O Estado de S. Paulo.
Se as chamas de Brasília mostram a
violência do bolsonarismo, o seu estertor, graças aos novos governantes, está
sinalizando para o passado
Benjamin Constant, o célebre liberal francês do início do século 19, escreveu que as chamas de Moscou eram a aurora da humanidade. Referia-se ele à derrota de Napoleão ante o Exército russo, pois, em sua perspectiva, o governante francês era um ditador, que viveria, naquele então, o seu ocaso. Este dizer veio-me à mente ao visualizar as chamas de Brasília, sem que, para além do estertor de Jair Bolsonaro, não se consiga entrever uma aurora qualquer, senão a volta a um suposto idílio petista anterior. Se as chamas mostram a violência do bolsonarismo, incapaz de conviver com as diferenças e a liberdade, o seu estertor, graças aos novos governantes, está sinalizando para o passado.
Se fosse para regressar ao passado, seria
mais sábio Lula voltar para o seu primeiro mandato. Lá, para além de esbravejar
contra a “herança maldita”, numa deslavada mentira, soube se cercar de uma
equipe econômica competente, tendo à frente Antonio Palocci e Henrique
Meirelles, um na Fazenda, outro no Banco Central. Política fiscal responsável
de mãos dadas com a política monetária. Na verdade, o ministro Palocci teve a
inteligência de seguir os passos de seu antecessor, Pedro Malan, tendo sido
ambos brilhantes na condução da política econômica, sem ranços ideológicos. Se
Palocci tornou-se um nome proibido dentro do PT, nada disso deveria obscurecer
toda a sua contribuição para o País. Corrupção não foi exclusividade sua, mas
de toda a cúpula petista e, também, de partidos aliados.
Entretanto, o presidente eleito esquece-se
dessa parte de seu passado, aquela que apontaria para o futuro. Em vez disso,
está optando pela segunda metade do seu segundo mandato e pelo governo Dilma,
que terminou em fracasso econômico e no seu impeachment. Em vez de pautar-se
por Lula 1, a escolha consiste numa reedição de Dilma. Se não deu certo lá, por
que daria certo agora?
Nunca está por demais lembrar que Lula não
foi eleito pelo programa e pelas ideias de seu partido, mas por ter constituído
uma frente ampla, visando a derrotar um governo que jogava no limite, senão
para além das regras do sistema democrático. Até economistas liberais
afiançaram o candidato, acreditando, provavelmente, numa reedição de Lula 1. A
hegemonia petista na tal frente mostra-se, aliás, por todos os lados, expondo
não apenas fraturas, mas falta de compromisso com um governo plural. O que se
observa de pluralismo é a continuação das negociações partidárias que já
estavam em curso no governo Bolsonaro, mormente com o Centrão. Se Lula
surpreendeu positivamente em seu primeiro mandato, a surpresa agora tem um
amargo gosto negativo.
A declaração do novo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, de que teria um compromisso com a responsabilidade fiscal,
carece de credibilidade. Os fatos desmentem qualquer discurso de
responsabilidade. A PEC da gastança é uma licença ilimitada para gastar, com a
máscara de um discurso social. Se fosse para suplementar o Bolsa Família e o
apoio às crianças de famílias carentes, bastariam entre R$ 70 bilhões e R$ 80
bilhões, algo completamente justificável numa situação de carência social. Ora,
o que pretende o novo governo é agir como se nenhuma limitação fiscal devesse
ter. O anúncio de que uma nova regra fiscal seria apresentada dentro de seis
meses não denota seriedade, pois, primeiro, há o gasto descontrolado; depois,
uma possível regra futura de seu controle. Isso seria equivalente a construir
uma casa começando pelo teto: só pode cair! E os mais necessitados serão os
mais atingidos.
A aprovação na Câmara dos Deputados de uma
nova lei, feita às pressas, para revogar a Lei das Estatais, que impõe
condições para políticos ocuparem cargos em empresas estatais, mostra a
intenção de aparelhamento futuro da máquina pública. A Lei das Estatais foi um
feito do governo Temer, ao estabelecer princípios de uma gestão pública
responsável, avessa a indicações políticas indiscriminadas. A Petrobras, graças
a isso, conseguiu sair do vermelho, após a experiência do petrolão. Agora,
abrem-se as portas para más administrações públicas. É uma péssima sinalização
para investidores nacionais e estrangeiros.
Por último, note-se a aversão petista e de
Lula em relação à economia de mercado e aos seus pilares, como o direito de
propriedade. Não conseguiram compreender que a economia de mercado
caracteriza-se pela impessoalidade das relações empresariais, que regulam, por
mecanismos próprios, os investimentos, os salários, os lucros, em escala não
somente nacional, mas planetária. Ou seja, não é uma relação pessoalizada, não
havendo nenhuma conspiração por trás dos agentes econômicos. Achar que a
cooptação de grandes empresas ou bancos resolva uma questão econômica é uma
concepção atrasada, própria de um capitalismo de compadrio, atrelada à mera
satisfação imediata de interesses particulares, os mais influentes e poderosos.
Não é este o caminho de um novo Brasil.
*Professor de filosofia na Ufrgs
3 comentários:
Se o bolsonarista gaúcho tivesse aguardado 24h não diria tanta besteira nem veria seus argumentos falaciosos derretidos pelos fatos
Rosenfield só dá bola fora, uma atrás da outra... Seu pé direito está descalibrado há muitos anos, e ele não gosta de usar o pé esquerdo, tem verdadeira fobia disto!
Crítica ácida ao petismo.
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