O Globo
As empresas ganharam as concessões
legalmente, prometem pagar um bom dinheiro — e não conseguem
O presidente Lula estava certo quando
disse, em visita a Madri, que é muito difícil para qualquer empresário investir
no Brasil. Mas equivocou-se quando colocou a taxa básica de juros, de 13,75% ao
ano, como principal obstáculo aos negócios no país.
Todo mundo sabe que juro caro inibe
investimentos e consumo. Mas isso é o de menos quando se verifica a quantidade
e o tamanho dos obstáculos políticos, jurídicos e burocráticos para levantar um
negócio por aqui.
Considere alguns casos, do particular para
o geral.
As empreiteiras Aena e XP ganharam, em agosto do ano passado, concessões para explorar aeroportos. Para dar início às operações, precisam fazer um pagamento e pretendiam pagar com precatórios.
Precatórios são créditos que empresas ou
pessoas têm a receber do governo, em consequência de decisões judiciais em
última instância. Uma emenda constitucional de 2021 autorizou o uso desses
precatórios no pagamento de outorgas. Muito justo: você tem um dinheiro a
receber do governo e um pagamento a fazer; dá uma troca, não é mesmo?
Mas a coisa não foi bem regulamentada — e
ainda não dá para usar os precatórios. Pode ser que seja possível mais à
frente. Então, que tal, por ora, uma fiança? A Agência Nacional de Aviação
Civil topa. Mas o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, ainda não
topou. França, como se sabe, é contra as privatizações. Mesmo contra as já
feitas? Assim, as empresas ganharam as concessões legalmente, prometem pagar um
bom dinheiro — e não conseguem.
Outra: imagine uma companhia privada, nacional
ou estrangeira, que entrou no mercado de saneamento, depois da aprovação de um
marco legal ainda no governo Temer. Essa companhia tinha a expectativa de
ampliar a escala quando estatais tivessem de deixar o negócio pelo não
cumprimento de metas. Pois elas não cumpriram, como estava na cara, mas o
presidente Lula alterou a legislação para dar mais prazo às empresas públicas —
que estão há anos no negócio e não entregam. As companhias privadas entregam,
mas topam com o mercado restrito.
Outra: agências reguladoras independentes
são garantia de que não haverá interferências indevidas do governo na vida das
empresas. Pois o Congresso, com o apoio do governo, está para mudar a regra e
abrir espaço para a politização das agências.
Estatais independentes, com regras de
gestão e compliance, são boas parceiras de negócios limpos. Pois o Congresso
vai mudar a Lei das Estatais, de novo com apoio do governo, para permitir que
as empresas voltem a ser controladas pelos políticos. A experiência mostra como
funcionam estatais loteadas a partidos políticos.
E tem o Judiciário. Imagine uma empresa que
fez um investimento com isenção ou redução do ICMS (imposto estadual). Com
isso, paga menos impostos federais, pois o ICMS não entra na base de cálculo.
Não entrava. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que agora entra.
Alguns estudos sugerem que o governo pode
levantar R$ 90 bilhões — o que ajudaria no ajuste fiscal, mas sangraria as
finanças das empresas. Mas pode ser que não aconteça nada. Uma liminar do STF suspendeu
a decisão do STJ.
Então, o que faz a diretoria de uma empresa que está nesse rolo? Segue em
frente? Para?
Isso tudo aconteceu poucas semanas depois
de o mesmo STF ter determinado uma cobrança retroativa de impostos, ao mudar
sua própria interpretação. Ou seja, a empresa montou seu negócio numa regra e
cai noutra, que custa mais dinheiro.
Para encerrar: um governo com as contas em
dia é base de um ambiente macroeconômico favorável. O governo mandou ao
Congresso um projeto de ajuste fiscal — o que é positivo —, mas ele depende de
ganhos de arrecadação, a ser obtidos com a eliminação de isenções e benefícios
fiscais.
Ora, muitas empresas e setores investiram a
partir de benefícios definidos em lei. Sim, há incentivos errados,
desequilibrados e, mesmo, injustos. Mas a empresa não fez nada de ilegal e se
instalou por causa do benefício. O governo vai simplesmente cancelar?
Quem tem bom e seguro mercado é um tipo
especial de empresa: escritório de advocacia.
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