É amplo o apoio à democracia brasileira
O Globo
Reação internacional mostra que a minoria
radical bolsonarista está isolada dentro e fora do Brasil
Em poucas semanas, no início do próximo
mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajará para os Estados Unidos,
onde se encontrará com o mandatário americano, Joe Biden, na Casa Branca. Em
conversa pelo telefone depois do ataque da minoria radical bolsonarista na
Praça dos Três Poderes, Biden declarou “apoio incondicional” à democracia
brasileira. O isolamento dos terroristas que assaltaram Brasília não é apenas
um fenômeno doméstico. Declarações de vários chefes de governo e de
representantes de órgãos multilaterais demonstram a existência de uma ampla
rede internacional contrária à tentativa de golpe.
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, declarou ter plena confiança nas instituições brasileiras e na capacidade de o país lidar com o desafio. Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, afirmou que a democracia “prevalecerá sobre a violência e o extremismo”. Emmanuel Macron, presidente francês, que deverá vir ao Brasil em breve, afirmou que a vontade do povo brasileiro e as instituições democráticas “devem ser respeitadas”. O chanceler alemão Olaf Scholz usou uma rede social para dizer que o atentado à democracia “não pode ser tolerado”. O chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, lembrou que a ameaça é global. Na América Latina, os presidentes de Argentina, Chile, Colômbia, México e Uruguai estão entre os que manifestaram rechaço aos extremistas.
Até mesmo países autoritários criticaram as
cenas em Brasília. Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, condenou “as ações dos
instigadores de distúrbios”. Já o porta-voz do Ministério de Negócios
Estrangeiros da China, Wang Wenbin, disse que o país “se opõe firmemente contra
o violento ataque”.
As declarações desta semana evidenciam, de
forma categórica, que as principais potências do Ocidente e os vizinhos da
América Latina se preocupam com o que acontece no Brasil. O mundo vive um
processo batizado de “recessão democrática”, uma expressão cunhada pelo
cientista político americano Larry Diamond. Entre 1975 e 2007, o número de
países democráticos aumentou de forma inédita. De lá para cá, teve início um
processo de reversão. Atualmente, 38% da população global vive em países que
não são considerados livres, segundo o índice da ONG americana Freedom House.
Trata-se do maior percentual desde o final de década de 1990. As manifestações
desde domingo são prova de que o mundo democrático não quer a saída do Brasil
deste clube.
As críticas aos ataques aos prédios do
Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto vindas de governos
autoritários têm outra explicação. Não convém a ninguém uma crise de grandes
proporções em um país responsável por uma fatia considerável das exportações
globais de alimentos. Por seu tamanho e influência, o Brasil também poderia
espalhar instabilidade pela América do Sul.
A responsabilidade de defender a democracia
no Brasil é, e sempre será, tarefa intransferível dos brasileiros. Mas parece
evidente que existe um ambiente internacional favorável. A minoria radical
bolsonarista, que continua cometendo crimes, como a derrubada de torres de
energia, está completamente sozinha.
Saúde precisa regularizar logo estoque de
vacinas contra Covid para crianças
O Globo
Governo autorizou reforço para faixa de 5 a
11 anos, mas faltam doses para o público infantil
Compreende-se que a nova equipe do
Ministério da Saúde acabou de assumir, mas é fundamental que regularize logo os
estoques de vacina contra a Covid-19 para crianças de até 12 anos. Desde o
início do mês, pais que levam seus filhos aos postos de saúde de grandes
cidades como Rio, São Paulo e Belo Horizonte têm relatado falta do imunizante
para as crianças menores, que demandam doses específicas. Para maiores de 12
anos, a não ser por problemas pontuais de logística, os estoques estão em dia.
A situação se torna mais incompreensível
porque na semana passada o Ministério da Saúde autorizou a aplicação de uma
dose de reforço contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos. Aprovada pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro do ano passado, ela
aumenta em até seis vezes o nível de anticorpos. Até então, o reforço era
recomendado para maiores de 12 anos. A decisão é bem-vinda para aumentar a
proteção do público infantil, mas de nada adianta se não houver doses
suficientes nos postos.
A secretária de Vigilância em Saúde, Ethel
Maciel, admitiu a falta do imunizante pediátrico e disse que o governo está
negociando com a Pfizer a antecipação da entrega de 3,2 milhões de doses para
crianças de 6 meses a 4 anos e de 4,5 milhões para as de 5 a 11. No último
sábado, o Ministério da Saúde afirmou ter comprado do Instituto Butantan 750
mil doses da CoronaVac para crianças de 3 a 11 anos. Um novo aditivo no
contrato deverá garantir um total de 2,6 milhões de doses. São decisões
acertadas, mas o vírus não espera.
Embora não integrem o grupo mais vulnerável
para o novo coronavírus, as crianças acima de 6 meses precisam ser vacinadas,
porque também estão expostas às formas graves da doença. Um levantamento da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que, nos dois primeiros anos da
pandemia, a Covid-19 matou 1.539 crianças de até 5 anos no Brasil, sendo 599 em
2020 e 840 em 2021. Isso significa duas por dia, uma tragédia. Em 2022, com o
avanço da vacinação e o declínio da pandemia, essa média caiu para uma por dia
(314 vidas perdidas entre 1º de janeiro e 11 de outubro). Continua sendo um
número alarmante, considerando que a vacina protege contra hospitalizações e
mortes.
A regularização dos estoques e a solução dos problemas de logística são apenas algumas das muitas ações que o Ministério da Saúde precisa fazer para aumentar os níveis de cobertura. Ainda que haja doses suficientes, o governo terá de realizar campanhas para convencer pais e responsáveis a levarem seus filhos aos postos, o que não é tarefa fácil. Por questões ideológicas, o governo anterior não incentivou a imunização infantil. Sabe-se que ela é mais sensível às campanhas de desinformação que contaminam as redes sociais. Mesmo pais vacinados por vezes relutam em fazer o mesmo com seus filhos. Mas é preciso persistência. Com vacinas eficazes e seguras, já aprovadas pela Anvisa, é inaceitável que crianças morram em consequência da Covid-19.
Inflação perigosa
Folha de S. Paulo
IPCA dá margem à preocupação e evidencia
que alta de gastos públicos é temerária
Com o IPCA de
5,79% divulgado nesta terça (10), o Brasil fechou 2022 com alta dos
preços ao consumidor abaixo da registrada na maioria dos países desenvolvidos,
o que configura evento raríssimo.
Isso ocorreu porque a onda inflacionária global impulsionada pela reação à
pandemia e, depois, pela guerra na Ucrânia chegou aqui antes —marcaram-se
10,06% em 2021— e foi devidamente combatida pelos juros do Banco Central.
O cenário, no entanto, ainda suscita
preocupação e exige cuidados.
A melhora do ano passado também teve ajuda
importante da intervenção eleitoreira do governo Jair Bolsonaro (PL) nos
tributos incidentes sobre os combustíveis, que criou um problema a ser
enfrentado pelo novo governo.
Com temor de desgaste político, Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) prorrogou a desoneração em caráter temporário, o que foi um
erro de política econômica. Escolheu-se favorecer estratos mais abonados da
população, em vez de reduzir o enorme déficit no Orçamento —que, cedo ou tarde,
também alimentará a inflação.
O IPCA de dezembro, de 0,62%, ficou acima
do ponto médio das expectativas de analistas de mercado. A variação dos preços
dos serviços, por natureza mais resistente à política monetária, ainda acumulou
elevados 7,58% no ano.
A persistência inflacionária decorre do
vigor da economia, que teve retomada surpreendente em 2022. Mesmo com a
desaceleração atual, a diminuição da taxa de desemprego mostra-se expressiva.
Nos cálculos do IBGE, a redução da
ociosidade no mercado de trabalho propiciou aumento da massa de rendimentos de
11,5% no trimestre encerrado em outubro, ante o período correspondente de 2021.
Em tal situação, é uma temeridade promover
a elevação dos gastos orçamentários e do déficit público, como decidiu Lula. Os
dispêndios terão impacto nos preços e manterão os juros nas alturas, sabotando
a recuperação da atividade.
O ano que passou foi desastroso para países
que, por covardia política ou crenças econômicas exóticas, não endureceram as
ações nas áreas fiscal e monetária para o enfrentamento da inflação. Na
Turquia, a alta dos preços ultrapassou os 80% em 12 meses; na Argentina, a taxa
se aproxima dos 100%.
No Brasil, a
atuação autônoma do Banco Central evitou o pior, mas o IPCA acima
das metas por dois anos consecutivos não deixou de ter impacto doloroso sobre o
bem-estar da população, sobretudo nas faixas de renda mais baixas.
Inflação elevada significa mais pobreza e
desigualdade social. Juros altos significam menos emprego e consumo. Esses são
os motivos fundamentais a recomendar prudência na gestão do Orçamento.
Ecos trompistas
Folha de S. Paulo
Escolha do presidente da Câmara expõe dano
do radicalismo na política americana
A chama da direita populista na política
ocidental pode ter arrefecido, como atestam as derrotas eleitorais de Donald
Trump e de cópias como Jair Bolsonaro (PL), mas está longe de ter se apagado.
Um dia antes de a turba bolsonarista atacar
os símbolos do poder federal aqui, parlamentares extremistas americanos
provocavam uma crise inaudita há 164 anos no Congresso dos Estados Unidos.
Foram
necessárias nada menos que 15 votações para que Kevin McCarthy,
deputado republicano da Califórnia, fosse confirmado na madrugada de sábado (7)
como presidente da Câmara dos Representantes. Esperava-se que o partido
conservador americano elegesse o parlamentar para o posto, até então ocupado
pela democrata Nancy Pelosi, por aclamação.
Afinal, na eleição de
novembro os republicanos não surfaram uma esperada onda vermelha,
alusão à cor associada à sigla, porém retomaram o controle da Câmara das mãos
do Partido Democrata do presidente Joe Biden, com 222 eleitos —218 constituem
maioria.
Assim, a indicação de seu líder, um
político astuto que aproximou-se e afastou-se com traquejo dos extremistas que
deram as cartas na gestão Trump (2017-2021), parecia favas contadas. Não foi.
McCarthy acabou desafiado por cerca de 20
republicanos alinhados a um grupo herdeiro do movimento radical Tea Party, que
nos anos 2010 lançou as bases da tomada daquela que já foi a mais influente
legenda conservadora do Ocidente.
Bandeiras vistas nos tempos de Richard
Nixon na Casa Branca foram alinhadas ao sentimento de antipolítica em alta no
mundo, o que contribuiu para a vitória de Trump no pleito de 2016. Entretanto,
assim como seu pupilo brasileiro, o populista perdeu a eleição, contestou seus
resultados e viu seguidores fanatizados depredarem a sede do Legislativo.
O ex-presidente quer voltar ao poder, mas
há forte concorrência de conservadores que integram o establishment político,
como o governador Ron DeSantis (Flórida) —que pode aproveitar o desarranjo do
partido para vender-se como seu salvador.
Para chegar ao cargo, McCarthy fez promessas aos radicais, o que talvez atrapalhe sua prioridade de transformar a vida de Biden num inferno congressual. Para os atordoados republicanos, é sinal da perenidade dos efeitos do extremismo legado por Trump e do longo caminho até alguma normalidade
Em nome da liberdade, a barbárie
O Estado de S. Paulo.
Golpistas do 8 de janeiro escancararam as
contradições do bolsonarismo.
Ao agredirem jornalistas e destruírem obras
de arte, os golpistas do 8 de janeiro escancararam uma vez mais as contradições
do bolsonarismo. Não há liberdade sem respeito à lei
O bolsonarismo diz agir em defesa da
liberdade de expressão, mas não perde a oportunidade de ameaçar e agredir
jornalistas. Foi assim durante a invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e
do Supremo Tribunal Federal (STF) no domingo. O mesmo se repetiu nas recentes
desocupações de acampamentos em frente a quartéis. Eis uma flagrante
contradição: os pretensos defensores da liberdade de expressão atuam contra a
liberdade de imprensa.
Levantamento preliminar da Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) identificou 26 casos de
violência contra profissionais da imprensa em menos de 48 horas, entre domingo
e segunda-feira, em diferentes cidades do País. Como noticiou o Estadão,
repórteres e fotógrafos que cobriam os atos golpistas em Brasília foram
atacados com chutes, socos e empurrões, além de terem equipamentos destruídos
ou roubados.
No Twitter, a jornalista Marina Dias, que
fazia a cobertura para o jornal norte-americano The Washington Post, contou ter
sido perseguida até a garagem do Ministério da Defesa, na Esplanada dos
Ministérios. “Fui cercada, chutada, empurrada, xingada. Quebraram meus óculos,
puxaram meu cabelo”, contou. Outro profissional do jornal O Tempo fez um relato
estarrecedor: disse ter sido “detido” por cerca de meia hora por golpistas que
haviam invadido o Senado, com uma arma apontada para a cabeça e outra às
costas. Contou ter levado tapas no rosto, além de ter o dinheiro da carteira
roubado.
Desde o fim do segundo turno das eleições
até a véspera dos atos golpistas, o monitoramento feito pela Abraji, em
parceria com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), havia registrado
outros 78 casos de hostilidades e agressões a profissionais da imprensa. Ora,
cada episódio de intimidação e violência contra jornalistas atinge toda a
sociedade, em tentativa de subtrair o direito fundamental à informação.
A hostilidade à imprensa, é bom lembrar,
não tem cor partidária nem se restringe a um lado do espectro ideológico. No
caso do bolsonarismo, porém, ofensas e agressões a jornalistas viraram uma
espécie de modus operandi, como se fosse uma forma a mais de manifestação
política: o desprezo pelos fatos é também desprezo e perseguição contra quem
tem, por profissão, de apurar e relatar os fatos. Chama a atenção que
justamente quem levanta a bandeira da liberdade de expressão queira calar − com
intimidações, ofensas e, não raro, com murros e pontapés − a voz da imprensa
livre. É notório que o número de relatos de violência contra jornalistas
cresceu durante o governo de Jair Bolsonaro, ele próprio um crítico contumaz do
trabalho da imprensa.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ)
condenou “veementemente” os crimes contra a democracia e contra jornalistas no
exercício de suas atividades no dia 8 de janeiro em Brasília. “A liberdade de
imprensa é inerente ao Estado Democrático de Direito, que não pode tolerar ou
conviver com a baderna e o vandalismo”, disse a ANJ.
Não há sociedade livre sem liberdade de
imprensa. Não há democracia sem liberdade de imprensa. E pode-se dizer
igualmente: não há sociedade livre sem lei, não há democracia sem lei. Aqueles
que almejam impor sua vontade desrespeitando a lei e a liberdade de imprensa
nada constroem, como mostram os atos de domingo em Brasília.
Assim como não se defende a causa da
liberdade com violência e agressão, a bandeira do patriotismo não é levantada
por meio da destruição do patrimônio público. As cenas de vandalismo nas sedes
dos Três Poderes são a antítese da defesa da Pátria. Não há patriotismo onde
viceja o desrespeito à lei e à ordem.
É uma total contradição: pessoas cobertas
com a Bandeira Nacional destruíram obras de arte que fazem parte da história do
Brasil. A pintura Mulatas, de Di Cavalcanti, sofreu seis golpes de instrumentos
perfurantes. Outras muitas obras foram danificadas e roubadas durante os atos
de vandalismo. É uma contradição, mas é também, não há como negar, um fiel
retrato do bolsonarismo: em nome da liberdade, a barbárie, em suas mais
variadas formas.
O respeito à Petrobras no governo Lula
O Estado de S. Paulo.
Lula tem a oportunidade de demonstrar nova
compreensão sobre papel da Petrobras. Transição energética impõe dilemas, mas
empresa mostrou que sabe caminhar com os próprios pés
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
herdou problemas de ordem política, econômica e social, cujas soluções demandam
negociações intensas e decisões difíceis na busca do restabelecimento da
normalidade e da paz. Nesse continente de adversidades, a Petrobras figura como
uma ilha. O último prejuízo anual da Petrobras foi registrado em 2017, e não há
qualquer segredo na estratégia que reverteu os péssimos resultados registrados
até então. Bastou priorizar investimentos em exploração de petróleo em águas
profundas, atividade em que a companhia tem protagonismo mundial, abrir mão de
ativos que não faziam parte do negócio principal e, sobretudo, abandonar a
política de controle de preços de combustíveis.
Consolidada como uma das grandes produtoras
mundiais de óleo e gás, a Petrobras é uma das maiores pagadoras de impostos do
País e gera milhares de empregos diretos e indiretos. No terceiro trimestre de
2022, o lucro líquido da Petrobras foi de US$ 8,8 bilhões. Já a dívida bruta
atingiu US$ 54,3 bilhões, menos da metade do pico registrado em 2015. É
evidente que a Petrobras tem seus desafios, mas, quase sempre, eles estão
vinculados a questões políticas.
Usada como instrumento de combate à
inflação por governos petistas, a Petrobras acumulou um prejuízo de R$ 180 bilhões
por não repassar a variação das cotações internacionais do petróleo ao mercado
interno. Sem subestimar os efeitos pernósticos da corrupção, os desvios
descobertos nas investigações da Operação Lava Jato levaram ao reconhecimento
de perdas bem mais modestas, em torno de R$ 6,2 bilhões.
A Petrobras não passou ilesa de
turbulências no governo Michel Temer. O congelamento de preços foi substituído
por reajustes diários, apontados como o gatilho da greve de caminhoneiros que
paralisou o País em 2018. Para debelar o movimento, o governo teve de criar um
ineficiente subsídio para o diesel. Como tudo no governo Jair Bolsonaro, a
Petrobras se tornou alvo – não por seus defeitos, mas por suas virtudes. No
auge do desespero eleitoral bolsonarista, até o lucro recorde da companhia foi
criticado, e o ex-presidente trocou o comando da companhia até encontrar quem
aceitasse segurar os reajustes de combustíveis.
O governo Lula tem a oportunidade de
demonstrar uma nova compreensão a respeito do papel da Petrobras. Indicado para
o comando da empresa, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) é especialista no
setor. Um dos marcos de seu mandato foi a defesa da regulamentação do marco da
energia eólica offshore, flanco que tem sido explorado por petroleiras no
exterior de olho na transição energética. Se o mundo caminha para a
descarbonização da economia, também é verdade que ainda dependerá do petróleo
por mais tempo do que almejava. Isso impõe dilemas para países e empresas, algo
que sempre se confunde em se tratando da Petrobras.
O governo é um dos maiores sócios da
empresa, mas a petroleira não pode prescindir dos acionistas privados para
financiar seus projetos. Ao mesmo tempo que o País é importador líquido de
combustíveis, um obstáculo para a meta de “abrasileirar” os preços dos
combustíveis, investimentos em novas refinarias não se mostram rentáveis no
longo prazo. O futuro da Petrobras passa por aproveitar sua posição e expertise
no setor de óleo e gás para ampliar sua inserção no segmento energético, palco
de verdadeiras revoluções nos últimos anos e que requer investimentos vultosos
e a confiança dos investidores.
Além disso, as violentas manifestações
golpistas do último domingo reforçam a necessidade de o governo centrar
esforços na tarefa de pacificação do País. Não é hora de apostar em políticas
intervencionistas testadas e reprovadas, em controle artificial de preços e em
projetos que drenam recursos sem gerar lucratividade. A Petrobras deu provas
suficientes de que sabe responder aos desafios que surgem ao longo de sua
história. Nesse sentido, o governo Lula fará bem se, abdicando de
interferências populistas, permitir que a companhia caminhe com os próprios
pés.
Prosperidade salva o meio ambiente
O Estado de S. Paulo.
Para proteger a biodiversidade, leis de preservação são tão importantes quanto ganhos de produtividade
A população de baleias jubarte no Brasil,
que esteve ameaçada de extinção, está perto de se recuperar totalmente. O
primeiro registro do Instituto Baleia Jubarte, em 2003, estimava cerca de 3 mil
baleias em águas brasileiras. Em 2022, foram registradas 25 mil, número próximo
ao de 200 anos atrás, quando a população estava entre 27 mil e 30 mil.
A história da recuperação das jubartes
ainda é relativamente excepcional no drama global da degradação ambiental, mas
ela deveria ao menos ajudar a dissipar um pouco da atmosfera fatalista que vem
imperando na consciência popular. Como os ambientalistas alertam cada vez mais,
a perda da biodiversidade é real, e traz riscos tão grandes para a humanidade e
a natureza quanto as mudanças climáticas, às quais ela está inter-relacionada.
Mas, com inteligência e boa vontade, esse é um problema que pode ser revertido.
Ocorre que boa parte do ativismo ambiental,
com a melhor das intenções, muitas vezes obnubila as soluções, ao sugerir um
antagonismo entre o mundo humano e o natural, como se a prosperidade humana
fosse necessariamente incompatível com a preservação ambiental. Há razões
históricas para pensar desse modo. Mas o presente mostra que o futuro não
precisa ser assim.
Os mamíferos selvagens são um exemplo. Com
efeito, desde os tempos pré-históricos a relação dos humanos com eles foi uma
espécie de jogo de soma zero: para se alimentar, primeiro, os humanos os
destruíram diretamente, pela caça; depois, indiretamente, destruindo seus
habitats com a expansão das terras agrícolas.
Mas pela primeira vez na história da
humanidade há a oportunidade de reverter essa lógica. Cada vez mais os humanos
são capazes de produzir mais comida empregando menos terras.
Não são os vetores da prosperidade, como a
economia de mercado ou a tecnologia, que destroem o meio ambiente. Ao
contrário, eles o salvam. Os dados mostram que, em geral, os países que
enriquecem revertem o desmatamento, desaceleram a perda de espécies e revertem
o declínio de algumas delas, precisamente porque tecnologias agrícolas e ganhos
de produtividade permitem cultivar mais com menos terras, preservando espaços
para a vida natural. Se a população de lobos está crescendo no mundo, a de
leões está decrescendo e a de tigres está estável, é porque os tigres estão
majoritariamente em países de renda média; os leões, em países pobres; e os
lobos, em países ricos. Assim como os lobos, muitos mamíferos na Europa
experimentaram um forte crescimento nos últimos 50 anos.
Sem dúvida, para espécies à beira da extinção, leis de preservação e estratégias de recuperação são indispensáveis. No caso das jubartes, a caça foi proibida em 1987 e cuidados especiais foram tomados para conservar áreas de acasalamento – como o “berçário” de Abrolhos, na Bahia. No entanto, é mais fácil executar essas leis e estratégias quando inovações tecnológicas e de produtividade reduzem a necessidade de comunidades humanas de explorar extensas zonas e recursos naturais para sobreviver e prosperar.
Sem saídas fáceis para crise do
endividamento elevado
Valor Econômico
Governo deve fugir da tentação de outras
gestões do PT de estimular o crédito a qualquer custo
O endividamento elevado das famílias
brasileiras está assustando o novo governo, mas é uma crise previamente
anunciada. Desde 2021, a dívida das famílias vem se avolumando, na esteira da
elevação da taxa básica de juros, e ganhou impulso no ano passado, com a alta
da inflação. Virou até tema da campanha eleitoral e agora é uma prioridade dos
cem primeiros dias do governo de Lula. Como explicou sem rodeios o ministro da
Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, antes mesmo de assumir, quando a
pessoa sai dos cadastros restritivos de crédito, ela volta ao mercado de
consumo e põe a roda da economia para girar.
Os dados mais recentes mostram o tamanho do
problema. A inadimplência média das pessoas físicas nos bancos, medida pelos
atrasos acima de 90 dias, atingiu 5,9% nas operações com recursos livres,
segundo dados de novembro, os mais recentes do Banco Central (BC). Mas chega a
44,2% no rotativo do cartão de crédito, a 12,5% no cheque especial e a 7,7% no
crédito pessoal. O endividamento das famílias com operações de crédito no
sistema financeiro atingia metade das famílias em outubro, resultando em um
comprometimento de 28,2% da renda mensal.
As pessoas não se endividam apenas no
guichê dos bancos, mas também com as mensalidades das escolas, dos serviços
públicos e no comércio. De acordo com levantamento da Confederação Nacional de
Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), a
inadimplência desse ponto de vista mais amplo chegou a novo recorde em
novembro, com quatro em cada dez brasileiros adultos (40,43%) negativados - o
equivalente a 65,53 milhões de pessoas, o maior número da série histórica, que
existe há oito anos.
Estudo do banco Goldman Sachs com dados da
Serasa coloca o problema em valores e calcula que as dívidas não bancárias dos
brasileiros chegam a R$ 172 bilhões, levando em conta varejo e serviços
públicos, dos quais metade de pessoas de baixa renda. Já as dívidas bancárias
vencidas como cartão de crédito pessoal e cheque especial somam R$ 88 bilhões,
dos quais pouco menos da metade nas mãos de pessoas que ganham menos de três
salários mínimos.
O resgate recorde de R$ 103,2 bilhões da
poupança e de R$ 162,9 bilhões dos fundos de investimento em 2022 completam o
quadro uma vez que certamente parte desses recursos foram para saldar dívidas.
Uma preocupação especial do governo Lula é
com a inadimplência que aflige as pessoas que receberam o Auxílio Brasil no ano
passado e cederam à atração de tomar crédito consignado baseado nesses
recursos, oferecido pelo então governo de Jair Bolsonaro, em plena campanha
para atrair votos. Poucos bancos privados aderiram à operação, considerada de
alto risco dada a vulnerabilidade da população alvo do Auxílio Brasil e à falta
de previsão de duração do benefício. A Caixa, instituição pública, foi a
principal fornecedora dos recursos e cobrava 3,45% ao mês, mais do que as
linhas de consignado para aposentados e servidores públicos. A linha foi
suspensa logo após a vitória de Lula nas eleições. Segundo o ministro do
Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, 3,5 milhões
de pessoas tomaram um total de R$ 9,5 bilhões pelo consignado do Auxílio
Brasil.
Para tentar amenizar o problema o novo
governo está tentando pôr em pé o programa Desenrola, que começou como promessa
de campanha dirigida aos endividados do Auxílio Brasil e agora pretende
beneficiar até pequenas empresas e atrair os bancos privados para a missão. O
ministro Wellington Dias fala em 80 milhões de beneficiados em potencial.
Vários ministérios estão envolvidos nas discussões.
Há mais dúvidas do que certezas a respeito
do programa, a começar pelo seu alcance (Valor 5/1).
Um fundo garantidor cobriria as dívidas não bancárias; e as bancárias teriam
como contrapartida para estimular a renegociação uma redução no compulsório dos
bancos. Mas isso depende de convencer o Banco Central, uma vez que pode ter
implicações na política monetária e, em consequência, no combate à inflação.
Já o governo, como disse o ministro Flávio Dino, quer animar a economia. É preciso, no entanto, fugir da tentação de outras gestões do PT de estimular o crédito a qualquer custo, com consequências negativas para a inflação. Outro desafio é reduzir o endividamento em cenário como o desenhado para este ano, de economia em desaceleração, inflação ainda elevada e juros altos, fatores que também comprometem o poder de compra das famílias.
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