Editoriais / Opiniões
A onda reacionária
O Estado de S. Paulo
O relativo sucesso do bolsonarismo nas urnas nada tem de conservador, é só reacionário. Esquerda e direita republicanas têm o desafio de articular antídotos com mais democracia
A reação ao risco da volta do lulopetismo
ao poder brotou forte das urnas na eleição de domingo passado. Mas não nas
formas sadias do liberalismo e do conservadorismo, e sim na sua deformação: o
reacionarismo. Conservadores e liberais buscam conservar liberdades
fundamentais e valores universais, materializando-os progressivamente com base
na estabilidade das instituições e reformas articuladas e pactuadas na arena
política. O revolucionarismo progressista se opõe a esses princípios. Mas o
reacionarismo também: em nome de um passado idealizado, busca autoritariamente
girar a roda da História para trás, arruinando as instituições democráticas.
A democracia só é funcional quando esquerda e direita, no debate mais livre possível, encontram algum ponto em comum ao negociar políticas públicas, vencendo impasses em nome do atendimento ao conjunto da sociedade. Mas o reacionarismo opera não na dialética entre a disputa e o consenso, e sim na lógica da aniquilação. Para os extremistas à direita, assim como os à esquerda, o campo adversário é visto não como um agrupamento político que busca realizar acordos constitucionais com métodos diferentes, mas como um inimigo a ser abatido. Por isso, o bolsonarismo reacionário tem especial predileção por desqualificados – quem se notabiliza por seu total despreparo para a vida pública, como é o caso dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ricardo Salles, ganha lugar de destaque no palanque bolsonarista.
Desde que Jair Bolsonaro encerrou sua
carreira militar ameaçando explodir bombas em quartéis, sua vida política foi
pautada pela destruição e a ruptura. O saudosismo da ditadura e o revanchismo
em relação à Constituição de 88 são explícitos. Nada há de conservador na
desmoralização sistemática e truculenta da comunidade acadêmica, do sistema
partidário ou da Suprema Corte. Como organizações humanas, estas comportam
defeitos, e devem ser aprimoradas para melhor representar a vontade e a
consciência populares. Mas os populistas só projetam nelas cadeias de opressão
a serem rompidas por meio de mais concentração de poder nas mãos do líder que
supostamente encarna o “povo”.
Como se chegou a essa situação? Como
remediá-la?
O PT praticou o populismo autoritário à sua
maneira: sua obsessão pela hegemonia política e sua pretensão ao monopólio moral
se traduziram na sua aversão às composições, na demonização dos adversários à
direita e na desmoralização de dissidentes à esquerda. A impaciência da
população com o PT se desfraldou em manifestações multitudinárias que foram
capitalizadas pela ferocidade antipetista de Bolsonaro em 2018.
No entanto, se a onda disruptiva não
arrefeceu, mas cresceu, é pelos desmazelos da própria direita. A população
conservadora nunca teve problemas em confiar seu voto a partidos formados na
redemocratização que muitas vezes nem sequer propunham as pautas mais caras à
direita, como o PSDB, desde que se comprometessem a conter a “república
sindicalista” e outras utopias petistas. Mas, à medida que esses partidos
perderam identidade, transigindo com retrocessos petistas e entregando-se ao
tráfico fisiológico ou disputas fratricidas, criou-se um vácuo de poder.
Para muito além dessas eleições, a direita
e a esquerda republicanas têm um imenso desafio. A esquerda terá de fazer
brotar e cultivar novas lideranças no deserto de alternativas deixado pelo
culto lulopetista. A direita precisará não tanto se renovar, mas se inventar. A
ditadura legou seu próprio deserto, e inexistem no Brasil partidos
conservadores liberais (como o centenário Republicano, nos EUA, ou os Tories,
no Reino Unido) ou sociais (como as democracias cristãs que reconstruíram a
Europa no pós-guerra), ou meramente liberais.
Como dizia Nelson Rodrigues, “o
subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. O neorreacionarismo
brasileiro é, no mínimo, obra de décadas. As eleições mostram que chegou para
ficar. A reconstrução da República também não se dará no improviso. Ela exigirá
composições das forças republicanas conservadoras e progressistas. Não se pode
dizer de antemão se serão logradas nem em quais termos. O certo é que só há um
meio para tanto: mais democracia, não menos.
Eleição desmoraliza o golpismo
O Estado de S. Paulo
Funcionamento impecável das urnas desacredita discurso de Bolsonaro, e votação sem incidentes mostra civismo
O sistema eleitoral brasileiro, tão
vilipendiado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus devotos, não apresentou
nenhum problema relevante na votação de domingo. O que pode parecer banal –
afinal, esse sistema funciona perfeitamente há décadas, sem ter sido seriamente
contestado – ganhou importância transcendental: a constatação de que as urnas
eletrônicas são claramente confiáveis, ao contrário da litania bolsonarista,
constitui uma barreira natural para os arroubos liberticidas do presidente.
Bolsonaro terá que encontrar outra desculpa caso seja derrotado no segundo
turno da eleição, no fim deste mês.
É motivo de orgulho para os brasileiros que
o País tenha sido informado dos resultados completos da eleição menos de cinco
horas depois do encerramento da votação. Também é motivo de satisfação
constatar que não houve qualquer incidente violento grave, a despeito das
expectativas sombrias, motivadas, sobretudo, pelo discurso belicoso de
Bolsonaro.
Registre-se, ademais, que o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) sai grandioso das eleições gerais de 2022. Atacado
como nunca antes em seus 90 anos de história, o TSE reafirmou no domingo
passado sua capacidade para realizar uma eleição pacífica, eficiente e
confiável.
Portanto, resta evidente que não há
qualquer fundamento que sustente a mais tênue dúvida sobre a higidez do sistema
eleitoral brasileiro. Sejam quais forem os resultados de segundo turno País
afora, inclusive o mais importante de todos, o que definirá quem governará o
Brasil pelos próximos quatro anos, os brasileiros podem estar absolutamente
seguros de que eles expressarão a fiel vontade da maioria dos eleitores.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de
Moraes, foi taxativo ao afirmar, com razão, que “a era de ataques à Justiça
Eleitoral já é passado”. Por sua vez, a presidente do Supremo Tribunal Federal,
ministra Rosa Weber, manifestou seu desejo de que, “no futuro, possamos olhar
para este 2 de outubro de 2022 e concluir que foi a reafirmação do nosso Estado
Democrático de Direito”.
Não é trivial finalizar uma eleição limpa e
eficiente envolvendo 156 milhões de eleitores espalhados por uma vasta extensão
territorial de forma tão rápida e segura. O Brasil não é referência nessa seara
por acaso.
Mas os louros desse retumbante sucesso não
cabem apenas ao TSE. A sociedade, em sua esmagadora maioria, também deu mostras
de inequívoco civismo. Milhões de cidadãos foram às urnas em paz no domingo e
esperaram durante horas nas filas que se formaram em seções eleitorais em todo
o País e nas representações diplomáticas no exterior para exercer seu direito
ao voto. Não houve casos graves de perturbação do andamento da eleição nem
desrespeito aos mesários ou aos concidadãos que manifestavam preferências
contrárias.
Episódios esparsos de violência, de boca de
urna, de sujeira que emporcalha as ruas e casos de vandalismo contra as urnas,
infelizmente, há em todas as eleições. Com esta não haveria de ser diferente.
Mas nada que tirasse o brilho do desfecho bem-sucedido do pleito – do qual
todos os brasileiros, sem exceção, devem se orgulhar imensamente.
A ferida aberta do Carandiru
O Estado de S. Paulo
Como se não bastasse a Justiça levar 30 anos para encerrar o caso, há quem queira legalizar os abusos do poder público. A impunidade da violência policial sinaliza tolerância à barbárie
No domingo passado, o massacre do Carandiru
completou 30 anos. Trata-se de um dos episódios mais terríveis da história
nacional. Para conter uma rebelião, 111 pessoas sob a custódia do Estado foram
mortas por policiais militares no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo.
O fato, por si só, é de extrema barbaridade, com uma atuação dos órgãos
estatais incompatível com os direitos e garantias fundamentais. No entanto, o
que veio depois – a resposta do Estado perante o massacre – tem sido igualmente
lamentável, explicitando não apenas a dificuldade da Justiça de apurar
responsabilidades e aplicar as penas cabíveis, como a própria conivência de
parte da população com o abuso policial.
O processo judicial do Carandiru tem mais
de 100 mil páginas. A discussão sobre a competência do caso – se os policiais
deviam ser julgados pela Justiça comum ou pela Justiça Militar – levou uma
década. Os policiais foram a júri popular entre 2013 e 2014. Houve condenação,
com penas entre 48 e 624 anos de reclusão. No entanto, após vários recursos, o
caso ainda não transitou em julgado. Ou seja, 30 anos depois do massacre, os
policiais condenados não começaram a cumprir as respectivas penas.
Em agosto deste ano, o ministro Luís
Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou um recurso da
defesa, mantendo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela
condenação dos policiais. Em que pesem todas as complexidades do caso, a
Justiça não cumpre seu papel quando, 30 anos depois do massacre, não há ainda
uma decisão definitiva sobre o processo. É assim que o Estado apura seus erros?
O massacre do Carandiru suscitou pronta
reação da sociedade. Por exemplo, advogados, defensores públicos, promotores e
juízes uniram-se para fundar, no fim de 1992, o que viria a ser a principal
entidade de estudo e discussão no País sobre o sistema de justiça penal, o
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Não era possível assistir
passivamente a uma atuação estatal tão disfuncional que, longe de ser um caso
isolado e excepcional, expunha contradições e violências presentes em todo o
sistema penitenciário. Ao longo do tempo, a mobilização da sociedade civil
nascida em razão do massacre do Carandiru produziu resultados importantes,
apesar de haver ainda muito a melhorar. Em 2015, o STF qualificou a situação
prisional brasileira como um “estado de coisas inconstitucional”, reconhecendo
a “violação massiva de direitos fundamentais” dos presos, em razão de diversas
omissões do poder público.
No entanto, o massacre do Carandiru não
recebeu uma unânime reprovação por parte da população. Não foi apenas o Poder
Judiciário que teve dificuldades de aplicar ao caso as consequências previstas
na lei penal. Houve quem tenha tolerado e, não poucas vezes, aplaudido a
barbárie policial. Em 2019, o presidente Bolsonaro disse que, se “o comandante
do Carandiru (coronel Ubiratan Guimarães) estivesse vivo”, daria a ele o
indulto. Naquele ano, o governo federal tentou ampliar as hipóteses de exclusão
de ilicitude para policiais. O objetivo era deixar impunes ações hoje
consideradas criminosas.
No ano passado, o deputado Capitão Augusto
(PL-SP) apresentou um projeto de lei (PL 2.821/2021) para conceder anistia aos
policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru. Com parecer do
deputado Sargento Fahur (PSD-PR) qualificando os policiais de “heróis” que
“deveriam ser condecorados”, o texto foi aprovado em agosto pela Comissão de
Segurança Pública da Câmara dos Deputados e agora está na Comissão de
Constituição e Justiça.
O PL 2.821/2021 viola a separação dos Poderes e os princípios do Estado Democrático de Direito. No entanto, seu autor foi reeleito deputado federal no domingo passado com 168.740 votos, evento sintomático dos tempos atuais. Como se não bastasse a Justiça demorar 30 anos para terminar um julgamento, há quem queira autorizar por lei os abusos do Estado. O massacre do Carandiru não pode ser esquecido e, muito menos, incentivado.
2º turno tende a reordenar apoios de Lula e
Bolsonaro
Valor Econômico
Na euforia, mercados não levaram em
consideração a perda de controle orçamentário e a baixa propensão à austeridade
do Congresso eleito
Os partidos de direita aliados ao
presidente Jair Bolsonaro avançaram no Congresso e tornarão mais difícil a um
governo com tendência de esquerda, como seria o de Lula se ganhar as eleições,
obter apoio a seus projetos. Uma vitória no segundo turno de Bolsonaro, porém,
abriria um caminho com menos obstáculos para sua tarefa de depredação das
instituições democráticas. Os mercados comemoraram o resultado do primeiro
turno, baseados mais na primeira hipótese - a de que o Congresso será
contrapeso a eventuais medidas radicais que um governo Lula possa tomar. A
segunda hipótese, aparentemente, não foi levada em conta.
Lula precisava de um pouco mais de 1,8
milhão de votos para vencer no primeiro turno. Deverá ir buscá-los agora nos
mesmos endereços que, se for bem-sucedido, poderão ajudá-lo a governar e
conduzir a uma correlação de forças mais favorável no Congresso - no MDB, no
PDT e PSD, de Gilberto Kassab, ex-ministro de Dilma Rousseff. Simone Tebet
(MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram 8,5 milhões de votos no primeiro turno, e
Lula precisará de menos de um quarto desses votos para ganhar a eleição.
Consolidada, a coalizão entre PT e partidos
de esquerda (Psol, PSB, Rede) e o centro (MDB e PSD) lhe daria uma força
parlamentar de 227 deputados. Uma aproximação bem-sucedida aos tucanos, pouco
provável, elevaria seu cacife para 245 parlamentares, ainda menos da metade dos
513 deputados.
A situação de Bolsonaro, se eleito, seria
mais confortável. O núcleo dos partidos de direita que o apoiam (PL, PP e
Republicanos) soma 205 deputados. O PP busca fusão com o União Brasil, que, se
ocorrer, traria mais 59 parlamentares a uma base governista de 264 deputados,
mais da metade da Câmara. Um acerto com o PSD, que dá aval a boa parte dos
projetos de Bolsonaro, e com o Podemos construiria uma frente de 318 deputados,
número perto dos dois terços necessários para aprovar um pedido de impeachment.
O PL, de Valdemar Costa Neto, condenado no
mensalão, ao qual Bolsonaro se filiou, foi o partido que mais cresceu,
tornando-se a maior legenda da Câmara, com 99 deputados. O bloco que apoia
Bolsonaro adquiriu força suficiente para, mesmo com a derrota do presidente no
segundo turno, manter na presidência da Câmara o deputado Arthur Lira (PP).
Esse é um dos grandes problemas que Lula terá de enfrentar para restabelecer o
poder de influência do Executivo sobre o Legislativo, drasticamente reduzido
por Bolsonaro, que terceirizou o comando político para o Centrão.
Isto significa, em primeiro lugar, que Lira
manterá o terreno orçamentário já conquistado e, em segundo lugar, as emendas
do relator (orçamento secreto), a que o parlamentar atribuiu ontem virtudes que
não têm: transparência e licitude. Lira foi direto ao ponto, um dia depois do
primeiro turno. “É o orçamento feito pelos parlamentares ou voltar para a época
do mensalão. São as duas maneiras de se cooptar apoio no Congresso Nacional”.
São dois esquemas que conduzem à corrupção e malversação de recursos, mas Lira
tem predileção pelo primeiro, porque tem controle sobre ele, entre outras
coisas.
É essa mistura de perda de controle
orçamentário e de baixa propensão à austeridade do Congresso eleito que não
parece ter sido considerada na euforia dos mercados ontem, quando a Bolsa subiu
5,5% e o dólar recuou mais de 4%. O mesmo anteparo que impediria medidas
radicais de Lula pode ser o que também abortaria tentativas sérias de
austeridade fiscal e de equilíbrio orçamentário - uma amostra é o orçamento de
2023.
Ainda que revigorado, Bolsonaro tem dura
batalha pela frente: 6 milhões de votos de dianteira de Lula, a melhor votação
do PT em primeiro turno. Bolsonaro quer contar com o apoio de Romeu Zema, reeleito
como governador de Minas Gerais, e Cláudio Castro, governador do Rio, que nada
teriam a perder com apoio explícito ao presidente no segundo turno. Isto
poderia reverter a vantagem de Lula em Minas, segundo maior colégio eleitoral
(de 48,2% a 43,6%) e ampliar a dianteira de Bolsonaro no terceiro maior colégio
(onde venceu por 51% a 40,6%).
A surpresa do primeiro turno no quinto maior colégio eleitoral, Rio Grande do Sul, lhe dará palanque no Estado em que seu ex-ministro Onyx Lorenzoni é agora o favorito. A batalha principal será travada em São Paulo, onde Tarcísio de Freitas ultrapassou Fernando Haddad, garantindo um apoio vital no Estado com o maior número de eleitores no país.
Congresso menos fragmentado representa
avanço
O Globo
Partidos maiores e mais fortes facilitam
governabilidade. Desafio será lidar com orçamento secreto
Independentemente de quem seja eleito
presidente no fim do mês, o Congresso Nacional começará a adquirir um novo
rosto na próxima legislatura. A composição do Parlamento que emerge das urnas
traduz, ainda que timidamente, a força crescente de partidos maiores, com maior
coerência programática, em detrimento das siglas menores, uma das principais
anomalias da nossa democracia. Ao todo, 19 partidos ou federações atingiram o
patamar mínimo para ter direito a bancada na Câmara — em 2018 haviam sido 30. O
resultado deixa claro que a proibição de coligações nas eleições proporcionais
e a cláusula de barreira felizmente começam a reduzir a fragmentação
partidária.
Um Congresso com partidos maiores e mais fortes melhora as chances de governabilidade, já que o Executivo encontra menor dificuldade para construir maioria. A divisão entre as agremiações passa a ser pautada mais por crenças e ideologia que por conveniência e interesses. Na teoria, isso aumenta a probabilidade de aprovação de projetos com maior consistência programática, caso das reformas necessárias para destravar as amarras que têm atrasado o crescimento econômico e o desenvolvimento no Brasil.
Dentre as principais bancadas eleitas,
destacam-se as que representam os polos em torno dos principais candidatos à
Presidência. O PL, do presidente Jair Bolsonaro, elegeu 99 deputados federais,
de longe a maior bancada. O feito é comparável ao do PSDB e do extinto PFL em
1998, quando os tucanos conquistaram 105 cadeiras, e os pefelistas 99. Na outra
ponta, ganhou força a federação de partidos liderada pelo PT, do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Ela somou mais 11 deputados, chegando a 79 e formando
a segunda maior bancada da Casa. O União Brasil ganhou oito deputados,
totalizando 59, a terceira bancada. O PP perdeu 11, mas ainda mantém 47. O MDB
cresceu para 42 deputados (hoje tem 37), bancada equivalente à de PSD e
Republicanos. Ainda no campo da esquerda, a federação PSOL/Rede, impulsionada
por mais de 1 milhão de votos dados a Guilherme Boulos em São Paulo, ganhou
quatro cadeiras, somando 14. Quem mais perdeu na esquerda foi o PSB, que agora
também tem 14 deputados, ante 24 na legislatura anterior.
Na nova configuração do Congresso, tanto
Lula como Bolsonaro têm espaço para formar maioria, embora a dificuldade seja
maior para o ex-presidente. A eleição de mais de 300 deputados identificados
com centro, centro-direita e extrema direita num universo de 513 e a conquista
de terreno também no Senado criam uma dificuldade intrínseca para os planos de
Lula, caso ele derrote Bolsonaro no próximo dia 30.
A principal dificuldade trazida pelo
Congresso eleito, porém, não é nova: o mecanismo das emendas do relator, ou
orçamento secreto. Criado com o apoio da frente bolsonarista, ele vem sendo
usado para comprar votos distribuindo verbas para congressistas gastarem em suas
bases de apoio, sem planejamento nem transparência. Bolsonaro, se reeleito,
pouco fará para eliminar o instrumento que ajudou a criar. Lula prometeu, caso
eleito, acabar com a excrescência em negociação com os congressistas. As
conquistas do Centrão nas urnas trazem motivo para ceticismo. O destino do
orçamento secreto depende ainda de uma decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF). Será essa a pauta que definirá a relação entre Executivo e Legislativo
no início do próximo governo.
Ocaso do PSDB reflete esvaziamento do
centro político pela polarização
O Globo
Partido que governou país encolhe no
Congresso, perde reduto paulista e se torna uma legenda periférica
O PSDB governou o Brasil duas vezes com
Fernando Henrique Cardoso. Legou ao país conquistas fundamentais, como a
estabilidade da moeda, os programas sociais a que os governos petistas deram
continuidade, privatizações em telecomunicações, siderurgia e outros setores,
além de avanços na educação e na saúde. Pelo resultado das urnas no domingo, o
antagonista do PT em sete eleições presidenciais se tornou uma sombra do que já
foi. O PSDB saiu da eleição como uma legenda periférica na política brasileira,
com representatividade declinante no Executivo e no Legislativo.
Não há maior evidência que a melancólica
derrota do governador paulista Rodrigo Garcia, candidato à reeleição, para o
ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o ex-prefeito Fernando Haddad
(PT), que disputarão o segundo turno em 30 de outubro. No estado apelidado
“Tucanistão”, governado pelo PSDB há 28 anos e reservatório confiável de votos
para o partido, Garcia cedeu o espólio ao avanço do bolsonarismo. Foi um dos
dois únicos governadores que não se reelegeram nem passaram ao segundo turno —
o outro foi Carlos Moisés (Republicanos), de Santa Catarina.
No plano nacional, a legenda que elegeu
oito governadores em 2010 não conquistou nenhum governo no primeiro turno. No
segundo, tucanos disputarão quatro estados: Rio Grande do Sul, Pernambuco,
Paraíba e Mato Grosso do Sul. Mesmo assim, a trajetória foi acidentada. No RS,
Leite, expoente do partido até outro dia cotado para disputar a Presidência,
passou ao segundo turno por míseros 2.441 votos a mais que o petista Edegar
Pretto. Enfrentará o ex-ministro de Bolsonaro Onyx Lorenzoni, que entra com
larga vantagem na disputa.
Na Câmara, o PSDB terá a menor
representação de sua história. Elegeu apenas 13 deputados federais (hoje tem
22). Para o Senado, o partido não elegeu ninguém. Ficará apenas com quatro dos
atuais seis senadores, os que ainda têm mandato. O senador José Serra, tucano
histórico que já disputou por duas vezes a Presidência, não conseguiu sequer se
eleger deputado federal.
A crise do PSDB se agravou com a
desistência do ex-governador paulista João Doria de sua pré-candidatura à
Presidência, depois de sair vitorioso nas prévias partidárias. Nos últimos
anos, Doria desentendeu-se com o padrinho Geraldo Alckmin (que deixou o PSDB
para ser vice de Lula), com Leite, com Garcia e com outros caciques do partido.
Diante da confusão tucana, o eleitorado conservador disputado entre Garcia e
Tarcísio preferiu migrar para o bolsonarismo.
O ocaso do PSDB é reflexo do esvaziamento
do centro político nas urnas, esmagado pela polarização do eleitorado entre
Lula e Bolsonaro. Ainda que a legenda possa sair vitoriosa em disputas de
segundo turno no fim do mês, é difícil acreditar que seja capaz de recuperar a
relevância que já teve na política brasileira.
Pouso tucano
Folha de S. Paulo
Após 28 anos de mais acertos do que erros,
PSDB dará adeus ao governo paulista
Fora do segundo turno da corrida paulista,
com apenas 18% dos votos válidos, Rodrigo Garcia (PSDB) personifica o ponto
final de uma das dinastias partidárias mais longevas da política nacional.
A jornada da sigla à frente do mais rico e
populoso estado brasileiro terminará em 31 de dezembro, 28 anos após Mario
Covas assumir o Palácio dos Bandeirantes.
Passaram por lá ainda Geraldo Alckmin, hoje
no PSB e vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o senador José Serra,
que não conseguiu uma vaga na Câmara dos Deputados nesta eleição, e o
ex-prefeito paulistano João Doria.
Neófito no meio tucano, Rodrigo deixou o
DEM em 2021, após 27 anos. Em abril deste ano, assumiu o governo no lugar de
Doria, que renunciou numa tentativa frustrada de viabilizar sua candidatura à
Presidência da República.
Pouco conhecido do eleitorado, o governador
tentou durante toda a campanha se descolar do antecessor, mal avaliado. Mas a
polarização entre Lula e Jair Bolsonaro (PL), que se replicou em São Paulo, foi
decisiva: Rodrigo ficou atrás
de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de Fernando Haddad (PT).
Em que pese a ausência da salutar
alternância de poder, as quase três décadas de governo tucano deixaram marcas
duradouras em São Paulo. Não são poucos os feitos do partido no estado, ainda
que haja lacunas importantes.
Na segurança pública, houve drástica
redução, na casa dos 80%, da taxa de homicídios, que se tornou a menor do país.
Mais recentemente, a promissora adoção de câmeras corporais aplacou a
letalidade policial e a própria mortalidade de agentes de segurança.
Foi na administração tucana, contudo, que o
PCC prosperou e hoje controla de presídios ao tráfico de drogas e armas,
inclusive com conexões internacionais. Cidades padecem com os crimes
patrimoniais, como o roubo de celulares.
Ainda que alguns valores de pedágios
suscitem críticas legítimas, a concessão de rodovias mostrou-se acertada —o
estado tem as melhores estradas do país. O Rodoanel, porém, segue inconcluso e
legou escândalos de corrupção.
As gestões também devem ser cobradas por
avanços tímidos nas malhas ferroviária e metroviária; por desempenhos aquém do
potencial paulista na educação básica e no saneamento.
O futuro governador herdará um estado com
as finanças em ordem e boa capacidade de investimento. Decerto se aproveitará
de reconhecidas vitrines tucanas, como o Bom Prato e o Poupatempo.
Que Haddad e Tarcísio aproveitem o que resta de campanha para discutir com responsabilidade as demandas paulistas —e que o eleito, seja qual for, dê continuidade ao que já está estabelecido.
Economia eleitoral
Folha de S. Paulo
Debate do 2º turno deveria reconhecer
avanços recentes e dificuldades imediatas
O segundo turno da eleição presidencial
torna inescapável um debate mais aprofundado acerca da conjuntura
econômica, negligenciado
até aqui pelas candidaturas. Trata-se de compreender o momento
favorável atual e as perspectivas para o futuro próximo.
Nesta segunda (3), o Banco Central divulgou
novas projeções mais otimistas por parte do mercado para os principais
indicadores deste 2022. A estimativa central para a inflação, que já beirou os
9%, agora caiu a 5,74%; para o Produto Interno Bruto, espera-se alta de 2,7%,
um alento ante os temores de variação zero no início do ano.
Pode-se atribuir grande parte da queda do
IPCA à intervenção eleitoreira do governo Jair Bolsonaro (PL) na tributação dos
combustíveis. Entretanto é fato também que o desemprego vem recuando de forma
consistente e chegou a
8,9%, a menor taxa desde 2015.
Não se trata, pois, de um cenário de terra
arrasada, como quer fazer crer o discurso de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
da esquerda —que insiste em negar os benefícios das reformas previdenciária e
trabalhista, da autonomia do Banco Central e das privatizações.
Tampouco estamos diante do panorama róseo
da propaganda governista. O vencedor das eleições presidenciais não terá
facilidades.
No exterior, inflação e juros em alta,
guerra e disputas geopolíticas prenunciam um ambiente restritivo, que demanda
prudência na condução da política econômica. Entre as muitas urgências, há que
esclarecer sem demora como retomar o controle das contas públicas e encaminhar
projetos essenciais.
A pauta mais imediata será a de
compatibilizar a pressão por mais dispêndios em 2023 —Auxílio Brasil de R$ 600,
reajustes salariais para o funcionalismo, investimentos em infraestrutura— com
a formulação de um novo regime de controle orçamentário, para substituir ou
aperfeiçoar o teto de gastos inscrito na Constituição.
A boa surpresa com a retomada da atividade
econômica não é garantia de continuidade. Os juros altos e os riscos externos
indicam alguma perda de fôlego mais adiante, que precisa ser enfrentada com
mais reformas.
A agenda inclui mais liberdade no Orçamento, redesenho administrativo e tributário, foco nos mais pobres, abertura da economia e cuidado ambiental. Se Lula tem muito a esclarecer sobre seus planos, Bolsonaro deixou a desejar nesses aspectos fundamentais.
Um comentário:
O Estadão também acerta!
Reacionarismo é uma boa explicação para a situação atual pós-eleição. DESQUALIFICADOS como Pazuello, Ricardo Salles, Damares, astronauta brasileiro Marcos Pontes e outros canalhas eleitos com expressivas ou boas votações mostram também a "qualidade" (ou o baixo nível) dos seus eleitores!
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