quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É amplo o apoio à democracia brasileira

O Globo

Reação internacional mostra que a minoria radical bolsonarista está isolada dentro e fora do Brasil

Em poucas semanas, no início do próximo mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajará para os Estados Unidos, onde se encontrará com o mandatário americano, Joe Biden, na Casa Branca. Em conversa pelo telefone depois do ataque da minoria radical bolsonarista na Praça dos Três Poderes, Biden declarou “apoio incondicional” à democracia brasileira. O isolamento dos terroristas que assaltaram Brasília não é apenas um fenômeno doméstico. Declarações de vários chefes de governo e de representantes de órgãos multilaterais demonstram a existência de uma ampla rede internacional contrária à tentativa de golpe.

António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, declarou ter plena confiança nas instituições brasileiras e na capacidade de o país lidar com o desafio. Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, afirmou que a democracia “prevalecerá sobre a violência e o extremismo”. Emmanuel Macron, presidente francês, que deverá vir ao Brasil em breve, afirmou que a vontade do povo brasileiro e as instituições democráticas “devem ser respeitadas”. O chanceler alemão Olaf Scholz usou uma rede social para dizer que o atentado à democracia “não pode ser tolerado”. O chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, lembrou que a ameaça é global. Na América Latina, os presidentes de Argentina, Chile, Colômbia, México e Uruguai estão entre os que manifestaram rechaço aos extremistas.

Até mesmo países autoritários criticaram as cenas em Brasília. Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, condenou “as ações dos instigadores de distúrbios”. Já o porta-voz do Ministério de Negócios Estrangeiros da China, Wang Wenbin, disse que o país “se opõe firmemente contra o violento ataque”.

As declarações desta semana evidenciam, de forma categórica, que as principais potências do Ocidente e os vizinhos da América Latina se preocupam com o que acontece no Brasil. O mundo vive um processo batizado de “recessão democrática”, uma expressão cunhada pelo cientista político americano Larry Diamond. Entre 1975 e 2007, o número de países democráticos aumentou de forma inédita. De lá para cá, teve início um processo de reversão. Atualmente, 38% da população global vive em países que não são considerados livres, segundo o índice da ONG americana Freedom House. Trata-se do maior percentual desde o final de década de 1990. As manifestações desde domingo são prova de que o mundo democrático não quer a saída do Brasil deste clube.

As críticas aos ataques aos prédios do Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto vindas de governos autoritários têm outra explicação. Não convém a ninguém uma crise de grandes proporções em um país responsável por uma fatia considerável das exportações globais de alimentos. Por seu tamanho e influência, o Brasil também poderia espalhar instabilidade pela América do Sul.

A responsabilidade de defender a democracia no Brasil é, e sempre será, tarefa intransferível dos brasileiros. Mas parece evidente que existe um ambiente internacional favorável. A minoria radical bolsonarista, que continua cometendo crimes, como a derrubada de torres de energia, está completamente sozinha.

Saúde precisa regularizar logo estoque de vacinas contra Covid para crianças

O Globo

Governo autorizou reforço para faixa de 5 a 11 anos, mas faltam doses para o público infantil

Compreende-se que a nova equipe do Ministério da Saúde acabou de assumir, mas é fundamental que regularize logo os estoques de vacina contra a Covid-19 para crianças de até 12 anos. Desde o início do mês, pais que levam seus filhos aos postos de saúde de grandes cidades como Rio, São Paulo e Belo Horizonte têm relatado falta do imunizante para as crianças menores, que demandam doses específicas. Para maiores de 12 anos, a não ser por problemas pontuais de logística, os estoques estão em dia.

A situação se torna mais incompreensível porque na semana passada o Ministério da Saúde autorizou a aplicação de uma dose de reforço contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos. Aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro do ano passado, ela aumenta em até seis vezes o nível de anticorpos. Até então, o reforço era recomendado para maiores de 12 anos. A decisão é bem-vinda para aumentar a proteção do público infantil, mas de nada adianta se não houver doses suficientes nos postos.

A secretária de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, admitiu a falta do imunizante pediátrico e disse que o governo está negociando com a Pfizer a antecipação da entrega de 3,2 milhões de doses para crianças de 6 meses a 4 anos e de 4,5 milhões para as de 5 a 11. No último sábado, o Ministério da Saúde afirmou ter comprado do Instituto Butantan 750 mil doses da CoronaVac para crianças de 3 a 11 anos. Um novo aditivo no contrato deverá garantir um total de 2,6 milhões de doses. São decisões acertadas, mas o vírus não espera.

Embora não integrem o grupo mais vulnerável para o novo coronavírus, as crianças acima de 6 meses precisam ser vacinadas, porque também estão expostas às formas graves da doença. Um levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que, nos dois primeiros anos da pandemia, a Covid-19 matou 1.539 crianças de até 5 anos no Brasil, sendo 599 em 2020 e 840 em 2021. Isso significa duas por dia, uma tragédia. Em 2022, com o avanço da vacinação e o declínio da pandemia, essa média caiu para uma por dia (314 vidas perdidas entre 1º de janeiro e 11 de outubro). Continua sendo um número alarmante, considerando que a vacina protege contra hospitalizações e mortes.

A regularização dos estoques e a solução dos problemas de logística são apenas algumas das muitas ações que o Ministério da Saúde precisa fazer para aumentar os níveis de cobertura. Ainda que haja doses suficientes, o governo terá de realizar campanhas para convencer pais e responsáveis a levarem seus filhos aos postos, o que não é tarefa fácil. Por questões ideológicas, o governo anterior não incentivou a imunização infantil. Sabe-se que ela é mais sensível às campanhas de desinformação que contaminam as redes sociais. Mesmo pais vacinados por vezes relutam em fazer o mesmo com seus filhos. Mas é preciso persistência. Com vacinas eficazes e seguras, já aprovadas pela Anvisa, é inaceitável que crianças morram em consequência da Covid-19.

Inflação perigosa

Folha de S. Paulo

IPCA dá margem à preocupação e evidencia que alta de gastos públicos é temerária

Com o IPCA de 5,79% divulgado nesta terça (10), o Brasil fechou 2022 com alta dos preços ao consumidor abaixo da registrada na maioria dos países desenvolvidos, o que configura evento raríssimo.
Isso ocorreu porque a onda inflacionária global impulsionada pela reação à pandemia e, depois, pela guerra na Ucrânia chegou aqui antes —marcaram-se 10,06% em 2021— e foi devidamente combatida pelos juros do Banco Central.

O cenário, no entanto, ainda suscita preocupação e exige cuidados.

A melhora do ano passado também teve ajuda importante da intervenção eleitoreira do governo Jair Bolsonaro (PL) nos tributos incidentes sobre os combustíveis, que criou um problema a ser enfrentado pelo novo governo.

Com temor de desgaste político, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prorrogou a desoneração em caráter temporário, o que foi um erro de política econômica. Escolheu-se favorecer estratos mais abonados da população, em vez de reduzir o enorme déficit no Orçamento —que, cedo ou tarde, também alimentará a inflação.

O IPCA de dezembro, de 0,62%, ficou acima do ponto médio das expectativas de analistas de mercado. A variação dos preços dos serviços, por natureza mais resistente à política monetária, ainda acumulou elevados 7,58% no ano.

A persistência inflacionária decorre do vigor da economia, que teve retomada surpreendente em 2022. Mesmo com a desaceleração atual, a diminuição da taxa de desemprego mostra-se expressiva.

Nos cálculos do IBGE, a redução da ociosidade no mercado de trabalho propiciou aumento da massa de rendimentos de 11,5% no trimestre encerrado em outubro, ante o período correspondente de 2021.

Em tal situação, é uma temeridade promover a elevação dos gastos orçamentários e do déficit público, como decidiu Lula. Os dispêndios terão impacto nos preços e manterão os juros nas alturas, sabotando a recuperação da atividade.

O ano que passou foi desastroso para países que, por covardia política ou crenças econômicas exóticas, não endureceram as ações nas áreas fiscal e monetária para o enfrentamento da inflação. Na Turquia, a alta dos preços ultrapassou os 80% em 12 meses; na Argentina, a taxa se aproxima dos 100%.

No Brasil, a atuação autônoma do Banco Central evitou o pior, mas o IPCA acima das metas por dois anos consecutivos não deixou de ter impacto doloroso sobre o bem-estar da população, sobretudo nas faixas de renda mais baixas.

Inflação elevada significa mais pobreza e desigualdade social. Juros altos significam menos emprego e consumo. Esses são os motivos fundamentais a recomendar prudência na gestão do Orçamento.

Ecos trompistas

Folha de S. Paulo

Escolha do presidente da Câmara expõe dano do radicalismo na política americana

A chama da direita populista na política ocidental pode ter arrefecido, como atestam as derrotas eleitorais de Donald Trump e de cópias como Jair Bolsonaro (PL), mas está longe de ter se apagado.

Um dia antes de a turba bolsonarista atacar os símbolos do poder federal aqui, parlamentares extremistas americanos provocavam uma crise inaudita há 164 anos no Congresso dos Estados Unidos.

Foram necessárias nada menos que 15 votações para que Kevin McCarthy, deputado republicano da Califórnia, fosse confirmado na madrugada de sábado (7) como presidente da Câmara dos Representantes. Esperava-se que o partido conservador americano elegesse o parlamentar para o posto, até então ocupado pela democrata Nancy Pelosi, por aclamação.

Afinal, na eleição de novembro os republicanos não surfaram uma esperada onda vermelha, alusão à cor associada à sigla, porém retomaram o controle da Câmara das mãos do Partido Democrata do presidente Joe Biden, com 222 eleitos —218 constituem maioria.

Assim, a indicação de seu líder, um político astuto que aproximou-se e afastou-se com traquejo dos extremistas que deram as cartas na gestão Trump (2017-2021), parecia favas contadas. Não foi.

McCarthy acabou desafiado por cerca de 20 republicanos alinhados a um grupo herdeiro do movimento radical Tea Party, que nos anos 2010 lançou as bases da tomada daquela que já foi a mais influente legenda conservadora do Ocidente.

Bandeiras vistas nos tempos de Richard Nixon na Casa Branca foram alinhadas ao sentimento de antipolítica em alta no mundo, o que contribuiu para a vitória de Trump no pleito de 2016. Entretanto, assim como seu pupilo brasileiro, o populista perdeu a eleição, contestou seus resultados e viu seguidores fanatizados depredarem a sede do Legislativo.

O ex-presidente quer voltar ao poder, mas há forte concorrência de conservadores que integram o establishment político, como o governador Ron DeSantis (Flórida) —que pode aproveitar o desarranjo do partido para vender-se como seu salvador.

Para chegar ao cargo, McCarthy fez promessas aos radicais, o que talvez atrapalhe sua prioridade de transformar a vida de Biden num inferno congressual. Para os atordoados republicanos, é sinal da perenidade dos efeitos do extremismo legado por Trump e do longo caminho até alguma normalidade

Em nome da liberdade, a barbárie

O Estado de S. Paulo.

Golpistas do 8 de janeiro escancararam as contradições do bolsonarismo.

Ao agredirem jornalistas e destruírem obras de arte, os golpistas do 8 de janeiro escancararam uma vez mais as contradições do bolsonarismo. Não há liberdade sem respeito à lei

O bolsonarismo diz agir em defesa da liberdade de expressão, mas não perde a oportunidade de ameaçar e agredir jornalistas. Foi assim durante a invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) no domingo. O mesmo se repetiu nas recentes desocupações de acampamentos em frente a quartéis. Eis uma flagrante contradição: os pretensos defensores da liberdade de expressão atuam contra a liberdade de imprensa.

Levantamento preliminar da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) identificou 26 casos de violência contra profissionais da imprensa em menos de 48 horas, entre domingo e segunda-feira, em diferentes cidades do País. Como noticiou o Estadão, repórteres e fotógrafos que cobriam os atos golpistas em Brasília foram atacados com chutes, socos e empurrões, além de terem equipamentos destruídos ou roubados.

No Twitter, a jornalista Marina Dias, que fazia a cobertura para o jornal norte-americano The Washington Post, contou ter sido perseguida até a garagem do Ministério da Defesa, na Esplanada dos Ministérios. “Fui cercada, chutada, empurrada, xingada. Quebraram meus óculos, puxaram meu cabelo”, contou. Outro profissional do jornal O Tempo fez um relato estarrecedor: disse ter sido “detido” por cerca de meia hora por golpistas que haviam invadido o Senado, com uma arma apontada para a cabeça e outra às costas. Contou ter levado tapas no rosto, além de ter o dinheiro da carteira roubado.

Desde o fim do segundo turno das eleições até a véspera dos atos golpistas, o monitoramento feito pela Abraji, em parceria com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), havia registrado outros 78 casos de hostilidades e agressões a profissionais da imprensa. Ora, cada episódio de intimidação e violência contra jornalistas atinge toda a sociedade, em tentativa de subtrair o direito fundamental à informação.

A hostilidade à imprensa, é bom lembrar, não tem cor partidária nem se restringe a um lado do espectro ideológico. No caso do bolsonarismo, porém, ofensas e agressões a jornalistas viraram uma espécie de modus operandi, como se fosse uma forma a mais de manifestação política: o desprezo pelos fatos é também desprezo e perseguição contra quem tem, por profissão, de apurar e relatar os fatos. Chama a atenção que justamente quem levanta a bandeira da liberdade de expressão queira calar − com intimidações, ofensas e, não raro, com murros e pontapés − a voz da imprensa livre. É notório que o número de relatos de violência contra jornalistas cresceu durante o governo de Jair Bolsonaro, ele próprio um crítico contumaz do trabalho da imprensa.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) condenou “veementemente” os crimes contra a democracia e contra jornalistas no exercício de suas atividades no dia 8 de janeiro em Brasília. “A liberdade de imprensa é inerente ao Estado Democrático de Direito, que não pode tolerar ou conviver com a baderna e o vandalismo”, disse a ANJ.

Não há sociedade livre sem liberdade de imprensa. Não há democracia sem liberdade de imprensa. E pode-se dizer igualmente: não há sociedade livre sem lei, não há democracia sem lei. Aqueles que almejam impor sua vontade desrespeitando a lei e a liberdade de imprensa nada constroem, como mostram os atos de domingo em Brasília.

Assim como não se defende a causa da liberdade com violência e agressão, a bandeira do patriotismo não é levantada por meio da destruição do patrimônio público. As cenas de vandalismo nas sedes dos Três Poderes são a antítese da defesa da Pátria. Não há patriotismo onde viceja o desrespeito à lei e à ordem.

É uma total contradição: pessoas cobertas com a Bandeira Nacional destruíram obras de arte que fazem parte da história do Brasil. A pintura Mulatas, de Di Cavalcanti, sofreu seis golpes de instrumentos perfurantes. Outras muitas obras foram danificadas e roubadas durante os atos de vandalismo. É uma contradição, mas é também, não há como negar, um fiel retrato do bolsonarismo: em nome da liberdade, a barbárie, em suas mais variadas formas.

O respeito à Petrobras no governo Lula

O Estado de S. Paulo.

Lula tem a oportunidade de demonstrar nova compreensão sobre papel da Petrobras. Transição energética impõe dilemas, mas empresa mostrou que sabe caminhar com os próprios pés

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva herdou problemas de ordem política, econômica e social, cujas soluções demandam negociações intensas e decisões difíceis na busca do restabelecimento da normalidade e da paz. Nesse continente de adversidades, a Petrobras figura como uma ilha. O último prejuízo anual da Petrobras foi registrado em 2017, e não há qualquer segredo na estratégia que reverteu os péssimos resultados registrados até então. Bastou priorizar investimentos em exploração de petróleo em águas profundas, atividade em que a companhia tem protagonismo mundial, abrir mão de ativos que não faziam parte do negócio principal e, sobretudo, abandonar a política de controle de preços de combustíveis.

Consolidada como uma das grandes produtoras mundiais de óleo e gás, a Petrobras é uma das maiores pagadoras de impostos do País e gera milhares de empregos diretos e indiretos. No terceiro trimestre de 2022, o lucro líquido da Petrobras foi de US$ 8,8 bilhões. Já a dívida bruta atingiu US$ 54,3 bilhões, menos da metade do pico registrado em 2015. É evidente que a Petrobras tem seus desafios, mas, quase sempre, eles estão vinculados a questões políticas.

Usada como instrumento de combate à inflação por governos petistas, a Petrobras acumulou um prejuízo de R$ 180 bilhões por não repassar a variação das cotações internacionais do petróleo ao mercado interno. Sem subestimar os efeitos pernósticos da corrupção, os desvios descobertos nas investigações da Operação Lava Jato levaram ao reconhecimento de perdas bem mais modestas, em torno de R$ 6,2 bilhões.

A Petrobras não passou ilesa de turbulências no governo Michel Temer. O congelamento de preços foi substituído por reajustes diários, apontados como o gatilho da greve de caminhoneiros que paralisou o País em 2018. Para debelar o movimento, o governo teve de criar um ineficiente subsídio para o diesel. Como tudo no governo Jair Bolsonaro, a Petrobras se tornou alvo – não por seus defeitos, mas por suas virtudes. No auge do desespero eleitoral bolsonarista, até o lucro recorde da companhia foi criticado, e o ex-presidente trocou o comando da companhia até encontrar quem aceitasse segurar os reajustes de combustíveis.

O governo Lula tem a oportunidade de demonstrar uma nova compreensão a respeito do papel da Petrobras. Indicado para o comando da empresa, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) é especialista no setor. Um dos marcos de seu mandato foi a defesa da regulamentação do marco da energia eólica offshore, flanco que tem sido explorado por petroleiras no exterior de olho na transição energética. Se o mundo caminha para a descarbonização da economia, também é verdade que ainda dependerá do petróleo por mais tempo do que almejava. Isso impõe dilemas para países e empresas, algo que sempre se confunde em se tratando da Petrobras.

O governo é um dos maiores sócios da empresa, mas a petroleira não pode prescindir dos acionistas privados para financiar seus projetos. Ao mesmo tempo que o País é importador líquido de combustíveis, um obstáculo para a meta de “abrasileirar” os preços dos combustíveis, investimentos em novas refinarias não se mostram rentáveis no longo prazo. O futuro da Petrobras passa por aproveitar sua posição e expertise no setor de óleo e gás para ampliar sua inserção no segmento energético, palco de verdadeiras revoluções nos últimos anos e que requer investimentos vultosos e a confiança dos investidores.

Além disso, as violentas manifestações golpistas do último domingo reforçam a necessidade de o governo centrar esforços na tarefa de pacificação do País. Não é hora de apostar em políticas intervencionistas testadas e reprovadas, em controle artificial de preços e em projetos que drenam recursos sem gerar lucratividade. A Petrobras deu provas suficientes de que sabe responder aos desafios que surgem ao longo de sua história. Nesse sentido, o governo Lula fará bem se, abdicando de interferências populistas, permitir que a companhia caminhe com os próprios pés.

Prosperidade salva o meio ambiente

O Estado de S. Paulo.

Para proteger a biodiversidade, leis de preservação são tão importantes quanto ganhos de produtividade 

A população de baleias jubarte no Brasil, que esteve ameaçada de extinção, está perto de se recuperar totalmente. O primeiro registro do Instituto Baleia Jubarte, em 2003, estimava cerca de 3 mil baleias em águas brasileiras. Em 2022, foram registradas 25 mil, número próximo ao de 200 anos atrás, quando a população estava entre 27 mil e 30 mil.

A história da recuperação das jubartes ainda é relativamente excepcional no drama global da degradação ambiental, mas ela deveria ao menos ajudar a dissipar um pouco da atmosfera fatalista que vem imperando na consciência popular. Como os ambientalistas alertam cada vez mais, a perda da biodiversidade é real, e traz riscos tão grandes para a humanidade e a natureza quanto as mudanças climáticas, às quais ela está inter-relacionada. Mas, com inteligência e boa vontade, esse é um problema que pode ser revertido.

Ocorre que boa parte do ativismo ambiental, com a melhor das intenções, muitas vezes obnubila as soluções, ao sugerir um antagonismo entre o mundo humano e o natural, como se a prosperidade humana fosse necessariamente incompatível com a preservação ambiental. Há razões históricas para pensar desse modo. Mas o presente mostra que o futuro não precisa ser assim.

Os mamíferos selvagens são um exemplo. Com efeito, desde os tempos pré-históricos a relação dos humanos com eles foi uma espécie de jogo de soma zero: para se alimentar, primeiro, os humanos os destruíram diretamente, pela caça; depois, indiretamente, destruindo seus habitats com a expansão das terras agrícolas.

Mas pela primeira vez na história da humanidade há a oportunidade de reverter essa lógica. Cada vez mais os humanos são capazes de produzir mais comida empregando menos terras.

Não são os vetores da prosperidade, como a economia de mercado ou a tecnologia, que destroem o meio ambiente. Ao contrário, eles o salvam. Os dados mostram que, em geral, os países que enriquecem revertem o desmatamento, desaceleram a perda de espécies e revertem o declínio de algumas delas, precisamente porque tecnologias agrícolas e ganhos de produtividade permitem cultivar mais com menos terras, preservando espaços para a vida natural. Se a população de lobos está crescendo no mundo, a de leões está decrescendo e a de tigres está estável, é porque os tigres estão majoritariamente em países de renda média; os leões, em países pobres; e os lobos, em países ricos. Assim como os lobos, muitos mamíferos na Europa experimentaram um forte crescimento nos últimos 50 anos.

Sem dúvida, para espécies à beira da extinção, leis de preservação e estratégias de recuperação são indispensáveis. No caso das jubartes, a caça foi proibida em 1987 e cuidados especiais foram tomados para conservar áreas de acasalamento – como o “berçário” de Abrolhos, na Bahia. No entanto, é mais fácil executar essas leis e estratégias quando inovações tecnológicas e de produtividade reduzem a necessidade de comunidades humanas de explorar extensas zonas e recursos naturais para sobreviver e prosperar.

Sem saídas fáceis para crise do endividamento elevado

Valor Econômico

Governo deve fugir da tentação de outras gestões do PT de estimular o crédito a qualquer custo

O endividamento elevado das famílias brasileiras está assustando o novo governo, mas é uma crise previamente anunciada. Desde 2021, a dívida das famílias vem se avolumando, na esteira da elevação da taxa básica de juros, e ganhou impulso no ano passado, com a alta da inflação. Virou até tema da campanha eleitoral e agora é uma prioridade dos cem primeiros dias do governo de Lula. Como explicou sem rodeios o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, antes mesmo de assumir, quando a pessoa sai dos cadastros restritivos de crédito, ela volta ao mercado de consumo e põe a roda da economia para girar.

Os dados mais recentes mostram o tamanho do problema. A inadimplência média das pessoas físicas nos bancos, medida pelos atrasos acima de 90 dias, atingiu 5,9% nas operações com recursos livres, segundo dados de novembro, os mais recentes do Banco Central (BC). Mas chega a 44,2% no rotativo do cartão de crédito, a 12,5% no cheque especial e a 7,7% no crédito pessoal. O endividamento das famílias com operações de crédito no sistema financeiro atingia metade das famílias em outubro, resultando em um comprometimento de 28,2% da renda mensal.

As pessoas não se endividam apenas no guichê dos bancos, mas também com as mensalidades das escolas, dos serviços públicos e no comércio. De acordo com levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), a inadimplência desse ponto de vista mais amplo chegou a novo recorde em novembro, com quatro em cada dez brasileiros adultos (40,43%) negativados - o equivalente a 65,53 milhões de pessoas, o maior número da série histórica, que existe há oito anos.

Estudo do banco Goldman Sachs com dados da Serasa coloca o problema em valores e calcula que as dívidas não bancárias dos brasileiros chegam a R$ 172 bilhões, levando em conta varejo e serviços públicos, dos quais metade de pessoas de baixa renda. Já as dívidas bancárias vencidas como cartão de crédito pessoal e cheque especial somam R$ 88 bilhões, dos quais pouco menos da metade nas mãos de pessoas que ganham menos de três salários mínimos.

O resgate recorde de R$ 103,2 bilhões da poupança e de R$ 162,9 bilhões dos fundos de investimento em 2022 completam o quadro uma vez que certamente parte desses recursos foram para saldar dívidas.

Uma preocupação especial do governo Lula é com a inadimplência que aflige as pessoas que receberam o Auxílio Brasil no ano passado e cederam à atração de tomar crédito consignado baseado nesses recursos, oferecido pelo então governo de Jair Bolsonaro, em plena campanha para atrair votos. Poucos bancos privados aderiram à operação, considerada de alto risco dada a vulnerabilidade da população alvo do Auxílio Brasil e à falta de previsão de duração do benefício. A Caixa, instituição pública, foi a principal fornecedora dos recursos e cobrava 3,45% ao mês, mais do que as linhas de consignado para aposentados e servidores públicos. A linha foi suspensa logo após a vitória de Lula nas eleições. Segundo o ministro do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, 3,5 milhões de pessoas tomaram um total de R$ 9,5 bilhões pelo consignado do Auxílio Brasil.

Para tentar amenizar o problema o novo governo está tentando pôr em pé o programa Desenrola, que começou como promessa de campanha dirigida aos endividados do Auxílio Brasil e agora pretende beneficiar até pequenas empresas e atrair os bancos privados para a missão. O ministro Wellington Dias fala em 80 milhões de beneficiados em potencial. Vários ministérios estão envolvidos nas discussões.

Há mais dúvidas do que certezas a respeito do programa, a começar pelo seu alcance (Valor 5/1). Um fundo garantidor cobriria as dívidas não bancárias; e as bancárias teriam como contrapartida para estimular a renegociação uma redução no compulsório dos bancos. Mas isso depende de convencer o Banco Central, uma vez que pode ter implicações na política monetária e, em consequência, no combate à inflação.

Já o governo, como disse o ministro Flávio Dino, quer animar a economia. É preciso, no entanto, fugir da tentação de outras gestões do PT de estimular o crédito a qualquer custo, com consequências negativas para a inflação. Outro desafio é reduzir o endividamento em cenário como o desenhado para este ano, de economia em desaceleração, inflação ainda elevada e juros altos, fatores que também comprometem o poder de compra das famílias.

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