quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Fernando Exman - Infraestrutura crítica e terrorismo no Brasil

Valor Econômico

Há indícios de sabotagem em diversos setores

A gravidade dos atos terroristas contra o coração da República já era mais do que óbvia no início da noite de domingo, quando a Federação Única dos Petroleiros divulgou uma nota alertando que atuação de bolsonaristas radicais poderia ir além. Havia movimentações no sentido de impedir o fornecimento de combustíveis à população, dizia a FUP.

Nas últimas horas, surgiram indícios de que algo estranho também ocorreu no setor elétrico. Importantes torres de transmissão caíram. Ou foram derrubadas. Há sinais de vandalismo. Semanas antes, um caminhão-bomba foi encontrado - e neutralizado - perto do aeroporto de Brasília.

Investigações precisam apontar se há uma conexão entre esses episódios. Já é possível dizer, contudo, que no limite, se todas essas ações tivessem alcançado seus objetivos, os danos à economia e ao tecido social brasileiro seriam gravíssimos. Isso, claro, sem falar nas incontáveis vítimas que poderiam ter provocado.

Na nota divulgada no domingo, a FUP disse ter entrado em contato com o serviço de inteligência e segurança corporativa da Petrobras, com o presidente da empresa indicado pelo governo Lula, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), e com órgãos federais da área de segurança pública. Alertou para possíveis atos golpistas em refinarias da companhia em todo o país.

Um dos primeiros seria contra a Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro. Não demorou para que a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a qual nos últimos anos alinhou-se ao bolsonarismo e agora corre para recuperar a sua imagem, confirmasse que estava no local com outras forças de segurança. Havia uma ocorrência em andamento.

Outras refinarias também estavam na mira dos golpistas. Em Minas Gerais, o policiamento era reforçado em Betim, onde se encontra a Refinaria Gabriel Passos (Regap). A Petrobras, por sua vez, assegurava que as refinarias operavam normalmente e eram tomadas todas as medidas preventivas de proteção, conforme procedimento padrão.

Diante da gravidade do caso, o próprio ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, decidiu manifestar-se publicamente. Por meio de nota, informou que a pasta, em articulação com outras instituições, garantia “a normalidade do abastecimento nacional de combustíveis e o funcionamento adequado de refinarias, terminais e bases de distribuição”. E complementou: “Além de monitorar o status de protestos nessas estruturas, seguimos atentos e em articulação com outras pastas e Estados para assegurar o suprimento”.

Não é para menos. A história recente do país mostra o potencial estrago social, político e econômico que uma falta de combustíveis pode causar.

Conforme detalhou nessa terça-feira reportagem produzida pela sucursal do Rio do Valor, caso tivessem sucesso em suas movimentações, os bolsonaristas radicais poderiam, bloquear o acesso a refinarias e restringir o suprimento de combustíveis no país. A maior parte do diesel consumido no Brasil tem como origem justamente as refinarias nacionais. O que vem do exterior abastece principalmente as regiões Norte e Nordeste, e o diesel tem se tornado um produto mais escasso desde o início da guerra na Ucrânia no mercado internacional.

Tudo indica que a audácia dos terroristas foi além. Os repórteres Robson Rodrigues e Fábio Couto, também do Valor, revelaram que um boletim do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) registrou quedas de torres de transmissão em três pontos diferentes do país. Apesar dos danos, o abastecimento de energia não foi afetado.

Refinarias, aeroportos e linhas de transmissão de energia. Esse tipo de ativo tem nome e sobrenome na bibliografia que trata dos temas de inteligência e segurança nacional: infraestrutura crítica. Traduzindo, são instalações, serviços e bens que, se interrompidos ou destruídos, podem provocar grave impacto social, econômico ou político, além de dano à segurança nacional.

A proteção de infraestruturas críticas tornou-se uma prioridade de grandes potenciais mundiais depois dos atentados realizados nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. No Brasil, o tema ganhou evidência em 2006 por causa dos ataques executados por uma facção criminosa em São Paulo.

O resultado dessa tendência foi a construção, nos anos seguintes, de um arcabouço legal sobre o tema. Em 2020, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um decreto estabelecendo a Estratégia Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas. Pelo ato, o trabalho de identificação e análise desses potenciais alvos ficou a cargo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), área que passa por uma reestruturação desde a troca de governo.

Esse trabalho teve início nas áreas de comunicações, energia, transportes, finanças e águas. Tudo em parceria com outros órgãos públicos e entes privados.

Podem-se destacar trechos interessantes dos documentos oficiais que abordam essa temática. Um deles, a “Estratégia Nacional de Inteligência”, diz que entre as ações contrárias ao estado democrático de direito estão os atos que atentem contra o pacto federativo, o bem-estar e a saúde da população, o pluralismo político e as infraestruturas críticas do país. São citados também atos ou atividades que representem risco aos preceitos constitucionais relacionados à integridade do Estado.

Quando se descreve o conceito de “sabotagem”, anota-se que esta é a ação deliberada, com efeitos físicos, materiais ou psicológicos para destruir, danificar, comprometer ou inutilizar “instalações ou sistemas logísticos, sobretudo aqueles necessários ao funcionamento da infraestrutura crítica do país”.

Os estragos materiais e imateriais produzidos pelos extremistas estão feitos. Uma maior articulação intersetorial do governo poderia, sim, ter evitado o pior. Mas as instituições reagiram de forma firme e tempestiva: mostraram que não se deixarão subjugar por uma minoria radical. Terroristas. A partir de agora, as instituições precisam avançar rápido com as investigações, desvendar o que de fato ocorreu e levar os responsáveis a julgamento.

 

4 comentários:

Anônimo disse...

Acho que temos aqui uma análise sensata sobre terrorismo, sim. Parabéns ao colunista e ao blog que nos apresenta o trabalho dele!

Anônimo disse...

Lula e o PT tiveram uma grande vitória, que lhes caiu no colo por causa da burrice adversária. Mas..., perguntar não ofende: se a FUP sabia "das coisas" em gestação, Lula e o PT também sabiam...

Anônimo disse...

Cuidadosa e detalhadamente ("...o trabalho de identificação e análise desses potenciais alvos ficou a cargo do...") Exman ofereceu a indicação precisa do rastro a seguir

ADEMAR AMANCIO disse...

Fernando Exman sabe das coisas.