sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Só democracia pode resolver conflitos de um país tão diverso

O Globo

Reportagem do GLOBO percorreu o Brasil para jogar luz sobre os cinco grupos que decidirão as eleições

Com a eleição indefinida, estima-se que ainda estejam em disputa perto de 48 milhões dos mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar, sejam aqueles que não manifestam preferência nas pesquisas, sejam os que não demonstram convicção na própria escolha. Cinco grupos demográficos chamam a atenção por ser considerados decisivos para o resultado: os nordestinos, os evangélicos, as mulheres, a classe média e quem trabalha na cadeia do agronegócio. É especialmente nesses segmentos demográficos que os candidatos concentram esforços para erodir o apoio aos concorrentes.

De domingo até ontem, O GLOBO publicou uma série de reportagens — acertadamente intitulada Brasil Fora da Bolha — para ajudar a entender o que está em jogo na escolha dos brasileiros. As repórteres viajaram por quatro semanas, percorreram quase 2 mil quilômetros por terra, 16 horas em avião e ouviram 57 pessoas para cumprir a principal missão do jornalismo profissional: fornecer um testemunho fidedigno da realidade.

No Nordeste, a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o presidente Jair Bolsonaro é explicada pela memória dos seus dois mandatos e de políticas sociais. A reportagem foi à Bahia, onde há o maior número de beneficiários do Auxílio Brasil de Bolsonaro, e verificou por que ele tem surtido efeito eleitoral aquém do desejado pelo governo. “Pedi para minha filha comprar R$ 5 de carne do sertão. Quando olhei o saco, só vi um tequinho deste tamanho”, disse Maria de Fátima, que mora num bairro violento de Salvador. Os mais pobres são os mais afetados pela inflação.

Entre os evangélicos, a dianteira de Bolsonaro é palpável. Em Manaus, fica claro como o púlpito de muitas igrejas se transformou em palanque. “Queremos orar e interceder por esses homens, desde nosso presidente da República até nosso governador e prefeito”, disse o pastor Sérgio Antônio, da Igreja Comunidade Viva Pai. Na batalha pelo voto, Bolsonaro explora pautas caras aos evangélicos.

A rejeição a Bolsonaro segue alta no público feminino. A defesa das armas, a falta de compaixão com as vítimas da Covid-19 e a inflação despertam antipatia e têm até provocado brigas de casais. A cozinheira Fláusia dos Santos, que mora perto de Cuiabá, votou no PT até 2014. Em 2018, foi de Bolsonaro. Agora deverá trocar de direção de novo, para revolta do marido.

Entrevistas com eleitores de classe média em São Paulo comprovaram a oscilação de preferências. Em julho, Lula estava em vantagem nesse público. Em agosto, o pêndulo passou a favorecer Bolsonaro. No Centro-Oeste, locomotiva do agronegócio, a maioria é bolsonarista. “Bolsonaro rouba menos”, afirmou José Aparecido dos Santos, o Zé do Trator, de Campo Verde (MT).

O retrato do Brasil fora da bolha mostra, antes de tudo, um país amplo e plural. A forma mais eficaz de resolver os conflitos intrínsecos a uma sociedade tão diversa é a democracia. No Brasil, há um sistema eleitoral confiável, de eficácia comprovada. Qualquer que seja a escolha em outubro, precisará ser respeitada por todos. Daqui a quatro anos, haverá uma nova oportunidade de confirmá-la ou corrigi-la.

Crise econômica chinesa traz preocupação a todo o planeta

O Globo

País não atingirá meta de crescimento em razão da política de ‘Covid zero’ e do estouro da bolha imobiliária

O acirramento da tensão entre China e Estados Unidos em torno de Taiwan deixou em segundo plano um problema de consequências mais imediatas nos mercados globais: o resfriamento da economia chinesa. Pelas projeções, ela não atingirá a meta de crescer 5,5% neste ano. Ficará pouco acima de 3% ou 4%. É um resultado que foge ao padrão e à necessidade de gerar renda e emprego para 1,4 bilhão de habitantes.

Os indicadores de julho mostraram uma perda de sustentação geral. A produção industrial cresceu 3,8% ante julho do ano passado, aquém dos 4,6% esperados. Com as vendas no varejo aconteceu o mesmo: 2,7% de aumento, bem abaixo dos 5% projetados e dos 3,1% registrados em junho.

Uma das causas é a ferrenha política de “Covid zero” seguida por Pequim desde o início da pandemia. Prédios podem ser interditados se um só morador testar positivo, e cidades, não importa o tamanho, são postas em lockdown absoluto caso o foco se amplie. Ocorreu com Xangai e seus 25 milhões de habitantes por dois meses. Desde a semana passada, dezenas de milhares de turistas ficaram retidos em Sanya, na Ilha de Hainan, que vive um surto sem previsão para o fim do lockdown.

Outra causa da paralisia econômica é o esvaziamento de uma bolha imobiliária. A primeira evidência das dificuldades surgiu no segundo semestre do ano passado, com a insolvência da gigantesca incorporadora Evergrande, afundada numa dívida de US$ 300 bilhões. Em vez de ter promovido a tempo a desalavancagem que o nível de endividamento do país recomendaria, na última segunda-feira o banco central chinês se viu obrigado a determinar que as maiores instituições financeiras estatais ampliassem empréstimos, ao mesmo tempo que cortou juros de linhas importantes de crédito. Os bancos convocados a agir terão US$ 29,3 bilhões para oferecer às incorporadoras imobiliárias em apuros.

Os operadores chineses reclamam por ações mais incisivas de Pequim, como as tomadas na crise deflagrada em 2008 pelo estouro de uma bolha semelhante no mercado imobiliário americano. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, declarou no mês passado que o governo não tomaria medidas fortes de estímulo. Depois da confirmação de que a economia chinesa cresceu apenas 2,5% no primeiro semestre, Li convocou os dirigentes de seis províncias que respondem por 45% do PIB do país para ajudar na recuperação da economia. É incerto o que farão.

Nos primeiros sete meses do ano, os investimentos em produção cresceram 5,7%, abaixo da previsão de 6,2%. Por inevitável, o mercado de trabalho reage negativamente e pune os mais jovens. Na faixa de 16 a 24 anos, o desemprego beira os 20%. Conter a crise no setor que representa de 20% a 30% do PIB é a prioridade para o governo de Xi Jinping, que espera o XX Congresso do Partido Comunista ainda neste ano para receber o aval a seu terceiro mandato consecutivo e se firmar como dirigente mais poderoso desde Mao Tsé-Tung. Não estava em seus planos esta crise. Nem nos do planeta.

O eleitor que julgue

Folha de S. Paulo

Combater fake news é um grande desafio, mas TSE precisa conter ímpeto censório

O ministro Mauro Campbell Marques, do Tribunal Superior Eleitoral, parece ter aproveitado um episódio grotesco protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para passar um recado em nome da corte a que pertence.

Isso explicaria por que ele determinou a remoção de vídeos que mostram Bolsonaro reunindo-se com diversos embaixadores estrangeiros para apresentar-lhes um conjunto de mentiras a respeito das urnas eletrônicas.

Explicaria, mas não justificaria. Campbell Marques, que também é corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ultrapassou o limite do razoável em sua decisão, acrescentando um erro judicial à aberração presidencial.

É verdade que Bolsonaro reincidiu em conduta indesculpável. Suas reiteradas tentativas de destruir as eleições periódicas e de conturbar a vida cívica nacional merecem o mais forte repúdio das instituições republicanas e dos cidadãos defensores da democracia.

Repúdio, sim; mas não entrar no jogo de quem despreza o Estado de Direito. Se o presidente viola a lei, deve ser punido segundo a sanção prescrita, observados os princípios e a jurisprudência pertinentes.

Isso significa, por exemplo, levar a sério a análise de eventuais crimes comuns e de responsabilidade que Bolsonaro tenha cometido, seja na reunião com os embaixadores, seja em outras circunstâncias de seu mandato.

Isso também significa, no âmbito eleitoral, dar resposta proporcional a eventuais infrações praticadas.
No caso específico, valer-se do Palácio do Planalto e da estrutura estatal para difundir conteúdo utilizado na campanha deixa o presidente exposto aos dispositivos que, na lei eleitoral, punem o abuso de poder político e o uso indevido dos meios de comunicação.

Caso fique comprovado o abuso, a pena estabelecida é a cassação do registro ou do diploma de candidato beneficiado. Que o TSE prossiga com esse julgamento.

Derrubar os vídeos que transmitiram o evento insólito, entretanto, faz pouco sentido neste momento. Primeiro porque a violação, se houve, já está concluída. Mirar alguns poucos canais bolsonaristas tem efeito limitado no combate a fake news e custo alto para a livre circulação de ideias.

Entretanto também faz pouco sentido porque os vídeos, no fundo, são um retrato pronto e acabado de Bolsonaro exposto em seu desvario bonapartista.

Se estivesse em questão uma peça de propaganda sabidamente inverídica destinada a espalhar desinformação, a decisão do TSE teria cabimento. Não sendo o caso, o tribunal faria melhor se contivesse seu ímpeto censório para legar ao eleitor a tarefa de julgar Bolsonaro.

Amazônia recortada

Folha de S. Paulo

Milhões de quilômetros de vias clandestinas reforçam tese de colapso de chuvas

A Amazônia abarca 4,2 milhões de km² só no Brasil, quase metade do território nacional. Mesmo diante dessa enormidade, não deixa de suscitar espanto a revelação de que a rasgam 3,46 milhões de quilômetros de estradas, pelo grau de devastação que a cifra sugere.

Tal extensão equivale a nove vezes a distância da Terra à Lua, como assinalou reportagem da série Planeta em Transe, publicada pela Folha. O dado contrasta com o registro oficial de somente 39 mil km de vias na floresta amazônica.

Dito de outro modo: são clandestinas estradas de mais de 3 milhões de quilômetros. A maioria dos caminhos é desconhecida do Estado e atesta a condição de terra sem lei na porção brasileira da maior floresta tropical do globo.

Os dados preocupantes surgiram em levantamento de pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com base em imagens de satélite. O estudo saiu publicado no periódico especializado Remote Sensing.

Não haveria problema se tais rodovias cumprissem apenas o papel usual de facilitar o trânsito de pessoas e mercadorias. Na Amazônia, contudo, elas estão intimamente associadas com desmatamento.

Nada menos que 55% desses sendeiros clandestinos se encontram em propriedades privadas. Muitos estarão servindo à extração ilegal de madeira, à qual em geral se segue um ciclo de ressecamento, degradação e derrubada da mata.

A devastação prossegue com a abertura de pastagens e a introdução da pecuária extensiva, pouco produtiva. Nas áreas de solos melhores e topografia favorável à mecanização, as terras são vendidas para cultivos de grãos, mas boa parte acaba abandonada.

Esse empobrecimento insidioso não entra no cômputo de desmate realizado pelo sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Pela estatística oficial, quase 20% do bioma já perdeu a cobertura florestal.

A ciência aponta que, ao alcançar 25% de destruição, a floresta amazônica como a conhecemos —chuvosa, biodiversa e sumidouro portentoso de carbono— poderá entrar em colapso. Nesse cenário, a espiral de emissões de gases do efeito estufa sairá do controle, turbinando o aquecimento global.

O quadro se agrava com o antiambientalismo do governo Jair Bolsonaro (PL), que rendeu mais um triste recorde na segunda (22) —o maior registro de queimadas em um único dia de agosto desde 2017.

A democracia segundo Lula

O Estado de S. Paulo

Petista se apresenta como ‘salvador’ da democracia no Brasil, que goza de boa saúde, mas é incapaz de condenar uma real ditadura, como a da Venezuela do ‘companheiro’ Maduro

Lula da Silva, ora vejam, é favorável à alternância de poder na Venezuela. Foi o que o candidato petista à Presidência disse a jornalistas estrangeiros no dia 22 passado. No entanto, recorreu ao conceito de “autodeterminação dos povos” para dizer que não deve “se meter” no que acontece na Venezuela. Mais uma vez, Lula foi incapaz de criticar, mesmo de leve, a ditadura venezuelana. Enquanto poupava o “companheiro” ditador Nicolás Maduro, que no passado já se referiu a Lula como “um pai”, o petista chamou o líder oposicionista venezuelano Juan Guaidó de “impostor”.

O conceito de autodeterminação dos povos é a bengala que Lula usa sempre que é instado a demonstrar algum desconforto com a ditadura venezuelana ou com qualquer outra ditadura camarada. É como se dissesse que Maduro está no poder e governa de maneira tirânica porque é isso o que desejam os venezuelanos. Ora, um povo exerce a autodeterminação quando é capaz de decidir livremente, por exemplo, sua condição política. Na Venezuela, essa liberdade simplesmente não existe, e as cadeias estão cheias de quem deseja a autodeterminação.

Logo, chega a ser cruel esquivar-se de criticar a ditadura venezuelana a pretexto de respeitar o povo daquele país, como se esse povo fosse livre para decidir seu destino. Mas o que Lula faz é ainda pior: trata a tirania chavista como legítima e democrática. 

É inesquecível a declaração de Lula, dada em 2005, segundo a qual há “excesso de democracia” na Venezuela. Essa diatribe, que figura com destaque na antologia da pouca-vergonha lulopetista, mal disfarça a vocação autoritária da seita de Lula: para essa turma, a democracia é “excessiva” quando a oposição ousa questionar líderes que tudo fazem pelo “povo”, como era o caso do ditador Hugo Chávez, segundo sugeriu Lula na época.

Essa declaração já tem quase 20 anos, mas é como se tivesse sido feita ontem. Lula não se emendou, a julgar pelo fato de que, passado tanto tempo, continua incapaz de reconhecer uma ditadura de esquerda quando vê uma, muito menos de condená-la. Em compensação, arvora-se em salvador da democracia no Brasil, onde, ao contrário da Venezuela, a imprensa é livre, as eleições são limpas, o Congresso funciona sem restrições e o Judiciário é independente.

A democracia brasileira não precisa ser salva, pois tem demonstrado, nos recentes testes de estresse a que o presidente Jair Bolsonaro a tem submetido, uma formidável saúde. Mas a democracia brasileira ficaria ainda melhor se a esquerda se modernizasse, isto é, se deixasse de ser prisioneira do terceiro-mundismo nostálgico dos anos 60, época em que tipos sanguinários como Fidel Castro eram os heróis da luta contra o imperialismo americano. É essa visão de mundo retrógrada que faz da esquerda brasileira o espantalho perfeito para uma direita igualmente atrasada e francamente reacionária. Não há progresso possível quando um país se encontra acorrentado a um embate ideológico tão anacrônico.

Nesse processo de modernização, se a direita precisa urgentemente parar de se identificar com um liberticida como Bolsonaro e de flertar com o golpismo, é imperativo que a esquerda supere Lula. É muito provável que novas lideranças de esquerda, mais arejadas, estejam lutando para se afirmar nesse campo, mas não encontram oxigênio para florescer porque a figura de Lula as asfixia. Talvez em razão de seu incontestável capital eleitoral, Lula ainda dita os rumos da esquerda, vinculando-a ao ranço bolivariano, kirchnerista e castrista, entre outras manifestações autoritárias e ultrapassadas.

A esquerda, se pretende se legitimar no debate democrático, deve deixar claro que não se alinha a ditadores de nenhuma espécie, que repele regimes autoritários aqui e em qualquer lugar e que se horroriza com os brutais crimes cometidos por tiranos como Fidel, Maduro e Ortega – tratados com deferência e simpatia por Lula e sua grei. A esquerda deve, enfim, solidarizar-se com os povos que padecem sob o tacão desses ditadores, e não, como Lula fez várias vezes, com aqueles que os oprimem. Para os que são verdadeiramente democratas, não é tão difícil.

A PF não é cabo eleitoral de ninguém

O Estado de S. Paulo

Delegados federais ligados a Bolsonaro e a Lula travam uma disputa política interna que faz da sociedade sua maior vítima. PF não é polícia política e seus agentes não são cabos eleitorais

A pouco mais de um mês do primeiro turno das eleições, a Polícia Federal (PF) vive o ápice de uma descabida disputa política entre alguns de seus delegados. O Estadão apurou que a campanha pela Presidência da República deflagrou uma “guerra interna” entre um grupo de policiais que apoiam a reeleição do presidente Jair Bolsonaro e uma ala da corporação que procura se aproximar do petista Lula da Silva, há meses o líder das pesquisas de intenção de voto.

Não há espaço para ingenuidade nesta página. É evidente que policiais federais têm suas preferências políticas e ideológicas, como as tem qualquer cidadão. Ademais, essa não é a primeira vez que a PF se vê diante de suspeitas de atuação enviesada de alguns de seus quadros. Entretanto, numa República democrática, que vive sob a égide de uma Constituição que assegura a igualdade de todos perante a lei e consagra o Estado Democrático de Direito desde o seu preâmbulo, afiliações dessa natureza jamais podem nortear a atuação policial.

Mas, lamentavelmente, é isso o que se avizinha. Alguns delegados ouvidos pelo Estadão preveem o que chamam de “setembro quente”. Esses delegados indicaram que no mês que vem, faltando poucas semanas para as eleições, devem ser deflagradas operações pontuais lideradas por delegados rivais do ponto de vista político. As operações, de acordo com essas fontes, visam ao desgaste eleitoral do candidato à Presidência que cada ala da PF rejeita.

Há apenas uma Polícia Federal, e não alas autônomas. As ações da corporação devem ser pautadas pelo rigor técnico e pelo inarredável respeito às leis e à Constituição, não pelos interesses setoriais de seus servidores. Grupos, alas ou facções rivais, dê-se o nome que for, não são ajuntamentos próprios das forças policiais a serviço do Estado. Nenhum interesse deve se sobrepor ao interesse público.

Os delegados envolvidos nessa “guerra interna” não estão disputando mandatos eletivos. Os policiais que desejam participar ativamente da vida político-partidária do País devem pedir desincompatibilização de seus cargos no prazo legal. O que não podem, de maneira alguma, é fazer política enquanto estiverem investidos do poder de polícia.

A escolha das semanas que antecedem as eleições para deflagrar operações que, ao fim e ao cabo, podem interferir no resultado do pleito autoriza a suspeição de que a PF possa estar agindo politicamente em nome de seus interesses corporativos, no melhor cenário, ou dos interesses de pretendentes ao cargo de presidente da República, o que é ainda pior. A PF não é uma polícia política e seus agentes não são cabos eleitorais. A PF é uma instituição republicana, não custa lembrar.

Logo, à corporação não cabe operar sob a lógica da disputa pelo poder político. Afinal, trata-se de uma instituição a serviço do Estado, cujos interesses são perenes. A corporação não serve a governos, transitórios por definição, nem tampouco deve orientar sua atuação por outros critérios que não a estrita observância ao ordenamento jurídico do País.

A politização da PF é péssima para a própria corporação. Corrói sua imagem e desacredita a instituição perante a sociedade. Ao não coibir a atuação política de alguns de seus delegados, a PF sujeita-se às críticas de atuação motivada por interesses espúrios mesmo quando age rigorosamente dentro da lei. Não existe democracia plena sem uma Polícia Federal rigorosamente legalista e confiável aos olhos dos cidadãos. E isso decorre de inquéritos e operações policiais livres de motivações políticas, seja qual for a orientação. Decorre da identificação e punição dos maus policiais.

É atribuição inalienável da direção-geral da PF zelar pelo bom nome da corporação. Ao diretor-geral, Márcio Nunes de Oliveira, cabe pôr fim a essa disputa intestina que faz da sociedade a sua maior vítima. E ao ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres, a quem a PF está subordinada administrativamente, cabe garantir a autonomia funcional da corporação e não submetê-la aos interesses do governo de turno. 

O dever de proteger a paz das eleições

O Estado de S. Paulo

Em mensagem tranquilizadora ante a apreensão gerada pelo bolsonarismo, PMs garantem que tropas estão sob controle

Na quarta-feira, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, recebeu os 27 comandantes das Polícias Militares (PMs) dos Estados e do Distrito Federal para alinhar procedimentos e discutir questões referentes à segurança nas eleições de 2022. Entre os temas discutidos, Alexandre de Moraes pediu que seja estudada a possibilidade de “eventual restrição ao porte de armas” para a categoria de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) nos dias do primeiro e do segundo turnos das eleições.

Também foram discutidas medidas para garantir a segurança dos mesários e assegurar a hierarquia e a disciplina policiais. Na saída do encontro, o comandante-geral da PM de Rondônia, James Padilha, disse que os oficiais presentes na reunião foram “enfáticos e uníssonos” na mensagem ao presidente do TSE de que suas “tropas estão sob controle”.

A rigor, essa informação, num Estado Democrático de Direito, deveria ser corriqueira e absolutamente consolidada: a polícia atua dentro da lei e da hierarquia, com total isenção político-partidária. Como lembrou James Padilha, “os mecanismos de segurança pública devem se comportar com isenção, tranquilidade e parcialidade para que possam atuar como instituições de Estado que são, e não instituições de governo”.

No entanto, nas circunstâncias atuais, a mensagem transmitida ao presidente do TSE pelos comandantes das PMs teve uma dimensão especialmente tranquilizadora. O presidente Jair Bolsonaro tem um histórico de apoio velado a atos de indisciplina nas forças de segurança estaduais, numa mistura perigosíssima entre polícia e política que, entre outros danos, enfraquece a indispensável hierarquia que deve haver nessas corporações. Além disso, grupos bolsonaristas têm insinuado que, a depender de seus devaneios, poderão recorrer à intimidação e à violência, tanto no 7 de Setembro como nas eleições.

Eis a que ponto se chegou. O País tem um consolidado histórico de eleições em paz, mas as tensões e os atritos criados pelo próprio presidente da República têm despertado apreensão sobre o funcionamento ordeiro e pacífico do pleito. A preocupação ganhou especial concretude em julho, quando um bolsonarista assassinou a tiros um petista, em Foz do Iguaçu, apenas em razão da militância política da vítima. Depois do ocorrido, o TSE firmou acordo com o Ministério Público Eleitoral para combater a violência política.

O crime em Foz do Iguaçu suscitou também uma consulta de parlamentares ao TSE sobre a possibilidade de proibir o porte de armas de todos os cidadãos do País nos dias das eleições, autorizando apenas que as forças de segurança pública transitem armadas. O caso, cujo relator é o vice-presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, ainda não foi analisado pela Corte.

Eleições são tempo de paz e de ordem, de exercício livre e respeitoso dos direitos políticos. Não é período de agressão e, muito menos, de rebelião policial. Que todos estejam dentro da lei, para que a liberdade possa reinar.

Sem dólares, Argentina tenta evitar desvalorização

Valor Econômico

Ministro da Economia pedirá mais dinheiro ao FMI de nova linha que deverá estar disponível a partir de outubro

A carência de dólares segue estrangulando a economia argentina e pode se agravar a curto prazo. O governo argentino, dividido entre um presidente sem prestígio, Alberto Fernández, e uma vice, Cristina Kirchner, a quem repugnam programas de austeridade, entregou a terrível missão de consertar os desequilíbrios econômicos a um presidenciável, o peronista Sergio Massa, ministro da Economia. O Banco Central argentino tem ao redor de US$ 1 bilhão em reservas líquidas e sua posição dos mercados cambiais futuros, que corresponde a uma promessa de venda de dólares, atingiu 85% da meta acordada com o FMI, de US$ 9 bilhões. (La Nacion, ontem).

Sergio Massa começou a usar a quase inexistente margem de manobra que possui para cumprir o acordo com o Fundo Monetário Internacional, que joga os pagamentos dos US$ 45 bilhões de empréstimos para 2024 em diante, e impedir uma desvalorização do peso, que seria trágica com a inflação a caminho dos 100% até o fim do ano. Para economizar dólares, o governo argentino retoma expedientes largamente usados durante o período de mando dos Kirchners.

Trinta e quatro linhas tarifárias que gozavam de licenças automáticas de importação entrarão no regime não automático, o que envolve de whisky a iates, de placas de memória para PCs a máquinas para fazer mineração de criptomoedas. A ideia é evitar saída de US$ 800 milhões em compras do exterior até o fim do ano. A licença não automática pressupõe prazo para autorização de 60 dias que, no passado, nunca foi cumprido e não há razões para crer que o será agora. As importações de serviços também serão controladas.

Os importadores argentinos já passam por uma via crucis. Para terem acesso ao dólar pelo câmbio oficial, bem escasso, têm de esperar o aval do Banco Central à operação, o que leva de 90 a 180 dias. O dólar paralelo (blue) é cotado a 290 pesos, em média 120% mais que o dólar oficial. Com essa distância, não há qualquer estímulo para pessoas físicas e empresas realizarem transações pelo valor oficial. A diferença cambial tende a aumentar a qualquer sobressalto e os dólares obtidos por argentinos encontram repouso em lugares seguros, como o Uruguai.

A segunda frente em que Massa tenta resolver problemas é igualmente árdua e a que potencialmente pode até lhe custar o cargo. Aperto nas importações e cerco ao dólar foram armas comuns nos governos de Néstor e Cristina Kirchner. Ajuste fiscal e aumento de tarifas, porém, contam com a oposição visceral da vice-presidente. Foi por aceitar um acordo brando que pressupunha as duas coisas que Cristina forçou a saída do ministro que costurou o acerto com o FMI, Martín Gusmán. Não se sabe se Massa terá melhor sorte.

O novo ministro fez um pacote de corte de US$ 1 bilhão no orçamento, em que metade das economias recaiu sobre os ministérios da Habitação, Infraestrutura e Educação. Depois congelou salários nas empresas públicas e reduziu os subsídios, isto é, aumentou preços de luz, gás e água. Ao mesmo tempo elevou as taxas de juros a 96% ao ano, ante uma inflação acumulada em doze meses até julho de 71%. As taxas positivas, raras nos últimos anos, buscam dar atratividade suficiente ao peso para que ele não se desloque em busca de dólares.

Os empresários não foram poupados. Será cobrada um imposto como antecipação de lucros, que envolve principalmente exportadores de commodities primárias, mas também indústrias que tiveram ganhos extraordinários em decorrência da crise com a guerra na Ucrânia. O objetivo de todas as medidas é chegar a um déficit primário de 2,5% do PIB. O déficit corrente, estima-se, está de 0,7% a 1% do PIB acima da meta.

Massa vai ao exterior em busca de dólares. Com a China, país com o qual a Argentina têm déficit em transações comerciais de US$ 6,5 bilhões, tenta-se ampliar o acordo de swap cambial, atualmente em US$ 20 bilhões. O passo mais ousado será o pedido de mais dinheiro ao FMI em uma nova linha que deverá estar disponível a partir de outubro, destinada a fortalecer o balanço de pagamentos de longo prazo para países de baixa e média renda. A Argentina poderia obter até US$ 1 bilhão.

Mas uma das condições para se qualificar ao empréstimo é que o país tenha “dívida sustentável e capacidade adequada de pagamento”, o que a Argentina não tem. Pedir nada custa, mas após receber o maior pacote de ajuda financeira da história do FMI e não ter ainda implantado reformas sequer moderadas, dificilmente o país conseguirá algo a curto prazo, sem mostrar progressos no acordo atual.

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