Valor Econômico
Cuidado com as “contas de padaria” na
reforma tributária
Numa das suas declarações confusas que
acabaram virando memes nas redes sociais, a ex-presidente Dilma Rousseff
afirmou durante o processo de impeachment: “Não acho que quem ganhar ou quem
perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder: vai todo mundo
perder”.
O início das discussões sobre a reforma
tributária no Congresso Nacional reacendeu os discursos fatalistas sobre seus
impactos negativos sobre as empresas. Nas últimas semanas, análises e
estimativas vêm sendo publicadas buscando demonstrar como determinados setores
econômicos serão prejudicados caso as propostas sejam aprovadas.
A se pautar pelos recentes pronunciamentos de lideranças da agropecuária, do comércio e dos serviços, a velha máxima de Dilma mostra-se atual. Os números divulgados pelas entidades representativas desses segmentos sinalizam para uma elevação tão considerável da carga tributária que aparentemente todos vão sair perdendo.
Acontece que muitas entidades empresariais
vêm fazendo terrorismo tomando por base análises simplórias que simplesmente
comparam a soma das alíquotas nominais aplicadas hoje com os 25% propostos no
futuro IVA. Essas “contas de padaria”, contudo, não levam em consideração o
potencial de repasse dos tributos ao consumidor final, o barateamento de
insumos e as inúmeras interações provocadas pelo fim da cumulatividade ao longo
da matriz insumo-produto da economia brasileira.
Simplificar o caótico sistema de tributos
sobre o consumo no Brasil é uma aspiração de mais de três décadas do
empresariado brasileiro. Com a ampla discricionariedade que a União (com Pis,
Cofins e IPI), cada um dos 27 Estados (via ICMS) e os mais de 5 mil municípios
(cada qual estabelecendo alíquotas para o ISS) têm para dispor sobre a
legislação incidente sobre bens e serviços, o resultado final é extremamente
oneroso para as firmas.
São imensas as distorções do modelo em
vigor, como o custo muito elevado para se cumprir com todas as obrigações
impostas pelos três níveis federativos e as longas disputas administrativas e
judiciais quando há (e sempre há) divergências de interpretação entre os
fiscais tributários e as empresas. Do ponto de vista econômico, temos ainda a
cumulatividade dos tributos que vão se somando em cascata ao longo das cadeias
produtivas, a perda de competitividade externa de nossas mercadorias, o
desincentivo ao investimento e a guerra fiscal entre Estados e municípios.
As propostas em discussão no Congresso
eliminam todos esses problemas simplificando significativamente a legislação
com a unificação dos cinco tributos (IPI, Pis, Cofins, ICMS e ISS) em apenas um
ou dois impostos - o Imposto sobre Bens e Serviços, segundo a proposta da PEC
45, ou o Imposto sobre Valor Agregado dual, da PEC 110 -, a uniformização das
alíquotas, a cobrança no destino utilizando o sistema de débito e crédito e a
desoneração de investimentos e exportações. E tudo isso mantendo a carga
tributária total brasileira nos níveis atuais. Parece bom demais para ser
verdade; mas realmente é.
Em sua dissertação de mestrado defendida no
Cedeplar/UFMG em 2021, Ana Tereza Pereira Libânio aplicou um modelo de
equilíbrio geral computável para avaliar os efeitos interativos ao longo do
tempo entre 55 macro setores e 110 bens e serviços a partir de um choque
exógeno que seria a substituição dos cinco tributos atuais por um único imposto
sobre valor agregado com alíquota uniforme de 25%. Realizado sob orientação dos
professores Débora Freire Cardoso e Edson Domingues, trata-se do mais completo
estudo atual sobre os impactos da reforma tributária sobre a estrutura
produtiva brasileira.
As estimativas calculadas no experimento de
Ana Tereza Libânio indicam que o PIB cresceria 6,25% a mais do que o
cenário-base sem a ocorrência da reforma num horizonte de 22 anos. A adoção do
IVA provocaria uma expansão de 18,7% na taxa de investimento e uma ampliação de
22,4% de nossas exportações - numa clara indicação de que a economia brasileira
se tornaria mais competitiva com a aprovação da reforma.
Como a carga tributária atualmente está
distribuída de forma bastante desigual entre os diversos segmentos da economia,
dadas as isenções e os tratamentos especiais, e como a eliminação da
cumulatividade e a desoneração de investimentos e exportações terá efeitos
diferenciados, a pesquisadora atentou para calcular o saldo final da reforma
sobre cada setor, num cálculo muito mais abrangente do que as “contas de
guardanapo de bar” que andam sendo veiculadas por aí.
Os resultados das simulações feitas por Ana
Tereza Libânio comprovam que apenas quatro segmentos teriam a perder com uma
alíquota única de 25% sobre o valor adicionado: manutenção e reparos (-1,36%),
saúde (-3,19%), outros serviços (-3,54%) e educação privada (-7,94%). É bom
deixar claro que praticamente a totalidade das empresas desses setores já estão
amparadas na versão mais recente da PEC nº 110, que mantém isenções sobre saúde
e educação, bem como preserva o tratamento especial do Simples Nacional.
Vê-se, portanto, que quando trocamos as
“contas de chegada” das somas das alíquotas pelos complexos cálculos
econométricos, o saldo da reforma será amplamente positivo. Afinal,
comerciantes terão acesso a mercadorias mais baratas, o agronegócio será
beneficiado pela desoneração total das exportações e dos investimentos e o
setor de serviços continuará sendo contemplado com isenções, a continuidade do
Simples ou o repasse de seus tributos adiante quando forem contratados por
outra pessoa jurídica.
Diante de tantas resistências, a grande
tarefa do governo neste momento é explicar e convencer o Congresso, o
empresariado e o cidadão brasileiro que, se a reforma tributária for aprovada,
ao se computar o quanto cada um vai ganhar ou perder, vai todo mundo ganhar.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
3 comentários:
Com esse congresso,sei não.
Agora há pouco levei um susto,o blog sumiu,houve sei lá o quê no meu computador.Achei que tivesse dado algum problema com o editor.
Talvez um ataque do pessoal do Gabinete do Ódio? Será que querem derrubar esta ferramenta democrática?
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