sábado, 1 de abril de 2023

Alvaro Gribel - Vitória de Haddad, sob fogo cruzado

O Globo

O arcabouço fiscal apresentado pela equipe econômica esta semana não é o projeto dos sonhos dos economistas especializados em política fiscal, mas tem o mérito de conciliar as demandas sociais urgentes do país com as necessidades de controle da dívida pública. O cenário econômico ficou mais claro a partir de agora, porque o governo Lula se comprometeu a melhorar ano a ano as suas contas, chegando a um superávit primário de 1% do PIB em 2026, seu último ano de mandato. Ainda que o ajuste seja gradual e feito com a necessidade de aumento de arrecadação, há uma trava no crescimento das despesas, que só poderão subir, no máximo, 2,5% ao ano, descontada a inflação.

Muitos economistas reclamaram que os gastos crescerão sempre, em termos reais, porque há também um piso de 0,6% para o crescimento das despesas. A lógica do projeto, entretanto, segundo explicou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em entrevista coletiva, é de que essa alta será diluída por um aumento mais forte do PIB. O que a equipe econômica tem dito é que a economia do país historicamente cresce acima de 0,6% ao ano, e por essa razão a tendência é de queda na relação despesa/PIB. Além disso, o Tesouro aposta que o projeto trará previsibilidade sobre as contas públicas, e isso irá se refletir também sobre a curva de juros. Em um cenário otimista, a Fazenda acredita em uma redução média de dois pontos percentuais nos juros pagos pelo Tesouro, o que fará a dívida bruta cair mais rapidamente.

O economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, explicou em relatório a clientes os efeitos positivos do novo arcabouço. Sem o projeto, o seu cenário base para o Brasil era de aumento explosivo do endividamento público, que subiria de 72,9% do PIB, no ano passado, para 95,3%, em 2032 (veja o gráfico). Uma alta de 22,4 pontos em 10 anos. Com o projeto da equipe econômica, o cenário mais pessimista aponta para estabilização da dívida em 85% no mesmo período. Ou seja, dez pontos a menos. No cenário em que tudo dá certo, a dívida já se estabiliza em 77% do PIB a partir de 2025

Há mais de um ano, ainda antes do início da campanha eleitoral, a equipe de Haddad já estudava o arcabouço fiscal que foi apresentado na quinta-feira. As dificuldades foram muitas, inclusive internas, pela sensibilidade que o tema provoca em alguns integrantes do PT, incluindo o próprio presidente Lula. Para um país que acabou de sofrer uma ameaça de golpe pela extrema direita, um ajuste fiscal muito severo parecia de fato inviável. Ao mesmo tempo, uma regra frouxa demais levaria ao aumento da desconfiança pelos investidores, com efeitos sobre os juros e o crescimento do PIB. Entre perdas e ganhos, Haddad e equipe saíram vitoriosos nesta primeira e decisiva batalha econômica.

Cautela externa

Para a consultoria inglesa Oxford Economics, o novo arcabouço fiscal tem uma meta “irrealista” e é “inquestionavelmente pior” do que o teto de gastos, para o controle da dívida pública. “Estimamos que a equipe econômica terá que cortar gastos em 10% ou subir impostos em 2 pontos percentuais do PIB (causando uma recessão no caminho) para atingir a nova e irrealista meta de zerar o déficit primário em 2024”, diz o economista-chefe para América Latina da consultoria, Marcos Casarin.

Otimismo interno

Apesar da queda da bolsa ontem, depois dos ganhos de quinta-feira, o balanço de análises sobre o arcabouço permanece mais positivo. Pelas contas da Guide Investimentos, o arcabouço de Fernando Haddad teria um efeito mais positivo sobre as contas públicas do que o teto de Henrique Meirelles, então ministro da Fazenda de Michel Temer. “Em simulações que fizemos, caso a regra tivesse sido aplicada desde 2017, quando passou a vigorar o teto de gastos, hoje teríamos um resultado primário mais folgado do que com o teto”, disse a corretora, lembrando que o dólar se valorizou, apesar da queda da bolsa.

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