Poeta modernista, na sua segunda fase, revelou-se uma figura das mais cativas e respeitadas na década de 20, não só pela sua lindíssima poesia, mas também pela sua via crucis, diante do mal que lhe atingira em cheio.
O nome completo do jornalista Giuseppe Ghiaroni é Giuseppe Artidoro Ghiaroni. Ele nasceu na cidade de Paraíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 1919 e faleceu na capital do Rio de Janeiro, em 21 de fevereiro de 2008. Além de jornalista, Ghiaroni foi também poeta.
Estas duas figuras, não obstante um pequeno espaço de tempo de existência entre um e outro, - coisa de 20 anos, produziram textos incomparáveis e de enorme reflexão. Tanto é assim que neste pequeno artigo reproduzimos um texto em verso (de Giuseppe Ghiaroni) e, em prosa (de Rodrigues de Abreu), Estes dois, falando das nossas mãos tão importantes para nós e o que ela representa, do ponto de vista de cada qual.
É bom que se faça, antes de mais nada, uma grande ressalva. O Monólogo das Mãos, foi atribuído a Michel Montaigne, com o título de “Para que servem as mãos”. Na verdade, todo o poema é criação exclusiva de Chiaroni.
Monólogo das Mãos
Giuseppe Chiaroni:
As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar.
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário; Múcio Cévola queimou a mão que, por engano, não matou Porcena; foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos, David agitou a funda que matou Golias; as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram. A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia!
As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva. Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos.
As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros. O autor do "Homo Rebus" lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem.
Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas. A mão aberta, acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada mostra a força e o poder; empunha a espada, a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes; dá cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza. Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos, medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos. O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de fidelidade. O noivo para casar-se pede a mão de sua amada; Jesus abençoava com as mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.
Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar.
Com as mãos, limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias. E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre, ainda as mãos prevalecem.
Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino. E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida. E as mãos dos amigos nos conduzem... E as mãos dos coveiros nos enterram!
O elogio das minhas mãos
Rodrigues de Abreu
Sei eu bem o que vos devo. Servis-me, boas amigas, desde o princípio da minha vida. Na minha adolescência, vós é que erguíeis para o ar os castelos dos meus sonhos. Tremíeis como eu, na graça e na esperança, a cada novo arquitetar; e vós somente velastes meus olhos no choro amargo de cada queda. Na minha tormentosa mocidade, nesta ânsia ingrata de perfeição, neste doloroso culto da Arte, sois escravas diligentes, atentas pelo esplendor do sacrifício. Vós é que, suando angustiadas, assistis à tortura silenciosa da minha alma para o florescer de um pensamento novo. Com que pressa alegre e boa não procurais desenhar, de leve, sobre o papel, a expressão de todas as minhas ideias. Tendo o trabalho inglório, como vos acariciais mutuamente, felizes por me verdes feliz, na contemplação da obra acabada, em que o meu pensamento se move nas rendas das imagens sutis, na cadência fácil dos versos sonoros! Nos meus dias de desdita vós é que me amparais a fronte e procurais abrandar-me a febre. Nos meus dias de felicidade e de orgulho, vós é que levais aos meus lábios remoçados a taça repleta. Nunca vos erguestes em ira contra os meus semelhantes. Nunca aplaudistes as infâmias dos homens.
Pelas consolações que espalhardes, pela bondade com que pousardes nas cabeças dos pequeninos. Pelos gestos de bênção e perdão que tiverdes, ó minhas mãos, sede abençoadas!
Ainda mais abençoadas sejais, se não levardes às outras almas a angústia e o desejo de vingança! Se nunca escreverdes um pensamento que turbe a alma das crianças e das virgens!
Se não semeardes sementes de malícia e de pecado!
Oh! minhas mãos! Quero que sejais duas esponjas enormes, que se embebam de todas as dores humanas, secando da água do pranto a superfície da Terra.
*Escritor, autor de várias obras, em que se destacam Astrojildo Pereira in Memoriam, Crônicas e Outros Bichos, Walt Whitman: Poeta e, depois, Profeta e Cartas de Octavio Brandão
Um comentário:
Morrer tão jovem um poeta? Quanta judiação.
Postar um comentário