seu destino. Mas o que Lula faz é
ainda pior: trata a tirania chavista como legítima e democrática.
É inesquecível a declaração de Lula, dada
em 2005, segundo a qual há “excesso de democracia” na Venezuela. Essa diatribe,
que figura com destaque na antologia da pouca-vergonha lulopetista, mal
disfarça a vocação autoritária da seita de Lula: para essa turma, a democracia
é “excessiva” quando a oposição ousa questionar líderes que tudo fazem pelo
“povo”, como era o caso do ditador Hugo Chávez, segundo sugeriu Lula na época.
Essa declaração já tem quase 20 anos, mas é
como se tivesse sido feita ontem. Lula não se emendou, a julgar pelo fato de
que, passado tanto tempo, continua incapaz de reconhecer uma ditadura de
esquerda quando vê uma, muito menos de condená-la. Em compensação, arvora-se em
salvador da democracia no Brasil, onde, ao contrário da Venezuela, a imprensa é
livre, as eleições são limpas, o Congresso funciona sem restrições e o
Judiciário é independente.
A democracia brasileira não precisa ser
salva, pois tem demonstrado, nos recentes testes de estresse a que o presidente
Jair Bolsonaro a tem submetido, uma formidável saúde. Mas a democracia
brasileira ficaria ainda melhor se a esquerda se modernizasse, isto é, se
deixasse de ser prisioneira do terceiro-mundismo nostálgico dos anos 60, época
em que tipos sanguinários como Fidel Castro eram os heróis da luta contra o
imperialismo americano. É essa visão de mundo retrógrada que faz da esquerda
brasileira o espantalho perfeito para uma direita igualmente atrasada e francamente
reacionária. Não há progresso possível quando um país se encontra acorrentado a
um embate ideológico tão anacrônico.
Nesse processo de modernização, se a
direita precisa urgentemente parar de se identificar com um liberticida como
Bolsonaro e de flertar com o golpismo, é imperativo que a esquerda supere Lula.
É muito provável que novas lideranças de esquerda, mais arejadas, estejam
lutando para se afirmar nesse campo, mas não encontram oxigênio para florescer
porque a figura de Lula as asfixia. Talvez em razão de seu incontestável
capital eleitoral, Lula ainda dita os rumos da esquerda, vinculando-a ao ranço
bolivariano, kirchnerista e castrista, entre outras manifestações autoritárias
e ultrapassadas.
A esquerda, se pretende se legitimar no
debate democrático, deve deixar claro que não se alinha a ditadores de nenhuma
espécie, que repele regimes autoritários aqui e em qualquer lugar e que se
horroriza com os brutais crimes cometidos por tiranos como Fidel, Maduro e
Ortega – tratados com deferência e simpatia por Lula e sua grei. A esquerda
deve, enfim, solidarizar-se com os povos que padecem sob o tacão desses
ditadores, e não, como Lula fez várias vezes, com aqueles que os oprimem. Para
os que são verdadeiramente democratas, não é tão difícil.
A PF não é cabo eleitoral de ninguém
O Estado de S. Paulo
Delegados federais ligados a Bolsonaro e a Lula travam uma disputa política interna que faz da sociedade sua maior vítima. PF não é polícia política e seus agentes não são cabos eleitorais
A pouco mais de um mês do primeiro turno
das eleições, a Polícia Federal (PF) vive o ápice de uma descabida disputa
política entre alguns de seus delegados. O Estadão apurou que a
campanha pela Presidência da República deflagrou uma “guerra interna” entre um
grupo de policiais que apoiam a reeleição do presidente Jair Bolsonaro e uma
ala da corporação que procura se aproximar do petista Lula da Silva, há meses o
líder das pesquisas de intenção de voto.
Não há espaço para ingenuidade nesta
página. É evidente que policiais federais têm suas preferências políticas e
ideológicas, como as tem qualquer cidadão. Ademais, essa não é a primeira vez
que a PF se vê diante de suspeitas de atuação enviesada de alguns de seus
quadros. Entretanto, numa República democrática, que vive sob a égide de uma
Constituição que assegura a igualdade de todos perante a lei e consagra o
Estado Democrático de Direito desde o seu preâmbulo, afiliações dessa natureza
jamais podem nortear a atuação policial.
Mas, lamentavelmente, é isso o que se
avizinha. Alguns delegados ouvidos pelo Estadão preveem o que chamam
de “setembro quente”. Esses delegados indicaram que no mês que vem, faltando
poucas semanas para as eleições, devem ser deflagradas operações pontuais
lideradas por delegados rivais do ponto de vista político. As operações, de
acordo com essas fontes, visam ao desgaste eleitoral do candidato à Presidência
que cada ala da PF rejeita.
Há apenas uma Polícia Federal, e não alas
autônomas. As ações da corporação devem ser pautadas pelo rigor técnico e pelo
inarredável respeito às leis e à Constituição, não pelos interesses setoriais
de seus servidores. Grupos, alas ou facções rivais, dê-se o nome que for, não
são ajuntamentos próprios das forças policiais a serviço do Estado. Nenhum interesse
deve se sobrepor ao interesse público.
Os delegados envolvidos nessa “guerra
interna” não estão disputando mandatos eletivos. Os policiais que desejam
participar ativamente da vida político-partidária do País devem pedir
desincompatibilização de seus cargos no prazo legal. O que não podem, de
maneira alguma, é fazer política enquanto estiverem investidos do poder de
polícia.
A escolha das semanas que antecedem as
eleições para deflagrar operações que, ao fim e ao cabo, podem interferir no
resultado do pleito autoriza a suspeição de que a PF possa estar agindo
politicamente em nome de seus interesses corporativos, no melhor cenário, ou
dos interesses de pretendentes ao cargo de presidente da República, o que é
ainda pior. A PF não é uma polícia política e seus agentes não são cabos
eleitorais. A PF é uma instituição republicana, não custa lembrar.
Logo, à corporação não cabe operar sob a
lógica da disputa pelo poder político. Afinal, trata-se de uma instituição a
serviço do Estado, cujos interesses são perenes. A corporação não serve a
governos, transitórios por definição, nem tampouco deve orientar sua atuação
por outros critérios que não a estrita observância ao ordenamento jurídico do
País.
A politização da PF é péssima para a
própria corporação. Corrói sua imagem e desacredita a instituição perante a
sociedade. Ao não coibir a atuação política de alguns de seus delegados, a PF
sujeita-se às críticas de atuação motivada por interesses espúrios mesmo quando
age rigorosamente dentro da lei. Não existe democracia plena sem uma Polícia
Federal rigorosamente legalista e confiável aos olhos dos cidadãos. E isso
decorre de inquéritos e operações policiais livres de motivações políticas,
seja qual for a orientação. Decorre da identificação e punição dos maus policiais.
É atribuição inalienável da direção-geral
da PF zelar pelo bom nome da corporação. Ao diretor-geral, Márcio Nunes de
Oliveira, cabe pôr fim a essa disputa intestina que faz da sociedade a sua
maior vítima. E ao ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres,
a quem a PF está subordinada administrativamente, cabe garantir a autonomia
funcional da corporação e não submetê-la aos interesses do governo de
turno.
O dever de proteger a paz das eleições
O Estado de S. Paulo
Em mensagem tranquilizadora ante a apreensão gerada pelo bolsonarismo, PMs garantem que tropas estão sob controle
Na quarta-feira, o presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, recebeu os 27
comandantes das Polícias Militares (PMs) dos Estados e do Distrito Federal para
alinhar procedimentos e discutir questões referentes à segurança nas eleições
de 2022. Entre os temas discutidos, Alexandre de Moraes pediu que seja estudada
a possibilidade de “eventual restrição ao porte de armas” para a categoria de
Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) nos dias do primeiro e do segundo
turnos das eleições.
Também foram discutidas medidas para
garantir a segurança dos mesários e assegurar a hierarquia e a disciplina
policiais. Na saída do encontro, o comandante-geral da PM de Rondônia, James
Padilha, disse que os oficiais presentes na reunião foram “enfáticos e
uníssonos” na mensagem ao presidente do TSE de que suas “tropas estão sob
controle”.
A rigor, essa informação, num Estado
Democrático de Direito, deveria ser corriqueira e absolutamente consolidada: a
polícia atua dentro da lei e da hierarquia, com total isenção
político-partidária. Como lembrou James Padilha, “os mecanismos de segurança
pública devem se comportar com isenção, tranquilidade e parcialidade para que
possam atuar como instituições de Estado que são, e não instituições de governo”.
No entanto, nas circunstâncias atuais, a
mensagem transmitida ao presidente do TSE pelos comandantes das PMs teve uma
dimensão especialmente tranquilizadora. O presidente Jair Bolsonaro tem um
histórico de apoio velado a atos de indisciplina nas forças de segurança
estaduais, numa mistura perigosíssima entre polícia e política que, entre
outros danos, enfraquece a indispensável hierarquia que deve haver nessas
corporações. Além disso, grupos bolsonaristas têm insinuado que, a depender de
seus devaneios, poderão recorrer à intimidação e à violência, tanto no 7 de
Setembro como nas eleições.
Eis a que ponto se chegou. O País tem um
consolidado histórico de eleições em paz, mas as tensões e os atritos criados
pelo próprio presidente da República têm despertado apreensão sobre o
funcionamento ordeiro e pacífico do pleito. A preocupação ganhou especial
concretude em julho, quando um bolsonarista assassinou a tiros um petista, em
Foz do Iguaçu, apenas em razão da militância política da vítima. Depois do ocorrido,
o TSE firmou acordo com o Ministério Público Eleitoral para combater a
violência política.
O crime em Foz do Iguaçu suscitou também
uma consulta de parlamentares ao TSE sobre a possibilidade de proibir o porte
de armas de todos os cidadãos do País nos dias das eleições, autorizando apenas
que as forças de segurança pública transitem armadas. O caso, cujo relator é o
vice-presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, ainda não foi analisado
pela Corte.
Eleições são tempo de paz e de ordem, de
exercício livre e respeitoso dos direitos políticos. Não é período de agressão
e, muito menos, de rebelião policial. Que todos estejam dentro da lei, para que
a liberdade possa reinar.
Sem dólares, Argentina tenta evitar
desvalorização
Valor Econômico
Ministro da Economia pedirá mais dinheiro
ao FMI de nova linha que deverá estar disponível a partir de outubro
A carência de dólares segue estrangulando a
economia argentina e pode se agravar a curto prazo. O governo argentino,
dividido entre um presidente sem prestígio, Alberto Fernández, e uma vice,
Cristina Kirchner, a quem repugnam programas de austeridade, entregou a
terrível missão de consertar os desequilíbrios econômicos a um presidenciável,
o peronista Sergio Massa, ministro da Economia. O Banco Central argentino tem
ao redor de US$ 1 bilhão em reservas líquidas e sua posição dos mercados
cambiais futuros, que corresponde a uma promessa de venda de dólares, atingiu
85% da meta acordada com o FMI, de US$ 9 bilhões. (La Nacion, ontem).
Sergio Massa começou a usar a quase
inexistente margem de manobra que possui para cumprir o acordo com o Fundo
Monetário Internacional, que joga os pagamentos dos US$ 45 bilhões de
empréstimos para 2024 em diante, e impedir uma desvalorização do peso, que
seria trágica com a inflação a caminho dos 100% até o fim do ano. Para
economizar dólares, o governo argentino retoma expedientes largamente usados
durante o período de mando dos Kirchners.
Trinta e quatro linhas tarifárias que
gozavam de licenças automáticas de importação entrarão no regime não
automático, o que envolve de whisky a iates, de placas de memória para PCs a
máquinas para fazer mineração de criptomoedas. A ideia é evitar saída de US$
800 milhões em compras do exterior até o fim do ano. A licença não automática pressupõe
prazo para autorização de 60 dias que, no passado, nunca foi cumprido e não há
razões para crer que o será agora. As importações de serviços também serão
controladas.
Os importadores argentinos já passam por
uma via crucis. Para terem acesso ao dólar pelo câmbio oficial, bem escasso,
têm de esperar o aval do Banco Central à operação, o que leva de 90 a 180 dias.
O dólar paralelo (blue) é cotado a 290 pesos, em média 120% mais que o dólar
oficial. Com essa distância, não há qualquer estímulo para pessoas físicas e
empresas realizarem transações pelo valor oficial. A diferença cambial tende a
aumentar a qualquer sobressalto e os dólares obtidos por argentinos encontram
repouso em lugares seguros, como o Uruguai.
A segunda frente em que Massa tenta resolver
problemas é igualmente árdua e a que potencialmente pode até lhe custar o
cargo. Aperto nas importações e cerco ao dólar foram armas comuns nos governos
de Néstor e Cristina Kirchner. Ajuste fiscal e aumento de tarifas, porém,
contam com a oposição visceral da vice-presidente. Foi por aceitar um acordo
brando que pressupunha as duas coisas que Cristina forçou a saída do ministro
que costurou o acerto com o FMI, Martín Gusmán. Não se sabe se Massa terá
melhor sorte.
O novo ministro fez um pacote de corte de
US$ 1 bilhão no orçamento, em que metade das economias recaiu sobre os
ministérios da Habitação, Infraestrutura e Educação. Depois congelou salários
nas empresas públicas e reduziu os subsídios, isto é, aumentou preços de luz,
gás e água. Ao mesmo tempo elevou as taxas de juros a 96% ao ano, ante uma
inflação acumulada em doze meses até julho de 71%. As taxas positivas, raras
nos últimos anos, buscam dar atratividade suficiente ao peso para que ele não
se desloque em busca de dólares.
Os empresários não foram poupados. Será
cobrada um imposto como antecipação de lucros, que envolve principalmente
exportadores de commodities primárias, mas também indústrias que tiveram ganhos
extraordinários em decorrência da crise com a guerra na Ucrânia. O objetivo de
todas as medidas é chegar a um déficit primário de 2,5% do PIB. O déficit
corrente, estima-se, está de 0,7% a 1% do PIB acima da meta.
Massa vai ao exterior em busca de dólares.
Com a China, país com o qual a Argentina têm déficit em transações comerciais
de US$ 6,5 bilhões, tenta-se ampliar o acordo de swap cambial, atualmente em
US$ 20 bilhões. O passo mais ousado será o pedido de mais dinheiro ao FMI em
uma nova linha que deverá estar disponível a partir de outubro, destinada a
fortalecer o balanço de pagamentos de longo prazo para países de baixa e média
renda. A Argentina poderia obter até US$ 1 bilhão.
Mas uma das condições para se qualificar ao empréstimo é que o país tenha “dívida sustentável e capacidade adequada de pagamento”, o que a Argentina não tem. Pedir nada custa, mas após receber o maior pacote de ajuda financeira da história do FMI e não ter ainda implantado reformas sequer moderadas, dificilmente o país conseguirá algo a curto prazo, sem mostrar progressos no acordo atual.
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