O Globo
A grande questão desta campanha foi o respeito
à Constituição. Bolsonaro a afrontou insistentemente durante todo o mandato
Havia cinco opções na tela do debate da
Globo, e Jair Bolsonaro escolheu “Respeito à Constituição” para
tentar fustigar seu adversário naquela arena. Esse foi de fato o grande tema da
campanha, o que levou apoios inesperados a Lula, o que tornou a disputa mais
tensa e aumentou o nível de estresse institucional. O inesperado era justamente
Bolsonaro levantar essa questão que é, evidentemente, o seu ponto fraco. Na
sexta-feira, Bolsonaro adicionava mais um fiasco à sua coleção de fracassos,
quando o seu ministro das Comunicações, Fábio Faria,
disse que se arrependia de ter participado do caso das
inserções no rádio.
O caso poderia ter sido um problema menor se não fosse o propósito pelo qual ele foi levantado. A candidatura de Bolsonaro tratou como um grande escândalo um suposto erro de algumas emissoras do Nordeste na veiculação da propaganda. Mas o que se queria mesmo era transformar isso num pretexto para propor o adiamento das eleições. Um detalhe surreal da história foi estar na lista das suspeitas a rádio do próprio ministro Fábio Faria. Bolsonaro chegou a convocar os ministros e aliados na quarta-feira para defender esse adiamento, mas não obteve apoio nem interno. Seu filho Eduardo Bolsonaro foi uma das poucas vozes a defender esse ataque direto à Constituição.
A conspiração fracassada desrespeita o
artigo 77 da Constituição que declara que no último domingo de outubro
realiza-se a eleição de segundo turno. Por isso, porque está escrito na Carta
que consagrou nosso pacto político depois da terrível noite do arbítrio, 156
milhões de pessoas têm o direito de hoje ir às urnas e definir quem será o
presidente da República pelos próximos quatro anos.
Não foi fácil chegar até aqui. O Brasil
está cindido e ferido. Esse segundo turno foi dominado por temas que nos
levavam para longe das questões que angustiam o país, que voltou a ser
assombrado pela fome e tem visto retrocesso em tantas áreas. Mas o respeito à
Constituição, tema levado ao debate por um dos atos falhos de Bolsonaro, sempre
teve que ser defendido ao longo de quatro anos e nesta reta final da campanha.
O Estado laico, o respeito ao sistema
eleitoral, o afastamento das Forças Armadas da política, a não utilização da
máquina pública em favor de um dos candidatos, o equilíbrio e harmonia entre os
poderes, o respeito às minorias, o direito à saúde, o cumprimento das ordens
judiciais, a integridade do STF, tudo esteve sob ataque. Durante os quatro
anos, Bolsonaro atacou esses e vários outros princípios constitucionais. Então,
ele esteve certo pelo menos em um momento, ao escolher, no debate da Globo, o
tema “Respeito à Constituição” para ser a questão que não podia faltar naquele
encontro final com Lula.
Muita gente teve que deixar de lado velhas
mágoas, para anunciar que vota em Lula pela defesa da Constituição. Notável,
por exemplo, o movimento que fizeram os pais do Real. Não condicionaram seu
apoio público a coisa alguma na economia, alguns deles chegaram a ser
processados pelo PT, mas disseram que eram movidos por algo maior, a democracia.
Luciana Temer teve que superar mágoa
recente. Lula ganhou o debate, mas teve maus momentos também. Num deles, elevou
a voz para gritar que Michel Temer era golpista. Desnecessário neste momento em
que em torno de Lula se formou uma grande frente. Luciana foi ontem às redes
para explicar de novo seu voto em Lula, depois de dizer que ama e respeita o
pai. Definiu Bolsonaro como “um governante que desrespeita às instituições, que
é favorável ao armamento das pessoas, que tem falas e atitudes racistas, machistas
e homofóbicas”. Disse que não é esse o modelo de país que quer para seus filhos
e netos.
No fim deste mandato o que fica de central
é isso. Todas as afrontas de Bolsonaro foram ao modelo de país que o Brasil
escolheu ser em 1988, quando Ulysses Guimarães levantou a Carta com ódio e nojo
à ditadura. Ditadura que Bolsonaro elogiou durante todo o seu governo.
Minha neta Mariana, 16, — já eleitora — e
meu neto, Daniel,12, reclamaram que Lula falou pouco de futuro na campanha.
Tenho a dizer a eles e às mais novas, Manuela e Isabel, que o país teve que
recuar para defender o acordo civilizatório feito há 34 anos. Que chegamos aqui
com cicatrizes, mas também com sonhos para o Brasil no qual eles viverão o
futuro.
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