Democracia tem de se blindar contra o terrorismo de direita
Valor Econômico
O núcleo radical bolsonarista pretende cumprir suas inteções e não pode mais ser tratado como algo inofensivo
Não foi um raio em céu azul a invasão e a depredação ontem, por milhares de radicais bolsonaristas, do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto. A manutenção de acampamentos por longo tempo em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, serviu de base para um triplo ataque físico contras as instituições democráticas, inédito na história republicana. O governo decretou intervenção no Distrito Federal restrita à segurança pública, sem enfrentar de imediato a negligência ou conivência do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
Não surpreende que a invasão das sedes dos Poderes tenha sido realizada por golpistas que pedem, desde a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de outubro, uma intervenção militar. Avisos e correntes no WhatsApp indicavam há tempos que isso estava sendo planejado. Surpreende a falta de reação do aparato da Polícia Militar do DF, a quem cabe cuidar da segurança de Brasília, e que foi escandalosa.
No seu comando está Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e radical bolsonarista. Sua exoneração pós-fato deu razão à intenção do ministro da Justiça, Flavio Dino, de impedir que ele retornasse ao cargo no DF, ao assinar portaria na quinta-feira que impede que servidores federais sejam cedidos caso respondam a processos criminais ou administrativo, caso de Torres. Ibaneis fez-se de mudo diante da sugestão para a demissão de Torres até ontem, quando a força dos elementos desencadeados já produzira efeitos destrutivos na ordem política.
Descaso para com o que poderia ocorrer também aconteceu com o comando das Forças Armadas. Acampamentos diante do QG do Exército, jamais tolerados pelos militares em qualquer situação, ainda mais por tanto tempo e com tanta gente, não foram molestados, apesar de pedirem intervenção militar e fim da democracia, bandeiras de fascistas empedernidos que são claramente inconstitucionais. Houve indícios de que neles urdia algo bem mais sério que um lamento grotesco de perdedores nas urnas.
George Washington de Oliveira, preso antes de colocar um bomba nas imediações do Aeroporto de Brasília no fim do ano, não só indicou que seus planos foram arquitetados por mais gente que se concentrava à frente do Exército, como também a estratégia manjada de direitistas violentos: criar o caos e provocar a tão desejada intervenção armada.
Desmobilizar a tropa radical bolsonarista também provocou atritos entre o ministro da Justiça e o da Defesa, José Múcio. Como já haviam dito os militares, em nota oficial, Múcio repetiu o mantra de que as manifestações eram democráticas, ainda que o verdadeira ato democrático tenha se dado nas urnas e que as bandeiras que reuniam os radicais fossem inconstitucionais. Dino exigiu providências mais duras - em retrospecto, tinha razão.
Dessa forma, com autoridades abdicando da responsabilidade de impedir que radicais de direita fizessem o que se sabia planejado, vândalos colocaram a capital federal a sua mercê por horas. Marcharam por toda a Esplanada dos Ministérios sem serem incomodados, como se fossem realizar uma gincana inocente. Cenas da TV mostram PMs de Brasília observando inertes a malta, mesmo depois que ela já tinha, com a tripla invasão, mostrado a que veio. E ainda após a intervenção da polícia para desmobilizar direitistas radicais, chamou a atenção o mesmo que ocorreu na madrugada de incêndios na cidade no dia em que Lula foi diplomado: não havia prisões.
Os atos radicais acenderam um alerta no governo. Lula fez um decreto pela intervenção no DF e pediu “punição exemplar” aos policiais coniventes com a arruaça, aos criminosos que dela participaram e aos que bancaram a algazarra fascista. Além disso, e não menos relevante, está a constatação de que a organização de protestos de radicais bolsonaristas não é algo exótico, como suas crenças. O núcleo radical fala sério e está disposto a cumprir suas intenções. Não pode mais ser tratado como algo inofensivo.
Ainda que Bolsonaro tenha desistido de governar logo após a derrota e tenha se refugiado perto da Disney World, sua omissão em relação às viúvas radicais de seu autoritarismo o coloca como cúmplice do vandalismo de ontem. As instituições têm um motivo a mais para examinar com atenção os processos contra ele - 15 no Tribunal Superior Eleitoral e 70 no STF.
O Globo
Intervenção federal no DF foi justificável
diante da violência, mas precisa ser pontual e limitada
A intervenção federal decretada pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva no governo do Distrito Federal pode ser
justificável diante dos ataques terroristas inaceitáveis às sedes dos Três
Poderes em Brasília. Mas é preciso que se limite a restabelecer a ordem, do
contrário servirá apenas para acirrar ainda mais os ânimos no país e agravar um
quadro político cuja complexidade se tornou o maior desafio do governo que
acaba de assumir o poder.
É evidente que a inação do governo do DF diante dos acampamentos golpistas montados em protesto contra a vitória de Lula criou condições para o movimento crescer. A reação tíbia da polícia permitiu que Brasília vivesse cenas que lembram os ataques ao Capitólio em Washington, em 6 de janeiro de 2021. Terroristas depredaram o Palácio do Planalto, a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. É fundamental que os responsáveis sejam presos, julgados e punidos nos termos da lei. Um regime democrático não pode tolerar ataques violentos contra suas instituições.
O governador do DF, Ibaneis Rocha, que dera
guarida ao ex-ministro da Justiça Anderson Torres em seu secretariado após a
derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro, teve de demiti-lo poucos dias depois,
dadas as evidências de que a polícia brasiliense, sob comando de Torres, não se
preparou para debelar o movimento golpista e fez corpo mole diante dos ataques.
Em todos os estados, cabe à polícia, e não aos militares, zelar pela ordem e
conter a violência. Por isso é preciso investigar a leniência de Ibaneis e de
Torres, em viagem nos Estados Unidos num momento da maior gravidade.
Ao mesmo tempo, é essencial ter cautela ao
associar automaticamente autoridades do antigo governo ao golpismo. Toda medida
judicial deve ser tomada com base na lei e em investigações conclusivas, para
que não seja interpretada apenas como ato de vingança política. O pedido da
Advocacia-Geral da União (AGU) pela prisão de Torres precisa ser examinado com
isenção e serenidade pela Justiça.
É evidente que conspirações golpistas que
contestem os resultados legítimos das eleições de outubro devem ser coibidas e
desarmadas de imediato. Manifestações pacíficas de apoio ao ex-presidente
precisam, em contrapartida, ser toleradas. Democracia é, por definição, o
convívio com opiniões divergentes, e a maior parte dos eleitores de Bolsonaro
não se identifica com o terrorismo visto neste domingo.
Para as autoridades, a prioridade é recobrar o controle dos edifícios públicos, deter os responsáveis e processá-los. Investigações ágeis precisam apontar os mentores da violência, e, estando comprovada a cumplicidade de políticos ou autoridades com o golpismo, eles também devem ser processados e punidos. Mas é preciso toda a cautela para que os atos do novo governo não sejam motivados politicamente ou pelo desejo de vingança, que só contribui para acirrar ainda mais as divisões e alimentar o golpismo.
É urgente priorizar metas para impulsionar
o agronegócio
O Globo
Setor estratégico da economia brasileira
precisa de política ambiental e de inovação
Entre as metas do governo federal para o
agronegócio, duas precisam estar no topo das prioridades: as questões ambiental
e a da inovação. Falta de visão estratégica para o setor, inépcia na execução
dos objetivos ou puro e simples preconceito com os empreendedores do campo
serão prejudiciais ao país como um todo.
O agro brasileiro é um dínamo. Responde por
45% das exportações e 25% do PIB. Diferentes previsões, até as feitas por
governos estrangeiros, apontam que a participação do Brasil no comércio mundial
de alimentos continuará crescendo na próxima década. Por isso a necessidade de
o governo fazer a sua parte.
Na questão ambiental, existe convergência
entre a agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as metas do segmento
mais moderno do agronegócio, também interessado na preservação ambiental para
evitar retaliações de competidores na área comercial.
Combater, de forma implacável, o
desmatamento ilegal deverá ser prioridade, especialmente na Amazônia. Ao mesmo
tempo, será preciso coordenar e fortalecer a implementação do Código Florestal
pelos estados de todas as regiões do país. Aprovada pelo Congresso em 2012, a
lei busca conciliar a proteção da vegetação nativa e a produção agropecuária.
Para se adequarem à legislação, os produtores precisam entrar num cadastro, e
os governos estaduais avaliar as informações.
Passados dez anos, somente 12% dos cadastros
passaram por análise, e 2% foram concluídos. Sem a coordenação do governo
federal, é difícil imaginar que haverá progresso no ritmo necessário. Ainda
ligado à pauta do aquecimento global, o novo governo faria bem se examinasse
como poderá incentivar o setor privado a elevar o número de propriedades
cobertas com seguro contra problemas climáticos. Entre os pequenos e grandes
produtores há um percentual maior com proteção, mas existem grandes segmentos à
mercê dos humores do tempo.
No front da inovação, o objetivo deve ser
levar a conectividade para o campo. O crescimento da produtividade do
agronegócio brasileiro é espantoso. De 2000 a 2019, o avanço foi de 3,18% ao
ano, um dos maiores do mundo. Para continuar nessa toada, os produtores de
padrão médio precisam estar conectados e aptos a receber serviços digitais e de
geolocalização (os grandes têm recursos e já estão on-line). A digitalização do
campo não beneficiaria apenas os agricultores e pecuaristas. O Brasil tem
avançado na criação de startups tecnológicas voltadas para o setor primário.
Além de ajudar, o governo não pode criar problemas. Setores da esquerda flertam com a ideia de um imposto sobre as exportações, esquecendo que nossos competidores não apenas são isentos, como recebem gordos subsídios. Vale lembrar que a Argentina decidiu taxar as exportações e deu no que deu.
Punhado de idiotas
Folha de S. Paulo
Líderes da malta golpista de Brasília
precisam ser punidos no limite da lei
O punhado de imbecis criminosos que
vandalizou prédios da cúpula dos três Poderes em Brasília não conta com o apoio
da imensa maioria da sociedade brasileira, que endossa os valores democráticos
e respeita o resultado das urnas.
Sua causa, um golpismo tacanho, não dispõe
de respaldo político entre as forças legitimamente eleitas e representadas no
Parlamento. Vociferam em nome de si mesmos e, quando muito, de um ex-presidente
que se escafedeu em silêncio para o exterior.
Os celerados talvez acreditem que atacar
monumentos de concreto, esvaziados num domingo, signifique alguma conquista sinistra.
Na realidade, apenas manifestam covardia, estupidez e espírito de manada. As
instituições do Estado de Direito, que se fortalecem há quatro décadas, estão a
salvo da boçalidade de poucos vândalos.
A capital federal já foi palco de protestos
violentos, do badernaço de 1986 às jornadas de 2013. Nunca antes, porém,
manifestantes chegaram com tal ferocidade aos interiores de palácios, e por
motivo tão vil. Afrontam a democracia, perturbam a paz e depredam patrimônio
público por nada além de terem suas taras rejeitadas pela maioria dos
concidadãos.
A marcha dos idiotas será em um futuro
próximo apenas um parágrafo vexatório da história do país. Não pode, no
entanto, ser minimizada agora. O que fizeram os arruaceiros de Brasília, por
patéticos que se mostrem, foi gravíssimo.
Os líderes da malta devem ser
identificados, investigados e punidos nos limites máximos da lei. Eventuais
financiadores e apoiadores instalados em cargos públicos, idem, com agravantes.
A desídia das forças de segurança, em
particular do governo do Distrito Federal, é indesculpável e merece apuração
rigorosa. O governador Ibaneis Rocha (MDB), um bolsonarista dissimulado,
exonerou o secretário responsável, Anderson Torres, ex-ministro e sabujo de
Jair Bolsonaro (PL). É pouco.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
decretou intervenção federal na segurança brasiliense, o que a esta altura não
pode ser considerado um despropósito. Restam grupelhos acampados em frente a
quartéis; deve-se supor que parte dos energúmenos tenha acesso a armas e nenhum
escrúpulo.
O trabalho de desmobilização dos bandos
precisa ser conduzido com inteligência e sem hesitação. O governo, que dispõe
dos meios para tanto, deveria abster-se de proselitismo político na tarefa.
Cumpre demonstrar à população que a normalidade
democrática está e será preservada, a despeito de rosnados de minorias raivosas
que imitam os derrotados do Capitólio americano. O país tem problemas mais
importantes a enfrentar.
Câmeras ficam
Folha de S. Paulo
Governo de SP revela insensatez ao titubear
sobre programa de segurança eficaz
Em menos de uma semana da nova gestão
paulista, surge divergência sobre um programa da área de segurança pública que
deveria estar superada, dado sua eficácia: o "Olho Vivo", que
instalou câmeras nos uniformes policiais em 2020.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), desautorizou, na quinta-feira (5), o seu secretário da
Segurança, Guilherme Murano Derrite (PL), um dia após o
titular da pasta dizer que iria "rever o programa" de câmeras
corporais. Mesmo descartando "desalinhamento" com sua
equipe, Tarcísio acertou ao enfatizar que não haverá alteração.
Trata-se de um avanço em relação ao
titubeio durante a campanha eleitoral ao governo do estado no ano passado. O
então candidato primeiro afirmou que retiraria os aparelhos, mas, após receber
críticas, recuou da posição e disse que o sistema seria reavaliado com
especialistas —não sem deixar de defender que os dispositivos, em sua visão,
atrapalham o trabalho da polícia.
Contudo essa perspectiva cética não possui
respaldo estatístico. Entre junho e dezembro de 2021, o número e cidadãos
mortos em confrontos com a PM caiu 36%, em comparação com o mesmo período de
2020. Nos batalhões
que implantaram a tecnologia de gravação nas fardas, a queda chegou a
impressionantes 85%. Ademais, ainda em 2021, foi registrado o menor
índice de policiais mortos em serviço nos últimos 30 anos.
Portanto o consenso, a partir dos dados
coletados, é que as câmeras devem ficar. O que resta a debater é a melhoria da
implementação.
Tanto o governador quanto o secretário de
Segurança apelam com frequência à necessidade de estudos para reavaliar o
programa, o que é um avanço. Entretanto a retórica aparentemente esclarecida
não pode ignorar as evidências empíricas já verificadas.
Em vez de promover idas e vindas no
discurso sobre políticas que já se mostraram eficazes, o governo deveria
investir tempo e recursos na ampliação e no monitoramento do "Olho
Vivo".
A experiência internacional e de outros
estados revela que câmeras nos uniformes policiais, longe de serem uma
panaceia, apenas funcionam no longo prazo se acompanhadas de protocolos sobre
uso e armazenamento dos dados, bem como inclusão das imagens no treinamento
contínuo dos agentes. Esta, sim, é uma agenda que seria mais útil à população
paulista.
Intolerável assalto à democracia
O Estado de S. Paulo.
Um a um, os golpistas que se insurgiram
contra a ordem constitucional em Brasília, assim como os que lhes dão apoio
político, material e financeiro, devem ser punidos de forma exemplar
Os golpistas e os que lhes dão apoio devem
ser punidos de forma exemplar.
É estarrecedora a facilidade com que
baderneiros que não se conformam com a derrota de Jair Bolsonaro na eleição
passada invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília na tarde
de domingo, no maior ataque à democracia brasileira desde o fim da ditadura
militar.
Só há uma explicação para isso: a leniência
das chamadas autoridades para identificar e punir os golpistas desde os
primeiros crimes que cometeram após a confirmação da vitória do presidente Lula
da Silva. Não foram poucas as oportunidades para que agentes do Estado fizessem
valer as leis e a Constituição do País. Cada um desses agentes, no limite de
sua responsabilidade, há de responder pela prevaricação perante a Justiça.
Ao que parece, uma malta de bolsonaristas
só conseguiu tomar de assalto o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o
Supremo Tribunal Federal porque conta com aliados muito poderosos, a começar
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o maior responsável pela intentona. Ora, o
País não assistiria atônito àquelas cenas de violência na capital federal caso
os golpistas não tivessem recebido apoio político, material e financeiro para
fazer o que fizeram.
Acoitado na Flórida, incapaz de se curvar
ao princípio mais comezinho da democracia – a transferência pacífica de poder
–, Bolsonaro jamais emitiu uma palavra que pudesse ser entendida por seus
radicais como uma ordem de desmobilização e respeito à Constituição e à
supremacia da vontade popular. Ao contrário: desde a derrota, o ex-presidente
abusou de meias palavras e insinuações para açular seus camisas pardas em uma
escalada de violência que culminou na tentativa de golpe ocorrida em Brasília.
Sabe-se agora que aquele quebraquebra
promovido por bolsonaristas no dia da diplomação de Lula da Silva e Geraldo
Alckmin pelo Tribunal Superior Eleitoral foi apenas uma espécie de ensaio geral
para a intentona. Aparentemente, o objetivo final dos insurgentes, segundo sua
lógica doidivanas, era promover uma desordem tal que levasse as Forças Armadas
a intervir, restituir a Presidência a Bolsonaro e prender o presidente Lula da
Silva. Nada menos.
Que haja amalucados no País capazes de
conceber uma urdidura dessa natureza já é lamentável por si só. Mas ainda pior
é saber que eles contam com o apoio, expresso ou tácito, de autoridades e líderes
políticos.
Assim como Bolsonaro, as Forças Armadas
jamais emitiram uma ordem firme para desmantelar os acampamentos golpistas que
foram montados em frente a quartéis País afora. Esse silêncio acalentou os
delírios golpistas dos bolsonaristas. Houve até militares que classificaram os
atos contra o resultado das urnas – e, portanto, contra a Constituição – como
“manifestações democráticas”. O próprio ministro da Defesa, José Múcio
Monteiro, mostrou-se tolerante com o intolerável, tergiversando sobre a gravidade
desses acampamentos.
Mas não foram apenas Bolsonaro e alguns
militares que não honram a farda que fizeram dos golpistas os idiotas úteis a
desideratos liberticidas. Igualmente, o governador do Distrito Federal (DF),
Ibaneis Rocha (MDB), deverá responder pela falta de preparo das forças
policiais sob seu comando para conter uma invasão que há muito tempo já vinha
sendo preparada. A Globonews exibiu uma imagem chocante de policiais militares
do DF fazendo selfies enquanto uma súcia de bolsonaristas invadia o Congresso
Nacional. Diante da manifesta tibieza de Ibaneis Rocha, fez bem o presidente
Lula em decretar intervenção federal na segurança do DF.
A bem da democracia brasileira, a
insurreição deve receber uma resposta à altura das autoridades constituídas. A
Polícia Federal, sem prejuízo da atuação de outras instituições, deve
identificar, um a um, os responsáveis pela violência contra o Estado e pela
depredação do patrimônio público. Se a invasão do Capitólio, há dois anos,
serviu de inspiração para os golpistas no Brasil, a diligência das autoridades
dos Estados Unidos na persecução criminal de seus responsáveis deve servir de
exemplo para as autoridades brasileiras. A democracia se defende, como já
dissemos nesta página, lançando sobre os que atentam contra ela todo o peso da
lei.
Um toque de lucidez no governo Lula
O Estado de S. Paulo.
Não era o cargo que Simone queria, mas
talvez seja o que o País precisava. Que a ministra do Planejamento seja a voz
racional num debate não raro pautado pelo pensamento mágico
Em seu discurso de posse, a ministra do
Planejamento, Simone Tebet, demonstrou ter compreensão dos desafios que terá à
frente da função. Ao reconhecer publicamente a existência de divergências a
respeito da condução da economia entre os membros do governo, a ministra marcou
posição, deixando claro de que lado está desde o primeiro dia, o que é um
alento depois de uma semana em que até o incontestável déficit da Previdência
foi posto em dúvida por um ministro doidivanas.
A trajetória política da senadora é
surpreendente. Filha de uma das maiores lideranças do MDB e vinculada ao
agronegócio, ela enfrentou a resistência do próprio partido para conseguir se
candidatar à Presidência da República. Mesmo presente em todos os municípios do
País, o MDB muitas vezes se recusou a lhe dar palanque. Diante de tantos
obstáculos e em meio a uma disputa tão polarizada, conquistar a terceira colocação
e quase 5 milhões de votos é um feito nada desprezível.
Ao aderir à campanha de Lula da Silva de
forma incondicional, Simone Tebet enfrentou correligionários e sua base de
apoio. Reconheceu o custo político de sua decisão, admitindo, em um vídeo que
circula nas redes sociais, que hoje não seria mais eleita para qualquer função
pública em seu Estado. Por outro lado, é inegável que a atitude da senadora
conferiu ao petista a oportunidade que ele mais almejava: apresentar-se como
líder de uma frente ampla em defesa da democracia. “O que me moveu foi a
certeza de que tudo o que nos une é infinitamente maior do que aquilo que nos
separa”, disse ela, ao assumir a pasta.
Antes mesmo da eleição, Lula deixou claro
que queria Simone Tebet em sua equipe de ministros. Ela nunca escondeu ter
preferência pelas áreas de educação e assistência social, e o fato de que o PT
não abriu mão dessas áreas expressa a solidez do cacoete hegemônico do partido,
que vai de encontro ao discurso da pretensa frente ampla. Ela já havia rejeitado
a pasta, antes oferecida pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), com o
argumento, relembrado no discurso de posse, de que tem uma visão liberal na
economia, razão pela qual não compartilha muitas das ideias defendidas pelos
petistas.
A senadora mudou de ideia depois de um
bilhete escrito de próprio punho por Lula, no qual ele pediu a ela que
aceitasse o Ministério do Planejamento. Não era o cargo que Simone Tebet
queria, mas talvez seja aquele de que o País mais precisava. Afinal, é onde a visão
da senadora pode fazer a maior diferença. “O nosso papel, do Ministério do
Planejamento, sem descuidar, em nenhum momento, da responsabilidade fiscal, dos
gastos públicos e da qualidade deles, é colocar os brasileiros no Orçamento
público”, afirmou.
Ao seu lado na mesma trincheira, Simone
Tebet terá o vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro de Indústria,
Desenvolvimento, Comércio e Serviços. As divergências com o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra da Gestão, Esther Dweck, não tardarão a
aparecer, e logo chegarão a outras pastas. Seu Ministério é responsável pela
elaboração do Orçamento, cujos recursos são disputados a tapa por todo o
governo. Quando o dinheiro é curto, deter a prerrogativa sobre sua destinação
final se torna um ativo ainda mais valioso. É um poder que pode levar carreiras
políticas para outro patamar – para cima ou para baixo.
Simone Tebet já não teria vida fácil, mas,
já de início, escolheu uma tarefa espinhosa: avaliar e monitorar as políticas
públicas. Se bem executado, o plano pode melhorar a alocação e a qualidade dos
gastos, mas requer, também, propor o fim de alguns programas, algo que tem o
potencial de gerar novos inimigos e de submetê-la ao processo de fritura
política tão comum em Brasília. O que se espera é que a ministra tenha
habilidade para cumprir essa necessária missão, bem como para moderar as ações
do governo de que fará parte, trazendo racionalidade a um debate que muitas
vezes é pautado pelo pensamento mágico da gastança sem limites. Que tenha sucesso
nessa tarefa inglória.
Ofensiva peronista contra a Justiça
O Estado de S. Paulo.
Pedido de impeachment contra ministros do
Supremo é diversionismo que degrada o Estado de Direito argentino
O presidente da Argentina, Alberto
Fernández, solicitou ao Congresso a abertura de um processo de impeachment
contra todos os juízes da Suprema Corte. É só o mais recente capítulo da
estratégia peronista de intimidar o Judiciário, que, na prática, está erodindo
o Estado de Direito argentino.
A ofensiva se deu após o governo flertar
com o desacato a uma decisão da Corte que o obriga a restituir fundos tomados
da Cidade de Buenos Aires e repassados à Província de Buenos Aires. A motivação
política dessa desobediência era indisfarçável: a cidade é governada por
Horacio Rodríguez Larreta, líder da oposição e presidenciável para as eleições
de outubro, enquanto a província é governada pelo peronista Axel Kicillof.
Sem base legal ou política, o pedido de
impeachment é mera cortina de fumaça para desviar a atenção das agruras
econômicas do país, e, ao mesmo tempo, agitar as bases peronistas lideradas
pela vice-presidente Cristina Kirchner, envolta em imbróglios na Justiça e
recentemente condenada por corrupção. O jurista Fernández sabe que, como em
qualquer regime republicano sério, divergências na interpretação da lei não
configuram abuso de autoridade. Tanto que já está descartada a chance de se
formarem as maiorias qualificadas, ou seja, dois terços da Câmara e do Senado,
para que o pedido prospere.
A manobra se junta ao catálogo de
tentativas peronistas de desacreditar e manipular o Judiciário. O falecido
marido de Cristina e ex-presidente Néstor Kirchner, quando ainda era governador
de Santa Cruz, desobedeceu reiteradamente a uma sentença que o obrigava a
reinstalar o procurador da província. Recentemente, Cristina propôs reformas
para quintuplicar o colegiado da Corte e modificar a nomeação do
procurador-geral.
Denunciar uma “judicialização da política”
para abertamente politizar a Justiça é peça-chave do manual populista,
monotonamente empregada por todo autocrata, à direita ou à esquerda, seja na
Venezuela de Hugo Chávez, seja na Hungria de Viktor Orbán. O Brasil a conhece
bem demais. Quando o regime militar precisou “enquadrar” o Supremo, aumentou o
número de ministros. Recentemente, o hoje presidente Lula da Silva rodou o
mundo alardeando “perseguição política” da Justiça. Jair Bolsonaro cogitou
aumentar o número de ministros da Suprema Corte, promoveu pedidos ineptos de
impeachments e CPIS e nomeou ministros tendo por critério a sua fidelidade às
pautas do governo.
No fim, quem é punido pela politicagem é a população. “A desconfiança das empresas e dos mercados internacionais é justamente em nossos marcos legais”, disse a cientista política argentina María L. Puente, em entrevista ao Estadão. “O que estamos fazendo agora em um nível superior é jogar mais desconfiança no marco legal, porque se um presidente pode ignorar uma decisão judicial, que confiança pode ter uma empresa nas normas que regem seu investimento? Que confiança pode ter um argentino? Até mesmo um estrangeiro?” Espera-se que o eleitorado argentino saiba responder nas urnas a quem esgarça tão acintosamente seu contrato social.
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