Folha de S. Paulo
Refazimento do país não depende só de
coalizão ampla, mas de invenção de novos atores políticos
Aos trancos e barrancos, formou-se uma
frente de apoio a Luiz
Inácio Lula da Silva (PT). Não era a "frente ampla". É uma
frentinha, até porque não havia como fazer mais. Não há partidos ou movimentos
sociais e políticos grandes e organizados que pudessem se aliar a Lula, mesmo
que Lula e o PT tivessem feito um esforço mais intenso de firmar alianças.
Seja qual for o resultado da eleição, a
situação política depois dos anos de catástrofe e trevas (2018-2022) será um
problema grave, tanto para um governo prestante ou, no caso de acontecer o
pior, como para uma tentativa de evitar o desfazimento autoritário do país.
A frente eleitoral pró-Lula é precária principalmente porque não havia partidos para uma aliança que fosse além da esquerda ou similar (toda de partidos muito pequenos ou minúsculos). A maioria do Congresso é de partidos compostos de gente de extrema direita, direita dura ou direita negocista.
O centro, algo como o velho PSDB e
aliados próximos, evaporou. Além da esquerda, os aliados políticos ou
parlamentares de Lula são lideranças regionais, que aderiram por interesse
eleitoral imediato (Nordeste) e também orientado por decisões relativas a
disputas de oligarquias locais. Há até gente do PP e do PL circunstancialmente
pró-Lula.
Simone Tebet juntou-se
a Lula mas não é o MDB (ninguém é
o MDB, ora também pequeno), embora possa ser uma líder da reinvenção centrista.
Levou consigo muitos dos seus quadros e partidários qualificados. Outros, algo
parecido com a velha guarda tucana, também aderiram, assim, como a elite
econômica civilizada.
Embora Tebet e essas pessoas sejam apoio
importante, em especial porque qualificado, não são partido e nem mesmo um
movimento organizado e duradouro.
Mas, caso eleito, Lula poderia contar com
essas pessoas se fizesse oferta clara, mais ou menos explícita, de aliança.
Pode ser embrião de algo maior e até facilitar acordos no Congresso, onde a
vida será mais difícil.
O negocismo leva muito parlamentar a aderir
a governo, óbvio. No entanto, este Congresso tem muito parlamentar comprometido
com seu eleitorado conservador, reacionário ou francamente antidemocrático.
Assim, um projeto de conciliação (não significa concessão sem mais), de
pacificação e de acordos sociais e programáticos extra-Congresso torna-se mais
importante.
Pacificação e estabilização deveriam ser os
motes do governo, da política à economia. Há muito trabalho urgente de
reconstrução. Procuradoria-Geral, Receita, Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras), Polícia Federal, órgãos ambientais, educação,
diplomacia, Forças Armadas, proteção de "minorias", quase tudo
precisa de refazimento. O SUS precisa de reforma e ampliação urgentes.
Não vai ser possível dar início ao processo
de isolamento dos adeptos do projeto autoritário se não houver paz entre as
pessoas de boa vontade, estabilização, refazimento e volta do crescimento.
É muito difícil, hoje, imaginar como pode
se aglutinar um grupo centrista, quiçá um partido, mesmo reformando uma legenda
existente. Falta gravidade para juntar os pedaços: perspectiva de poder, nomes
de peso na articulação, líderes, movimento social importante que o impulsione.
Um governo Lula esperto poderia até dar um
auxílio para a formação desse aliado, por meio de interlocução privilegiada,
agregação de quadros e compartilhamento de poder. A perspectiva é ruim, pois a
ultradireita é um partido grande e socialmente enraizado. Sobra pouco espaço no
meio.
No entanto, é difícil imaginar outro
caminho de refazimento do país. Um eventual governo Lula terá não apenas de
juntar uma frente ampla. Terá de ajudar a inventa-la.
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