Ministra defende Estado de Direito e critica discurso de ódio ao tomar posse na corte
José Marques, Marcelo Rocha /
Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Em uma cerimônia sem
a presença do presidente
Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), a
ministra Rosa Weber foi empossada nesta segunda-feira (12) como presidente do STF
(Supremo Tribunal Federal), para um mandato previsto até outubro do ano que
vem.
No primeiro discurso como presidente do
STF, a ministra afirmou, sob aplausos, que não se pode cogitar o descumprimento
de ordens judiciais —o que Bolsonaro já ameaçou fazer em seu embate com
ministros da corte.
"De descumprimento de ordens judiciais
sequer se cogite em um Estado democrático de Direito", disse Rosa.
Rosa defendeu o Estado de Direito, a
laicidade e a rejeição ao discurso de ódio. Afirmou ter a certeza que "sem
um Poder Judiciário independente e forte, sem juízes independentes e sem a
imprensa livre não há democracia".
"Sejam as minhas primeiras palavras as
de reverência incondicional à autoridade suprema da Constituição e das leis da
República, de crença inabalável na superioridade ética e política do Estado
democrático de Direito, de prevalência do princípio republicano e suas naturais
derivações, com destaque à essencial igualdade entre as pessoas e a estrita observância
da laicidade do Estado brasileiro, com a neutralidade confessional das
instituições e garantia de pleno exercício de liberdade religiosa",
afirmou.
A ministra fez a defesa do sistema
eleitoral brasileiro e, ao mencionar o ministro Alexandre de Moraes, presidente
do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o público também aplaudiu.
Antes dela, a ministra Cármen Lúcia também
fez críticas, sem menção direta, aos ataques de Bolsonaro à Justiça e às
instituições.
Rosa, de perfil discreto e avessa aos
holofotes, pretende que os primeiros meses da sua gestão não fiquem marcados
por polêmicas que atraiam a corte para o centro das atenções.
Ela comandará um tribunal que está sob constante ataque de Bolsonaro e de seus aliados durante o período eleitoral. Por isso, até o fim de novembro, pretende que não sejam julgados em plenário temas que possam fazer o STF virar protagonista no noticiário.
Rosa é a terceira mulher a assumir a
presidência do STF e a primeira magistrada de carreira, originária da Justiça
do Trabalho. As anteriores, Ellen Gracie e Cármen Lúcia, vieram respectivamente
do Ministério Público e da advocacia pública.
Apesar de sua discrição, ela tem
sinalizado, porém, que eventuais ataques à corte ou ao Judiciário serão
respondidos com firmeza. Também tem dado amostras de que não pretende afrouxar
as investigações que envolvem o presidente.
Em decisões divulgadas nesta segunda, Rosa
determinou que a Polícia Federal mantenha
apurações preliminares da CPI da Covid sobre a conduta do presidente. Com
as determinações, ela contrariou os pedidos da PGR (Procuradoria-Geral da
República) para que as investigações sejam arquivadas.
Sua gestão no Supremo, onde a presidência
costuma durar dois anos, será mais curta do que a de seus últimos antecessores.
Isso porque Rosa Weber completa 75 anos em outubro do ano que vem e terá que se
aposentar da carreira de magistrada.
A cerimônia da posse foi adiada uma semana
para não coincidir com os atos de 7 de Setembro deste ano, quando a militância
bolsonarista foi insuflada pelo presidente para atacar o tribunal.
Mesmo com o adiamento, aconteceu sob um
forte esquema de segurança, com diversas áreas do Supremo com acesso restrito.
Para o evento foram chamados os principais
nomes dos Três Poderes, e houve 1.300 pessoas convidadas, das quais 350 puderam
entrar no plenário do Supremo.
A lista incluiu o atual e os ex-presidentes
da República, os chefes do Legislativo, os candidatos ao Palácio do Planalto,
os chefes e os integrantes dos tribunais superiores, além de parlamentares.
Para marcar a impessoalidade da posse, ela
deixou claro que os convidados foram chamados para o evento por meio do
cerimonial.
Porém, além de Bolsonaro, Lula não esteve
presente no evento. Rosa foi indicada ao Supremo em 2011 pela ex-presidente
Dilma Rousseff (PT), que também não compareceu à posse da ministra como
presidente da corte.
Compareceram ao evento os presidentes da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
o ex-presidente José Sarney (MDB), além de ministros do Executivo e das cortes
superiores.
Antes da ministra, discursaram o
procurador-geral da República, Augusto Aras, o presidente da OAB, Beto
Simonetti, e a ministra do Supremo Cármen Lúcia.
Cármen Lúcia fez um discurso com uma série
de indiretas a Bolsonaro.
Afirmou que Rosa "não assume o cargo
em momento histórico de tranquilidade social e de calmaria, mas "bem diferente
disso, os tempos são de desassossego no mundo e não diferente disso no
Brasil".
"Por isso tanto mais é necessária a
pessoa com as extraordinárias qualidades de vossa excelência, de decência, de
prudência e de solidez de posições combinada com especial gentileza de
trato", afirmou Cármen.
"O momento cobra decoro e a República
demanda compostura. Tudo o que vossa excelência tem para servir de exemplo em
tempos de desvalores muitas vezes incompreensíveis", disse.
"Não se promove a democracia com
comportamentos desmoralizantes de pessoas e instituições. A construção dos
espaços de liberdades não se compadece com desregramentos nem com
excessos", acrescentou Cármen.
Aras destacou que "é gratificante
saber que tivemos um 7 de Setembro pacífico e ordeiro, sem violência, é
gratificante saber que estamos trabalhando para que tenhamos um certame
eleitoral em clima de paz e harmonia, sem violência".
Baiano, ele citou, ainda, um trecho do Hino
da Bahia que diz que "nunca mais o despotismo regerá nossas ações" e
que "com tiranos não combinam os brasileiros corações".
Em seu discurso, Simonetti afirmou
"neste ano eleitoral, nossa missão é ombro a ombro com a Justiça
brasileira, defender o sistema de votação que há décadas permite eleições
limpas com a prevalência da soberania popular".
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