Correio Braziliense
Formar uma frente ampla é
muito mais complicado do que articular uma frente de esquerda, a partir de uma
agenda nacional-desenvolvimentista. Significa aceitar a centralidade da agenda
política liberal
Tanto as eleições para governador no Sudeste, principalmente em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas, como as eleições para o Senado, igualmente majoritárias, mostram que a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região foi menor do que se estimava e que a política de alianças do presidente Jair Bolsonaro nesses estados foi mais soft do que se imaginava. Ambos serviram como alavanca para as eleições dos candidatos proporcionais de seus respectivos partidos, mas o PL passou de 76 para 99 deputados, enquanto o PT saltou de 56 para 68 representantes na Câmara, embora Lula tenha tido mais de seis milhões de votos de vantagem em relação a Bolsonaro.
Os resultados eleitorais, principalmente no
Sudeste, mostram que Lula não ampliou suas alianças o quanto era preciso,
apesar da escolha do ex-governador tucano Geraldo Alckmin para vice. Houve
vários episódios em que isso ficou evidente, como na negativa de conversa com o
ex-presidente Michel Temer, que poderia ser o movimento que faltava para evitar
a consolidação da candidatura de Simone Tebet e o MDB apoiá-lo formalmente na
eleição. O fato de o PT e seus aliados falarem repetidamente em frente ampla
não significou que ela tenha existido realmente, o que houve foi uma frente de
esquerda, que se julgava forte o suficiente para levar a eleição de roldão no
primeiro turno.
Para usar parâmetros históricos que possam
ilustrar essa distinção, podemos citar a frente democrática formada pelo PSD, o
PTB e o clandestino PCB, em 1955, para eleger o presidente Juscelino
Kubitschek, que mesmo assim não foi suficiente para obter a maioria absoluta
dos votos válidos, pois recebeu 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora. Ou
seja, a esquerda apoiou o candidato conservador. Frente ampla se formou contra
o general Castelo Branco quando as eleições de 1965 foram suspensas. Carlos
Lacerda (UDN), que havia sido o grande artífice do golpismo udenista;
Juscelino, que apoiou a destituição do governo; e João Goulart (PTB), o
presidente deposto, no exílio, com apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes
(PCB), na clandestinidade, formaram uma frente ampla de oposição. Lacerda e
Juscelino foram cassados, e os militares mudaram as regras do jogo, acabando
com qualquer possibilidade de redemocratização, com a proibição da Frente Ampla
e a adoção do Ato Institucional nº 5.
Formar uma frente ampla é muito mais
complicado do que articular uma frente de esquerda, a partir de uma agenda
nacional-desenvolvimentista. Significa aceitar a centralidade da agenda
política liberal na política, fazer concessões na economia e reduzir a
profundidade das propostas sociais. Lula não manifestou no primeiro turno
nenhuma intenção de fazer essas concessões, sempre avaliou que o esvaziamento
da chamada terceira via, por meio do voto útil, resolveria essa questão em seu
favor. Não foi o que aconteceu.
Triângulo das Bermudas
Houve tentativas de costurar uma aliança
entre o governador Rodrigo Garcia (PSDB) e o presidente Lula nas eleições de
São Paulo, mas essas articulações, para formação de uma frente ampla em São
Paulo, nunca foram levadas a sério, porque a questão teria sido resolvida com a
presença de Alckmin na chapa de Lula. Acreditava-se que o favoritismo do
ex-prefeito paulistano Fernando Haddad seria confirmado nas urnas, mas não foi
o que aconteceu. O candidato de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, um carioca que
caiu de pára-quedas nas eleições paulistas, virou o primeiro turno em ampla
vantagem. Uma parcela dos eleitores de Garcia, derrotado por antecipação, fez a
baldeação para o candidato de Bolsonaro já no primeiro turno; agora, é muito
mais difícil atrair os demais para uma aliança com Haddad, porque Tarcísio
lidera com ampla vantagem na disputa de segundo turno.
No Rio de Janeiro, não foi muito diferente.
Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado André Ceciliano (PT),
candidato ao Senado, foi o fiador do governo de Cláudio Castro, que assumiu a
gestão após a cassação de Wilson Witzel, sem nunca antes ter disputado um cargo
majoritário. Essa aliança foi rompida quando Lula apoiou a candidatura do
deputado federal Marcelo Freixo, seguindo a lógica da frente de esquerda. Se a
aliança fosse mantida, seria possível a neutralidade de Castro, que descolou
sua campanha de Bolsonaro, facilitando a vida de Lula. Mas uma aliança desse
tipo é inimaginável para a esquerda carioca e o PT. Ou seja, a frente ampla não
se viabiliza na prática. Agora, Lula procura Castro, mas é leite derramado.
Em Minas, o governador Romeu Zema (Novo)
assumiu uma posição de neutralidade nas eleições, diante do fato de que Lula
mantinha ampla vantagem no estado. As condições para uma aliança entre os dois
estavam dadas pelo posicionamento da maioria esmagadora dos eleitores, mas Lula
preferiu apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, na expectativa
de que o levaria ao segundo turno e transferiria seus votos, o que aconteceu,
mas não na escala necessária. Zema venceu no primeiro turno e já anunciou que
vai dar uma força para Bolsonaro em Minas.
Com as posições bem definidas nos estados do Sul e Centro-Oeste, a favor de Bolsonaro, e do Norte e Nordeste, com Lula, a disputa da maioria dos eleitores nos estados do Sudeste, o chamado Triângulo das Bermudas, decidirá as eleições. Bolsonaro venceu no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Espírito Santo; Lula em Minas.
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