Valor Econômico
PEC da Transição reforça poder do líder do
Centrão
Lula é o personagem central da política
brasileira nas últimas quatro décadas. Desde 1989, esteve presente em seis
eleições presidenciais (tendo vencido três) e foi muito influente nas outras
três, como “padrinho” de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 e sendo substituído por
Fernando Haddad em 2018.
O carisma de Lula junto a parcela
importante do eleitorado e sua capacidade de articulação, atraindo apoios que
vão além do PT e da esquerda, levaram o cientista político André Singer a
cunhar a expressão “lulismo”, fenômeno que seria mais forte até do que o
petismo.
Todavia, o poder de Lula, expresso mais uma vez na vitória (ainda que apertada) da última eleição e nos acenos que o ex e futuro presidente tem recebido de lideranças de todo o espectro político, mascara graves erros de estratégia cometidos pelo ícone petista nas últimas décadas.
Uma vez no poder, Lula e o PT pecaram na
construção e administração de sua base de governo - e os escândalos do mensalão
e do petrolão deixaram marcas profundas na sua imagem junto à outra metade do
eleitorado brasileiro. Escolhas erradas nas eleições para a presidência da
Câmara em 2005, com a derrota para Severino Cavalcanti, e em 2015, para Eduardo
Cunha, causaram grandes dores de cabeça para as administrações do próprio Lula
e de Dilma Rousseff.
De volta à capital federal para um terceiro
mandato, os primeiros movimentos na transição sinalizam que Lula pode estar
semeando ventos para colher tempestade, colocando-se numa posição de
fragilidade no jogo político de 2023.
Ao investir seu capital político na
aprovação, antes mesmo de tomar posse, de uma PEC que lhe dê uma licença para
gastar mais durante todo o seu mandato, o petista persegue dois objetivos
políticos distintos.
De um lado, busca ampliar a legitimidade de
seu governo, entregando desde já compromissos de campanha e agradando inclusive
parcelas do eleitorado que votou em Bolsonaro. Numa outra frente, Lula tenta
blindar sua gestão contra a necessidade de negociar um orçamento maior com
Arthur Lira e demais lideranças do Centrão a cada ano, no próximo quadriênio.
Para isso, no entanto, é preciso combinar
com os russos, para usar a surrada expressão atribuída a Garrincha, desculpável
apenas porque estamos em tempos de Copa do Mundo.
Os russos, neste caso, são os políticos do
Centrão, comandados por Arthur Lira.
Para garantir o pagamento do auxílio de R$
600 a partir de janeiro, Lula precisará aprovar a PEC (e a Lei Orçamentária)
até o dia 22 de dezembro, quando se encerra o ano legislativo.
Se tivesse que percorrer o trâmite
constitucional e regimental, a PEC precisaria ser analisada pela Comissão de
Constituição e Justiça e por uma Comissão Especial, além de debatida e votada
em plenário em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre eles. Tudo
isso tanto na Câmara quanto no Senado - e com uma Copa do Mundo no meio.
Para acelerar a tramitação da PEC, portanto,
Lula e o PT terão que engolir todas as críticas que fizeram às manobras
regimentais e ao “rolo compressor” de Arthur Lira na aprovação de medidas do
governo Bolsonaro nos últimos dois anos. Será preciso enxertar o texto proposto
em uma PEC com tramitação mais avançada, encurtar prazos, eliminar debates,
suprimir destaques e outras artimanhas que a esquerda cansou de denunciar nos
últimos tempos.
Mais do que o gostinho de vingança, Lira se
sentirá legitimado para continuar se valendo dessas práticas autoritárias nos
próximos dois anos. E pode fazer isso, inclusive, para aprovar pautas-bomba
contra o interesse do próprio Lula.
Para piorar a situação, a PEC precisa ser
aprovada por 308 deputados e por 49 senadores. A coligação que elegeu Lula tem
apenas 120 deputados e 11 senadores - 139 e 15, se a eles somarmos os
parlamentares do PDT. A diferença precisa vir dos partidos do centro e do
Centrão.
Acontece que estamos no final da
legislatura, e muitos parlamentares não foram reeleitos. Como pode ser visto no
gráfico, 172 deputados das legendas de centro e de direita não foram reeleitos
e, portanto, não terão ganho imediato algum com a aprovação dessa PEC.
Segundo a imprensa, Lira se comprometeu a
colocar a PEC em votação no prazo e a se esforçar pela sua aprovação. Em troca,
Lula teria prometido ao deputado do PP alagoano não interferir nos seus planos
de reeleição para a presidência da Câmara e em buscar uma solução para a
manutenção do orçamento secreto.
O acordo saiu barato para Lira. Reeleito,
continuando a controlar os bilhões das emendas de relator e com seu jogo-sujo
regimental ratificado por Lula, o líder do Centrão pode ser um problema para
Lula nos próximos anos.
Em tempo: em 15/06/1958 o Brasil derrotou a
União Soviética por 2 a 0 na Copa da Suécia. À época, Nelson Rodrigues disse
que Garrincha estava tão inspirado naquele dia “que driblou até as barbas de
Rasputin”.
Vamos ver como Lula entrará em campo em
primeiro de janeiro de 2023.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
2 comentários:
Muito sensata a análise do colunista! Parabéns a ele e ao blog que divulga seu trabalho. Carazza escreve com conhecimento de economia e uma cuidadosa e equilibrada visão política... Sabe o que é o mercado, e como são os políticos. Não fica apenas destilando preconceitos como uns e outros...
Bruno Carazza sabe das coisas.
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