O Globo
Como retomar investimentos e consumo? Como
elevar os gastos em programas sociais com o governo quebrado e endividado?
Quanto mais distante o candidato está da
vitória, mais detalhadas são suas propostas de governo. Inversamente, quanto
mais perto do poder, mais vagos tornam-se seus programas.
Tome-se o caso do endividamento. Cerca de
80% das famílias brasileiras estão endividadas. Claro, há dívidas boas (como
aquelas para compra da casa própria) e dívidas péssimas, como as do cheque
especial ou o rotativo do cartão de crédito.
Mas, como as taxas de juros estão em alta e
devem permanecer elevadas por muitos meses, avançando até 2024, toda dívida
torna-se perigosa, ainda mais com inflação alta e renda real em queda.
Muitos lares já foram atropelados. Segundo
dados da Confederação Nacional do Comércio, em agosto passado 30% das famílias
tinham alguma conta em atraso — o maior percentual da série iniciada em 2010.
O que dizem os candidatos?
Ciro Gomes,
empacado nos 8%, tem uma proposta ampla para a renegociação meio forçada de
todas as dívidas de pessoas e empresas. Tecnicamente, é de implementação muito
difícil, praticamente impossível, mas de todo modo revela a preocupação do
candidato em buscar os instrumentos para isso.
O favorito Lula só entrou no assunto por
causa de Ciro. Sua campanha percebeu como o tema levantado pelo candidato do
PDT era sério e trazia apelo eleitoral. Mas no que deu a proposta petista? Uma
vaga promessa de renegociação.
É nada. Credores, de bancos a empresas de
varejo, estão negociando o tempo todo. Há empresas especializadas nisso. Se for
para apresentar algo de novo, algum tipo de financiamento barato e garantido,
seria preciso mostrar o dinheiro e a modalidade de empréstimo.
Complicado, claro. O presidente da
República não pode mandar o Banco Central reduzir os juros na marra. Pela nova
lei, o BC é uma agência independente. Seu presidente atual, Roberto Campos
Neto, tem mandato até dezembro de 2024 e precisa operar de acordo com regras
bem definidas — a principal delas, colocar a inflação na meta. Como está longe
da meta, manterá juros muito elevados. Isso é fato a limitar qualquer política
econômica para os próximos dois anos, no mínimo.
Como retomar investimentos e consumo nesse
ambiente? Como elevar os gastos em programas sociais — incluindo o salário
mínimo, indexador das aposentadorias — com o governo quebrado e endividado?
Lula, e insistimos nele por ser o favorito, tem resposta pronta quando se
colocam essas questões:
— Olhem para meus governos anteriores.
Não faz o menor sentido. As situações são
completamente diferentes. Para começar, o primeiro Lula foi beneficiado por uma
onda de crescimento mundial, que derrubou os níveis de pobreza em todo o mundo
emergente. Com o crescimento dos mais desenvolvidos e da China, os preços dos
produtos de exportação dos emergentes atingiram níveis inéditos. Choveram
dólares.
Hoje, Estados Unidos e Europa caminham para
a recessão. O motor chinês se engasgou com a política de Covid Zero, que sempre
deixa milhões de pessoas em lockdown, interrompendo atividades econômicas.
Internamente, o primeiro Lula recebeu de FH
um governo arrumado: o real instalado, a regra da responsabilidade fiscal e do
superávit primário, inflação domada. Agora, receberá o oposto disso tudo.
E o candidato favorito ainda fala em
reestatizar a Eletrobras.
Com que dinheiro? Só se confiscar as ações que foram vendidas, inclusive a
milhares de pessoas físicas, que puderam usar parte de seu FGTS para
comprar papéis da empresa de energia. Farão como? Devolverão o dinheiro ao
FGTS? Seria uma quebra de confiança, um golpe jurídico que desmoralizaria o
governo por muito tempo.
Finalmente, há outra bomba na praça: as
finanças estaduais, destruídas por reduções compulsórias de ICMS. Aliás, o que
os candidatos a governador dizem sobre isso? Tomar dinheiro do governo federal,
que não tem.
Tudo considerado, o favorito Lula deve
respostas, especialmente agora que quer tomar eleitores de Ciro e Simone. Estes
aceitariam voto no escuro?
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