sábado, 29 de abril de 2023

João Gabriel de Lima* - O irmão diplomata e o ‘Lula de direita’

O Estado de S. Paulo

Brasil precisa reconstruir pontes com a UE, mas não precisa enviar armas à Ucrânia

Se Chico Buarque tinha um irmão alemão – um cantor obscuro da antiga Berlim Oriental –, Lula tem um irmão diplomata: o próprio Chico Buarque. Toda a tensão que acompanhou a primeira visita do presidente brasileiro à Europa se desfez em Sintra, onde Chico recebeu o Prêmio Camões. O autor de Vai Passar agrada a brasileiros e portugueses, a gregos e troianos, a petistas e tucanos – é apoiador de Lula e já fez jingles de campanha para Fernando Henrique.

A tensão vinha de declarações desencontradas de Lula antes da viagem que criaram dúvidas sobre a posição brasileira na guerra na Ucrânia. A imprensa europeia fez a lição de casa e crivou o presidente brasileiro de perguntas. Lula esclareceu: o Brasil reconhece a Rússia como Estado invasor, não pretende entrar no conflito militar e se coloca à disposição para negociações. Passouse, assim, à fase seguinte do videogame, que tem interesse especial para nós: o acordo entre Mercosul e União Europeia.

O Brasil ainda precisa reconstruir pontes com alguns países da UE, mas não precisa enviar armas à Ucrânia para estreitar laços, de acordo com Daniel Pineu, professor de Relações Internacionais da Universidade de

Amsterdam. “Existem pautas que já são próprias do Brasil e se casam com os valores europeus, como as causas ambientais ou LGBTQI”, diz Pineu, entrevistado no minipodcast da semana.

A discussão sobre a área ambiental será intensa na negociação do acordo. O Brasil tenta evitar que a questão do desmatamento sirva de pretexto para sanções comerciais. Como afirmou o Estadão em editorial, o Brasil poderia colocar na mesa um aumento do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, além de recompor as instâncias de fiscalização.

A área dos direitos humanos também conta. “O Brasil poderia condenar, por exemplo, a violação de direitos da população LGBTQI na Rússia”, diz Pineu. “Não atrapalharia a relação comercial entre os dois países – e, de resto, o Brasil não depende tanto assim da Rússia quanto depende da China.” Criticar a prisão de jornalistas em ditaduras como a da Nicarágua também ajudaria a marcar posição.

A foto de Lula, Chico Buarque e Marcelo Rebelo de Sousa em Sintra viralizou nas redes sociais. Com seu jeitão informal – em seu país ele é chamado apenas de Marcelo –, o presidente português tem estilo semelhante ao do brasileiro, com quem tem bom relacionamento. Marcelo seria um “Lula de direita” – ou, como me disse um amigo português, Lula seria um “Marcelo de esquerda”. Diante da necessidade de reconstruir pontes com a União Europeia, Lula sempre pode contar com a ajuda de seu irmão português.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O presidente de Portugal é de direita? Tô passaaada!