sábado, 29 de abril de 2023

Alvaro Gribel - Juros não têm data para cair

O Globo

Semana termina com indicadores que deixam o Banco Central em posição menos confortável para começar a reduzir a taxa Selic

Para quem aposta em uma indicação de corte de juros pelo Banco Central na reunião do Copom da próxima quarta-feira, a semana termina em clima de cautela: o rombo nas contas públicas foi muito maior do que o previsto em março, e a inflação de serviços em abril, medida pelo IPCA-15, continuou estável em patamar elevado. Até mesmo as boas notícias do IBC-Br e da geração de empregos formais significam problemas quando o assunto é inflação. A demanda está mais forte do que se imaginava, e tudo isso deixa o BC em posição desconfortável para começar a reduzir a Selic mais rapidamente, como todos desejam.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem razão quando diz que os gastos do Tesouro com juros inviabilizam a melhora da dívida pública. Ontem mesmo o Banco Central divulgou a sua Nota de Política Fiscal, mostrando que as despesas com juros chegaram a R$ 693 bilhões nos últimos 12 meses até março, o que corresponde a 6,85% do PIB, como mostra o gráfico. Em um ano, essa conta cresceu R$ 290 bilhões. O governo central teve superávit primário de R$ 74,8 bilhões nesse período, mas o resultado nominal, que inclui os juros, foi um déficit de R$ 618 bilhões.

O problema, como explicou o economista Marcos Lisboa durante audiência pública no Senado na última quinta-feira, é que a Selic elevada não é a causa dos nossos desequilíbrios, mas a sua consequência. As dúvidas estão na política fiscal, e por isso a equipe econômica terá muito trabalho para provar que o arcabouço de fato irá entregar os resultados que promete. Economistas de peso, como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga — e que não têm ligação com o desastroso governo Jair Bolsonaro — têm feito alertas sobre os riscos da nova regra.

O reequilíbrio fiscal pela ótica da arrecadação não é o ideal, mas se justifica pelas perdas nas receitas provocadas durante o governo anterior e pelos problemas sociais que o país enfrenta em várias áreas, que dificultam o corte de gastos. Mas propor uma meta de inflação mais alta como forma de baixar juros, acusar o Banco Central de usar a Selic para sabotar o governo, enviar projeto de lei com retrocessos na lei do saneamento e tentar afrouxar a Lei das Estatais são medidas que não dão margem para defesa.

Se as ameaças à democracia foram contidas neste início de governo, elas podem voltar a ganhar tração em um cenário de crise econômica, como alertou Arminio. Por isso, a equipe econômica, o PT e, principalmente, o presidente Lula não têm muito espaço para errar. É preciso focar nas medidas corretas, sem invencionices, ajustar a comunicação e criar as condições para que BC reduza os juros de forma técnica.

Preocupação com a meta

O economista-chefe do G5 Partners, Luis Otávio Leal, especialista em inflação, acredita que ficou mais difícil para o Banco Central indicar um corte de juros na reunião de quarta-feira. Ele diz que há um ponto vermelho marcado no calendário e que gera preocupações na autoridade monetária: a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, que pode fazer alterações nas metas de inflação.

— Antes, eu achava que esse evento do CMN não era decisivo, mas agora eu acho. E pode ter mudanças boas ou ruins. Acabar com o ano-calendário seria um avanço. Mas mudar a meta em si, neste momento, acho que seria casuístico. Se for para fazer isso, melhor que seja no ano que vem, com os juros já em queda — pontuou.

Esta semana, Roberto Campos Neto voltou a dizer que o aumento da meta não trará os ganhos esperados por alguns integrantes do governo. O resultado será uma piora imediata das expectativas, o que obrigará o BC a manter os juros mais altos por mais tempo. Ou seja, tudo o que ninguém quer. O CMN reúne o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; a ministra do Planejamento, Simone Tebet; e o próprio Campos Neto. A união dos dois ministros poderia deixar o BC isolado nessa votação.

 

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