O Estado de S. Paulo
Ideia é promover mudanças negociadas com governadores, principalmente em relação à reforma tributária
A constatação de que o bolsonarismo se fortaleceu nas eleições fará a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproximar mais de partidos fora do campo de esquerda no segundo turno. A ideia é mostrar que, se vencer a disputa contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), Lula vai recrutar nomes de centro para governar, mesmo que tenha de sacrificar o PT na composição da equipe.
A senadora Simone Tebet (MDB), que ficou em
terceiro lugar na eleição, vai apoiar o ex-presidente e é cotada para ocupar um
ministério em um eventual governo Lula. Outro nome citado é o do empresário
Walfrido dos Mares Guia. Fundador do grupo Pitágoras, Mares Guia foi ministro
do Turismo e das Relações Institucionais sob Lula, vice-governador de Minas
(1995 a 1999) e deputado federal.
O candidato do PT se reuniu nesta segunda-feira, 3, com a coordenação de sua campanha para traçar as estratégias do segundo turno. “Agora a escolha não é ideológica. Agora, vamos conversar com todas as forças políticas que têm voto e representatividade para somar”, disse Lula. “Precisamos conversar com aqueles que parecem que não gostam da gente e do nosso partido.”
Uma ala mais à esquerda do PT avalia que o
comitê de Lula errou ao ficar na “defensiva”, sem fazer o tradicional corpo a
corpo nas ruas, nem mesmo na periferia, e sem partir para o confronto direto
com Bolsonaro. Para correntes mais “radicais” do partido, não adianta o
ex-presidente adotar um estilo “paz e amor” no meio da guerra. Mas o candidato
não vê o quadro assim. “Se for preciso conversar, o Lulinha paz e amor está
pronto”, insistiu ele, na reunião com dirigentes de sua coligação.
Desde que o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles declarou apoio a Lula, no mês passado, o mercado financeiro reagiu com otimismo, interpretando que ele poderia voltar ao comando da economia. O ex-presidente tem dito, porém, que quer na pasta um político com trânsito no Congresso.
Questionado pelo Estadão se havia
conversado novamente com Lula, Meirelles disse que não. “Eu estou só
observando”, afirmou o ex-ministro do governo de Michel Temer. “Pai” do teto de
gastos, medida rejeitada pelo PT, Meirelles também foi presidente do Banco
Central nos dois mandatos de Lula. “Fizemos uma boa gestão econômica naquele
período. Como resultado, o Brasil cresceu 4% ao ano, em média, criamos 11
milhões de empregos no País, o País construiu reservas. Foi um período de muito
sucesso”, escreveu Meirelles nas redes sociais.
CAVALO DE PAU
Se eleito, Lula pretende dar uma “guinada”
na economia, promovendo mudanças negociadas com governadores, principalmente em
relação ao atual sistema tributário, chamado no comitê de “manicômio”, ainda
que haja divergências com a cúpula petista. Em troca do apoio a essa reforma, o
petista planeja oferecer compensações aos Estados, por meio de Parcerias
Público-Privadas (PPPs), nas áreas de infraestrutura e logística.
Lula não divulgou o seu programa de
governo, mas, sim, as diretrizes da plataforma. Depois de muitas idas e vindas,
prometeu revogar o teto de gastos e mudar o arcabouço fiscal, sem dizer como,
além de pôr “o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”.
Nem ele nem Bolsonaro, porém, explicam de
onde vão tirar dinheiro para manter o Auxílio Brasil de R$ 600, em 2023. No
Palácio do Planalto, o presidente afirma que Lula nunca detalhou o plano porque
quer dar um “cavalo de pau” na economia.
“O que vai haver é uma mudança importante
no sentido de recuperar a credibilidade que a gente perdeu e conquistar
estabilidade”, disse o economista Guilherme Mello, da campanha de Lula.
“Queremos construir uma mesa de diálogo com os governadores e demais poderes.
Não é no sentido de ruptura institucional. Quem gosta de ruptura é Bolsonaro”,
emendou.
O novo papel do PT em um possível governo
não está definido, mas o acerto ali é para dar carta branca ao ex-presidente.
Se nos dois mandatos de Lula, e mais ainda no período de Dilma Rousseff, o PT fazia barulho,
pressionava para ter mais espaço do que os aliados na Esplanada e cobrava o fim
do superávit primário, a situação agora é outra.
O diagnóstico é o de que será necessário
montar uma “frente ampla”, que também incluiria nomes da sociedade civil, para
administrar e ter maioria no Congresso. As eleições deste domingo, 2, mostraram
que aliados de Bolsonaro conquistaram votação expressiva na Câmara e no Senado.
Para ter governabilidade, se chegar ao
Planalto, Lula precisará ampliar as alianças e contar com a adesão de
parlamentares do MDB, PSD, PSDB – ainda que o partido tenha virado nanico – e
do União Brasil. À esquerda, o PDT de Ciro Gomes também está nessa
conta e pedaços do Centrão têm sido cortejados.
“O governo mais ao centro é uma
consequência da união das forças políticas. Não há problema nisso. Ao
contrário”, argumentou o senador Jaques Wagner (PT-BA), um dos
coordenadores da campanha petista.
Em 27 de setembro, após receber o apoio de
ex-ministros de Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), Lula deu a senha da estratégia para
atrair antigos adversários. Ao se dirigir a Geraldo Alckmin (PSB),
ex-governador de São Paulo e vice em sua chapa, fez questão de avisar: “Meu
caro, você já foi promovido a general.”
Na disputa mais polarizada do País, a
primeira após enfrentar processos que o mantiveram 580 dias na prisão, entre
2018 e 2019, Lula não teve a seu lado seus dois “generais”. A patente na
campanha do PT foi criada em 2002, quando ele venceu pela primeira vez a
eleição para o Planalto.
Abatido no rastro de escândalos do mensalão
e do petrolão, o ex-todo poderoso ministro José Dirceu, da Casa Civil, atua
hoje nos bastidores; Antônio Palocci, ex-titular da Fazenda
sob Lula e da Casa Civil no primeiro mandato de Dilma, virou inimigo após fazer
delação premiada. Palocci saiu do PT.
Da velha guarda do partido, Lula ainda
conta com Aloizio Mercadante,
que coordenou o programa de governo, Gilberto Carvalho – o conselheiro
apelidado de “grilo falante” –, Luiz Dulci e Paulo OKamotto. Mas perdeu seus
dois “generais” na crise.
Foi nesse cenário de turbulência e
enfraquecimento do PT que um ex-tucano, rival em outras campanhas, se
transformou no símbolo da inflexão que o ex-presidente quer fazer. Na prática,
Lula começou a percorrer o caminho rumo ao centro muito antes da aliança com
Alckmin, quando o senador e empresário José Alencar foi seu vice.
“Desde 2002, Lula sempre quis que o PT
fosse um dos partidos de seu governo, e não o único”, afirmou o ex-deputado
Paulo Delgado, que foi dirigente do partido. “A maior influência que ele teve
foi da frente ampla uruguaia e da espanhola”.
SEM APITO
À época, ficou famosa uma frase de Guido Mantega, então assessor de Lula,
dizendo que os radicais do PT não apitavam nada em matéria econômica. Em junho
de 2002 surgiu a “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual o então candidato prometia
honrar contratos e cumprir acordos, para acalmar o mercado.
Nessa campanha, Alckmin fez o papel da
Carta e, se Lula sair vitorioso, não será um “vice decorativo”. O termo foi
usado em 2015 pelo então vice-presidente Temer, em um texto endereçado a Dilma.
Agora, Alckmin virou um curinga: nos
últimos meses, conversou com militares, pastores e empresários. O périplo teve
o objetivo de quebrar resistências a Lula. O ex-governador também foi apontado
como possível ministro da Economia e até da Defesa, mas jogou água na fervura
de todas essas apostas.
“Se o Alckmin for ministro, o presidente não pode ligar para ele em Lisboa e demiti-lo”, constatou o ex-senador Cristovam Buarque, com uma pitada de ironia. “O vice é indemissível”. Em 2004, Cristovam era ministro da Educação e foi dispensado por Lula, pelo telefone, quando estava em Portugal.
Um comentário:
Uma das tantas cachorradas de Lula! Humilhou Cristovam Buarque ao demiti-lo do ministério da Educação... Cristovam já o perdoou, mas mostrou que não esqueceu o fato! Sempre lembro disto, pois mostra a fraqueza de caráter que assola os supostamente todo poderosos! Lula também deve ter se recordado disto durante alguns dos seus 580 dias de (indevida) prisão!
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