Uma eleição crucial
Folha de S.
Paulo
São
candidatos muito diferentes; Folha reafirma jornalismo crítico e apartidário
Os quase quatro
anos de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência colocaram em xeque as instituições
do país, no maior teste de estresse pelo qual passou a democracia brasileira.
Colocaram sob escrutínio também o jornalismo apartidário, pedra basilar deste
jornal.
Conforme o país
se prepara para fazer sua escolha, a Folha se mantém
convencida de que o apartidarismo é a melhor forma de fazer jornalismo crítico,
isento e independente, o de maior utilidade pública.
Neste domingo
(30) o eleitor brasileiro tem duas opções bastante distintas a sua frente.
Se a escolha for
por Bolsonaro, o voto recairá no político que deixou de lado as
responsabilidades de governo para se dedicar a seu projeto tirânico de eliminar limites ao poder
presidencial.
O que está em jogo não são apenas os próximos quatro anos. São as quase quatro décadas de exercício pleno da democracia no Brasil, exemplar em qualquer lugar do mundo. É essa conquista fundamental da sociedade que está sob a ameaça do projeto cesarista de Bolsonaro.
Atacou o
Judiciário e, principalmente, o Supremo Tribunal Federal sempre que pôde.
Colocou a Procuradoria-Geral da República a seus pés. Tentou desacreditar o
seguro sistema eleitoral e suas urnas eletrônicas, de renome mundial.
Nomeou militares
em número recorde para postos no governo. A maioria dolorosamente incompetente,
caso do general à frente da Saúde durante a pandemia. Desacreditou e retardou a
vacina na maior crise sanitária a atingir o mundo em gerações.
Alvejou com sua
pauta de costumes obscurantista o consenso iluminista, no esforço tresloucado
de converter civilidade em barbárie. Fez apologia da tortura. Armou a população
por decreto e afrontou o Estado de Direito, as mulheres, a laicidade, as
minorias e a imprensa independente.
Estimulou o
desmatamento da Amazônia e desprezou a pauta ambiental e climática,
transformando o país em pária internacional.
Se a maioria
preferir Luiz Inácio Lula da Silva, o eleito será um político que na sua
passagem pelo Planalto deixou realizações e também manchas, em particular nos
casos escabrosos de corrupção descobertos em seus governos. Ao longo de sua
trajetória, deu seguidas mostras de respeito ao jogo democrático.
Nesta campanha,
o petista não deixou claros seus planos no campo vital da economia.
Não indicou se pretende reeditar a gestão responsável que marcou seu primeiro
mandato ou o estatismo perdulário que culminou no desastre social de Dilma
Rousseff.
Seja qual for a
escolha do eleitorado, a Folha se compromete a fazer uma
cobertura crítica ao próximo governo. E a zelar pela democracia.
Mais trabalho
Folha de S. Paulo
Desemprego cai, mas próxima gestão terá de
fazer ajuste para avanço sustentado
Com alguma perda de ritmo recente,
permanece por ora a tendência de retomada da economia brasileira impulsionada
pelo mercado de trabalho, com geração de emprego e crescimento da renda.
Segundo o IBGE, a taxa de
desemprego recuou para 8,7% no 3º trimestre, o menor patamar desde
junho de 2015. Apesar do pequeno recuo da população ocupada no mês (0,4% ante
os três meses encerrados em agosto, descontando os efeitos sazonais), a demanda
por mão de obra permanece sólida.
A geração de postos formais atingiu 1,8
milhão em 2022. A despeito do nível elevado da informalidade, a parcela de
criação de empregos com carteira assinada tem sido relevante neste ano (50% do
total).
O destaque fica com a geração de renda, que
cresceu 12,9% em termos nominais em 12 meses. A massa salarial —o número de
pessoas ocupadas multiplicado pela renda habitual, já descontada a inflação—
cresceu 9,9% no período.
É um bom pano de fundo para a demanda por
bens e serviços, base para a expansão do PIB, que deve se aproximar de 3% neste
ano. Não por acaso, o Datafolha detectou o maior otimismo com a economia desde
2015, quando tal percepção passou a ser investigada.
Mesmo assim, o prognóstico para 2023 é de
desaceleração, já evidente com a perda de ritmo no comércio e a estagnação na
produção industrial. Uma razão é a política monetária apertada, que cobrará
preço crescente adiante.
Com inflação em queda, mas acima da meta
até pelo menos o início de 2024, e com elevados riscos externos e domésticos, o
Banco Central deve manter seus juros em 13,75% anuais por muitos meses.
O principal ponto de preocupação para o BC
é a incerteza sobre a gestão das contas públicas, que dependerá das decisões do
presidente a ser eleito neste domingo (30). A necessidade de retomada da
austeridade fiscal, aliás, voltou a ser objeto de alerta do FMI no contexto de
juros em alta no exterior.
Nesse sentido, o legado de Jair Bolsonaro
(PL) é infausto, a começar por uma proposta orçamentária fantasiosa que não
incorpora os gastos já contratados ou prometidos para o ano que vem —como o
Auxílio Brasil em R$ 600 e a retomada do pagamento de dívidas judiciais. Lidar
com esse tema durante o período de transição será um primeiro desafio.
O assunto crítico para a próxima gestão
será a criação de uma regra factível para substituir o atual e desacreditado
teto de gastos, o que deve consumir os primeiros meses de governo no ano que
vem.
Para manter a tendência de crescimento da economia, com geração de emprego e renda, será fundamental sinalizar responsabilidade no trato com o Orçamento.
Lei perversa
Folha de S. Paulo
Alta do número de mulheres presas é mais um
motivo para rever política de drogas
Nos últimos 20 anos, a população prisional
feminina no mundo aumentou 60%, somando 740 mil mulheres; no Brasil, são 42 mil
presas.
Não apenas nossa cifra quadruplicou nesse
período, como chegamos ao vergonhoso
terceiro lugar no ranking mundial —ultrapassando a Rússia (com
37 mil) e atrás apenas dos EUA (211 mil) e da China (145 mil). Os dados são do
World Female Imprisonment List, um levantamento feito pela Universidade de
Londres.
Em 2000, de cada 100 mil mulheres no país,
6 estavam presas; hoje, são 20. Um dos principais fatores para essa explosão é
a Lei de Drogas,
instituída em 2006. Segundo o Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias de 2018, 3 de cada 5 mulheres presas respondem por crimes de drogas.
A lei foi saudada como avanço por não
permitir a prisão do usuário, mas não estabeleceu critérios objetivos de
separação entre quem apenas consome e quem trafica.
Essa diferenciação, então, se dá a partir
de critérios arbitrários da polícia, que faz o flagrante, e do Judiciário, que
impõe as penas. O efeito nefasto foi o aumento do número de prisões,
principalmente nas camadas mais frágeis da população, como pobres, negros e
mulheres.
Outro fator é o abuso de prisões sem
julgamento. No Brasil, 45% das mulheres na cadeia estão nessa categoria, o que
mostra a preferência pelo custoso encarceramento em massa, em vez de
alternativas à pena de privação de liberdade.
Segundo dados de 2018, a maioria das presas
no país são mães (74%) e possuem dois ou mais filhos (56%). Além disso, segundo
o levantamento britânico, mulheres presas geralmente vêm de contextos de
violência doméstica.
O elevado encarceramento feminino,
principalmente em países pobres como o Brasil, gera um ciclo vicioso de
criminalidade, já que a família perde uma fonte de renda (o pai muitas vezes é
ausente ou agressivo), e filhos sem suporte material e emocional tendem a
abandonar os estudos.
A Lei de Drogas não remete apenas à questão
de interferência do Estado na liberdade individual. Acima de tudo, revela um
grave problema social que merece atenção.
Mas nossos parlamentares, dado o preconceito sobre o tema e interesses eleitoreiros, recusam-se a rever os efeitos perversos da legislação. Enquanto isso, o número de mulheres pobres encarceradas aumenta. Urge implantar políticas públicas mais inteligentes.
Vencedor terá de reunificar país dividido
O Globo
Pela primeira vez, Bolsonaro se comprometeu
a respeitar resultado das urnas sem impor condições
Foram tantas as vezes em que o presidente
Jair Bolsonaro flertou com o golpismo que a nona eleição presidencial desde a
redemocratização tornou-se também a primeira em que se faz necessário exigir
respeito ao resultado. Depois de impor inúmeras vezes a condição de serem
“eleições limpas” para aceitá-lo —brecha aberta para contestação—, Bolsonaro
deu enfim ontem de madrugada a primeira declaração sensata sobre o tema. “Não
há a menor dúvida. Quem tiver mais voto leva. É isso que é democracia”, afirmou
ao final do debate em que enfrentou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
na TV Globo.
Se perder, tem de cumprir o que disse.
Tentativas de levar a disputa aos tribunais precisam ser repelidas com vigor e
presteza, qualquer que seja o pretexto para justificá-las. Mas, ainda que
Bolsonaro vença ou nada faça, o país sairá dividido da campanha mais polarizada
(e suja) de sua História. Mesmo que em tom mais civilizado, o debate comprovou
que a desinformação ocupou o lugar da discussão serena de propostas e ideias.
Persiste a desconfiança, uma competição para ver quem chama mais o outro de
mentiroso.
Seria ilusão acreditar que não haverá
sequelas. Mesmo assim, é preciso confiar na força da democracia para se
reparar. O vencedor da eleição precisará descer logo do palanque para compor um
governo com palavras e atos que apaziguem o país. Quem quer que seja eleito
enfrentará um início de governo desafiador. Há sinais de desaceleração na
economia, os juros estão altos para conter a inflação ainda renitente, e a
devastação do Orçamento sob Bolsonaro, mascarada pela arrecadação, deixou ao
eleito a obrigação de resgatar a credibilidade fiscal. A conta da esbórnia
eleitoreira será cobrada em 2023.
Sobre esse tema essencial, a campanha pouco
esclareceu. Em seu programa de governo, Lula não foi além de obviedades como
combate à fome e à pobreza. Apenas na última quinta-feira lançou sua “Carta
para o Brasil do amanhã” defendendo uma combinação de responsabilidade fiscal,
responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. O compromisso é tardio,
e faltou explicar como alcançar as metas.
Lula tentou afastar o fantasma de delírios
na economia chamando Geraldo Alckmin para vice e reunindo uma ampla aliança no
segundo turno, abarcando ex-rivais como Marina Silva e Simone Tebet, liberais
como Arminio Fraga, Henrique Meirelles e os formuladores do Plano Real,
juristas como Joaquim Barbosa (algoz do PT no mensalão) e Miguel Reale Jr.
(autor do impeachment de Dilma Rousseff), para não falar no ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso. Mas são apenas indícios.
Também faltam informações sobre a economia
num eventual governo Bolsonaro II. A gastança eleitoreira dos últimos meses e a
profusão de promessas na campanha — do reajuste do salário mínimo para R$ 1.400
ao perdão de dívidas —demonstram que o presidente aprendeu rápido a arte do
populismo com dinheiro público.
No campo político, as eleições para a
Câmara e o Senado deram aparente vantagem a um segundo governo Bolsonaro. Mas
quem quer que vença terá de negociar com outras forças políticas para governar.
Isso é bom. O maior desafio ao final de uma campanha eleitoral violenta é abrir
caminho ao diálogo. Só ele poderá propiciar um governo competente na gestão,
zeloso de seus espaços institucionais e capaz de reunificar um país rachado ao
meio.
Risco de catástrofes climáticas crescerá
sem ações rápidas para conter emissões
O Globo
Apenas 26 dos 193 signatários do Acordo de
Paris atualizaram suas metas antes da COP27, revela ONU
Faltando uma semana para a Conferência da
ONU sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito, o mundo parece caminhar para
um ponto sem retorno, rumo a uma catástrofe sem precedentes. Os países que
assinaram o Acordo de Paris sobre o Clima, em 2015, não têm cumprido o
pactuado. Um relatório das Nações Unidas divulgado nesta semana revela que
apenas 26 dos 193 signatários atualizaram suas metas de redução da emissão de
gás carbônico. Na COP26, em Glasgow, no ano passado, países se comprometeram a
revisá-las anualmente. Mais de 85% não cumpriram o combinado, entre eles os
maiores poluidores do planeta, China e Estados Unidos.
O Brasil apresentou meta atualizada,
reafirmando o compromisso de reduzir as emissões pela metade até o fim da
década. Lamentavelmente, manteve a “pedalada” que na prática permite emitir
mais gás carbônico do que prometera em Paris. A política antiambiental do
governo de Jair Bolsonaro, com aumento de desmatamento e queimadas na Amazônia,
não dá esperança de que as metas sejam cumpridas.
De acordo com o secretário executivo da ONU
para mudanças climáticas, Simon Stiell, o mundo não está nem perto da redução
necessária nas emissões para limitar o aumento a 1,5 oC. Os compromissos
conjuntos assumidos até agora poderão levar a um aquecimento de 2,5 oC até o
fim do século. Isso significa que os efeitos das mudanças climáticas,
traduzidos em inundações devastadoras, incêndios florestais, ondas de calor
extremo, tendem a se tornar mais frequentes e intensos.
Apesar das metas ambiciosas, os países
cortaram apenas 1% das emissões de gases projetadas até 2030. Sem reduções
drásticas, a tendência é que até 2100 a temperatura do planeta aumente em média
entre 2,1 oC e 2,9 oC em comparação ao período pré-industrial. Ultrapassar a
meta de 1,5 oC aumenta a probabilidade de eventos catastróficos. Um estudo da
Organização Meteorológica Mundial constatou que as emissões de metano — 80
vezes mais nocivo para atmosfera que o gás carbônico — estão subindo mais do
que nunca.
Cientistas têm dito que uma ação coletiva
para reduzir as emissões nunca foi tão urgente. O mundo se aproxima rapidamente
de mudanças irreversíveis. As emissões precisariam cair à metade até 2030 para
que a meta de 1,5 oC fosse atingida, cenário cada vez mais improvável. O
secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou nesta semana que a janela
para ações climáticas urgentes está se fechando rapidamente e que o mundo
caminha para uma catástrofe global. “Precisamos agir em todas as frentes, e
precisamos fazer isso agora”, disse. É um alerta que precisa ser ouvido.
Um voto pela pacificação do Brasil
O Estado de S. Paulo
Há um país repleto de problemas a ser governado a partir de janeiro. O vencedor hoje deve trabalhar pelos próximos quatro anos em prol do Brasil, não de facções político-ideológicas
Os brasileiros voltam às urnas hoje para
decidir que país desejam construir nos próximos quatro anos. Este jornal
considera que nenhum projeto político, por mais bem-intencionado que seja,
conseguirá recolocar o País no rumo do desenvolvimento se não estiver
sustentado por uma ampla concertação nacional. Por essa razão, recomendamos que
o eleitor pondere, na hora de escolher em quem vai votar, qual dos dois
candidatos, o petista Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, é o mais
qualificado para pacificar o Brasil.
Não são triviais os problemas que aguardam
a ação diligente e republicana do próximo mandatário, razão pela qual o
vencedor terá de ter habilidade e espírito público para liderar a superação do
abismo político que afetou até mesmo relações familiares e de amizade e
convidar a sociedade brasileira a restaurar o verdadeiro sentido do interesse
nacional.
Nas democracias mais avançadas, forças
políticas com distintas orientações ideológicas e programáticas se alternam no
poder sem que isso provoque grandes traumas na sociedade. Uma eleição não abala
o estado de espírito da nação, como se fosse a batalha final de uma guerra em
que os derrotados devem ser eliminados da vida pública.
Isso acontece porque, naquelas democracias,
prevalece entre os cidadãos e seus representantes políticos o reconhecimento de
que há um interesse nacional que paira muito acima da miríade de interesses
setoriais que podem estar em disputa a cada ciclo eleitoral. E há,
principalmente, a confiança da maioria da sociedade de que o chefe de governo
eleito, seja qual for a sua coloração partidária, não se desviará do bem comum,
vale dizer, não governará apenas para o grupo que o elegeu, mas sim para todos
os cidadãos.
O Brasil que volta às urnas hoje para
escolher o próximo presidente da República, lamentavelmente, ainda não se
encontra em tal patamar de amadurecimento social e democrático. Mas pode dar um
passo significativo nessa direção.
Lula e Bolsonaro, indubitavelmente, são os
dois líderes políticos mais populares da Nova República. Entretanto, ambos
foram incapazes de usar sua enorme popularidade para inspirar em seus
governados, como faria um verdadeiro estadista, o reconhecimento dos valores e
aspirações comuns que nos unem como brasileiros. Ao contrário. Tanto um como
outro foram hábeis em diversos momentos de suas trajetórias políticas em lançar
luz justamente sobre os pontos de dissenso entre os cidadãos, explorando-os
como arma eleitoral.
A boa notícia é que não se chega àquele
estágio avançado de desenvolvimento político por um passe de mágica, ou ainda
como decorrência natural de atributos muito específicos de determinados povos.
O amadurecimento da democracia em qualquer país é uma construção humana
coletiva que deve ser liderada por governantes genuinamente empenhados em
promover a união dos cidadãos em torno de objetivos comuns, sem prejuízo da
garantia constitucional da liberdade para defender valores e projetos políticos
distintos, húmus de qualquer sociedade livre, plural e vibrante.
Seja qual for o resultado da eleição, não
se pode perder de vista que há um Brasil a ser governado a partir de 1.º de
janeiro de 2023. É dever dos eleitores exigir de quem for eleito que trabalhe
pelos próximos quatro anos em prol do País, não de facções
político-ideológicas. E é dever político e moral do vencedor não só reconhecer
que ele não é a encarnação das vontades de todos os eleitores, o que chega a
ser um truísmo, mas, ativamente, chamar para o diálogo as forças políticas
sobre as quais, por ora, triunfou. É assim que se constrói um país democrático.
À luz do histórico de Lula e Bolsonaro,
pode parecer ingenuidade esperar que um ou outro seja capaz de unir os
brasileiros em torno de um projeto de nação. Mas não há espaço para ingenuidade
nesta página. Não se trata de passar uma borracha sobre o passado de corrupção
e recessão econômica que marcou os governos petistas nem tampouco fazer tábula
rasa das aberrações patrocinadas pelo atual governo. É preciso, porém, olhar
para a frente.
O eleito, se assim quiser, tem um enorme
poder, sobretudo simbólico, para reunir os brasileiros pelo exemplo que
inspirar, tanto na esfera pública como no núcleo familiar. Um Brasil mais
próspero, mais pacífico e menos desigual, seguramente, haverá de emergir dessa
singela ambição.
Bons projetos para o futuro já existem
O Estado de S. Paulo
A modernização do País pode ser estimulada com a aprovação de projetos que já estão no Congresso e que, sem beneficiar este ou aquele setor, têm potencial para produzir efeitos duradouros
A construção de um Brasil mais moderno e
mais competitivo, capaz de gerar mais e melhores empregos para uma população
cuja renda é pressionada por escassez de oportunidades de trabalho e alta dos
preços, precisa começar no primeiro dia do governo que tomará posse em janeiro
de 2023. A imensidão da tarefa não lhe retira a urgência. Alguns caminhos já
estão abertos no plano legislativo e, com bom senso e responsabilidade, o novo
governo poderá trilhá-los. Como contribuição para a retomada do crescimento, organizações
do setor privado vêm apontando o que consideram prioritário e viável no quadro
atual. Entre suas propostas, há iniciativas legislativas que, se apoiadas e
estimuladas pelos novos governantes, ajudarão a transformar o País com mais
rapidez e eficiência.
São projetos que poderiam ter avançado
mais, mas o atual governo teve praticamente todo o mandato para fazer isso e
não o fez – restando pouco mais de dois meses para seu término, certamente não
o fará. É tarefa para o próximo, e o roteiro para cumpri-la é em boa parte
conhecido.
Produtividade, eficiência da
infraestrutura, reforma tributária, ambiente adequado ao desenvolvimento dos
negócios, preparação de mão de obra, inovação, integração à economia mundial,
sustentabilidade e regulação do mercado de carbono são objetivos e
características comuns às iniciativas de organizações empresariais e acadêmicas
para tornar o Brasil mais moderno e com melhores condições para competir num
mundo em rápida transformação impulsionada pelas mudanças tecnológicas.
A mais recente dessas iniciativas,
noticiada pelo jornal Valor, é da Imagine Brasil, vinculada à Fundação Dom
Cabral e que tem o objetivo de unir “forças, ideias, pessoas e entidades para
sonhar e influenciar na construção de uma sociedade mais próspera, em que a
ideia de desenvolvimento considere o social, o ambiental e o econômico com a
mesma importância”. Depois de analisar mais de 5 mil propostas em tramitação no
Congresso Nacional, a Imagine Brasil listou 37 de áreas como infraestrutura,
tributação, inovação e sustentabilidade que poderiam avançar caso houvesse um
esforço conjunto do Executivo e do Legislativo federais no início do novo
mandato presidencial e da nova legislatura.
São projetos de amplo alcance, que não
beneficiam segmentos específicos da economia ou da sociedade, mas têm potencial
para produzir efeitos duradouros na transformação do País. Parte dos projetos
apontados pela Fundação Dom Cabral como prioritários para modernizar o Brasil
coincide com os listados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em
sua Agenda Legislativa 2022 apresentada no fim de março.
Mais do que mera coincidência, o fato de
uma instituição acadêmica, como a Fundação Dom Cabral, e uma entidade
empresarial, como a CNI, defenderem os mesmos projetos é a comprovação de que
está consolidado o diagnóstico de alguns dos principais problemas do País e de
que já há propostas sensatas para enfrentá-los. Embora sem citar projetos em
tramitação no Congresso, o Movimento Brasil Competitivo e a Frente Parlamentar
pelo Brasil Competitivo lançaram, em julho, uma agenda de propostas que, em boa
parte, coincide com os objetivos da CNI e da Fundação Dom Cabral.
A reforma tributária é a proposta comum a
todas essas iniciativas, pelas razões há muito conhecidas. Espera-se que, no
próximo governo, essa reforma deixe de ser apenas discurso e se torne
realidade. A modernização do setor elétrico, seja pela reorganização da matriz
energética para reduzir o custo da energia e o risco de desabastecimento, seja
pela ampliação do mercado livre, é outro ponto comum a todas as iniciativas.
A Fundação Dom Cabral e a CNI defendem a
criação de uma nova modalidade de debêntures para financiar investimentos em
infraestrutura, cuja manutenção, modernização e ampliação são consideradas
vitais para a redução dos custos operacionais.
São alguns exemplos de que já existe um
considerável acervo de iniciativas legislativas para alavancar o
desenvolvimento. Resta esperar que o próximo governo se empenhe para liderar
sua aprovação.
A hora do realismo ambiental
O Estado de S. Paulo
O alerta da ONU sobre o malogro das metas climáticas não deve ser visto como a antessala do fim do mundo
A ONU alerta que o mundo está longe das
metas do Acordo de Paris para restringir o aquecimento global na era industrial
em 1,5 °C: com as políticas em curso, a temperatura deve subir 2,8 °C.
Uma abordagem cínica diria que essas metas
foram feitas para não serem cumpridas: os políticos se aglutinam em fóruns,
competem pelas previsões mais cataclísmicas, recebem aplausos, traçam objetivos
utópicos e vão para casa exigindo mais poder para cumpri-los. Uma abordagem
voluntarista denuncia a inação desses líderes: longe de serem ambiciosas, as
metas e políticas ambientais são modestas demais – é preciso dobrar a aposta. É
o curso sugerido pelo secretário-geral da ONU, António Guterres: “Nos dirigimos
a uma catástrofe global!” – ainda que os cientistas mobilizados pela ONU não
digam bem isso; dizem, sim, que o aquecimento é real e, se não for mitigado,
será muito ruim, mas não o fim do mundo. Contudo, 60% da população dos países
da OCDE crê que a humanidade está à beira da extinção.
O problema dessas abordagens unívocas é que
asfixiam o debate em um binarismo, ou resignação desiludida ou ativismo
desesperado, turvando a ponderação de quais políticas estão funcionando e quais
não. Militantes ambientalistas acusam omissão por toda parte, mas houve muitas
ações. Por vezes desastradas. Considere-se a decisão da Alemanha de cancelar
toda energia nuclear e lançar todas as fichas em energia renovável, e o preço
socioambiental que está pagando, tendo de recorrer ao carvão para se aquecer na
atual crise energética.
Decerto houve muito retrocesso, como o
desmonte das políticas climáticas brasileiras promovido pelo atual governo. Nem
por isso é justo reduzir o País a um “pária ambiental”. O Brasil ainda mantém
taxas exemplares de biomas preservados e energia limpa, e boa parte da
sociedade e do setor produtivo busca soluções com paixão e proatividade, como
se viu, por exemplo, no fórum “Amazônia é a
solução”, da rede Uma Concertação pela Amazônia, realizado em
parceria com o Estadão.
Há duas gerações, os ambientalistas
precisavam vencer a ignorância e a passividade em relação ao aquecimento
global. E venceram: exceto por obscurantistas marginais, todo mundo está
preocupado. Mas o debate está superaquecido, e muitos, sobretudo os jovens,
estão em pânico. A consciência ambiental precisa amadurecer rumo a uma terceira
fase: nem negacionismo nem alarmismo, só realismo.
Os debates climáticos focam quase
exclusivamente nos desastres socioambientais do aquecimento, e nunca nos
desastres precipitados por políticas ambientais equivocadas. Embora a atual
crise energética e alimentar, que empobrece a todos, sobretudo os mais pobres,
não tenha sido causada por essas políticas, ela ilustra agudamente o que pode
acontecer cronicamente se não encontrarmos um equilíbrio otimizado entre
benefícios ambientais e custos sociais, e vice-versa.
Fins e meios como os do Acordo de Paris ou dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável não devem ser descartados. Mas tampouco devem ser erigidos em dogmas. Devem, sim, ser revisados, escrutinando quais ações foram eficientes, quais não, e a qual custo.
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