O Estado de S. Paulo
Criticar e desmerecer a sociedade civil é um refrão clássico dos que não toleram os regimes de liberdade
Os israelenses viveram um momento histórico
ao longo desta semana. Eles foram às ruas contra o primeiro-ministro Binyamin
Netanyahu, que ameaçava reduzir os poderes da Suprema Corte do país –
expediente que, na Venezuela de Hugo Chávez e na Hungria de Viktor Orbán, deu
início a uma escalada autoritária. Ao decretar uma greve geral e protestar de
forma vibrante nas ruas, a sociedade civil israelense fez com que Netanyahu
recuasse do arreganho despótico.
“Está sendo uma experiência fascinante ver as engrenagens da democracia em ação. Ver como a população influencia as decisões do governo e como o governo reage rápido e até se pauta pelos horários das manifestações”, diz Sérgio Berezovsky, fotógrafo de carreira brilhante no jornalismo brasileiro. Ele foi a Israel para compromissos familiares, viu-se engolfado pelo momento histórico – e fala de sua vivência no minipodcast da semana.
Um estudo recente mostra que existem duas
forças capazes de deter uma escalada autoritária: partidos políticos sólidos e
uma sociedade civil organizada, capaz de ir às ruas quando o governante ameaça
as instituições. O estudo foi feito com dados do V-Dem, instituto sediado na
Suécia que elabora o mais detalhado ranking de qualidade democrática da
atualidade. Um de seus autores é o presidente da entidade, o cientista político
Staffan Lindberg.
A plataforma do V-Dem reúne dados de todos
os países do mundo a partir de 1900. O estudo sobre como deter o autoritarismo
abarca 110 anos, entre 1900 e 2010. Alguns casos pontuais são citados, como o
colapso partidário na Venezuela e na Bolívia, que abriu espaço para a ação de
autocratas, e o papel da sociedade civil americana na contenção dos impulsos
autoritários de Donald Trump.
Segundo os estudiosos, a ação da sociedade
civil não se restringe aos momentos de mobilização. Ela é também importante
para monitorar os governos nos intervalos entre os pleitos, dado que o
julgamento definitivo dos eleitores só se dá no dia da eleição. Não à toa,
criticar e desmerecer a sociedade civil – especialmente as organizações não
governamentais – é um refrão clássico dos que não toleram os regimes de
liberdade.
“Há um clima de entusiasmo democrático, sem
violência, num país que está acostumado a levar sua vida normalmente mesmo em
momentos tensos”, diz Berezovsky. Nada garante que Netanyahu não fará uma nova
tentativa para “deixar o Judiciário de joelhos”, como escreveu o americano
Thomas Friedman em artigo publicado no Estadão. Se isso acontecer, espera-se, a
sociedade civil israelense estará outra vez a postos para cumprir seu papel.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
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