sábado, 1 de abril de 2023

Dora Kramer - Reféns da colisão

Folha de S. Paulo

Lula e Bolsonaro se retroalimentam numa dinâmica de sinais trocados

De volta à cena, senão dos crimes ainda a serem juridicamente configurados, mas ao cenário da política nacional onde não há sinal de pacificação à vista, Jair Bolsonaro chegou para confrontar. E o PT, na voz da presidente do partido, já mostrou que topa a briga. "Tá voltando, genocida?", provocou Gleisi Hoffmann na véspera do desembarque do antagonista.

Armado o ringue, o Brasil segue prisioneiro das narrativas conflagradas. Duas forças opostas que se retroalimentam numa dinâmica de sinais trocados, que sequestra o debate e faz dos brasileiros reféns da colisão permanente. A conferir se o presidente Luiz Inácio da Silva entrará no embate ou se deixará a tarefa para porta-vozes. Na essência, dá no mesmo, na escalação mútua do malvado predileto.

Os combatentes divergem no conteúdo, mas na forma se parecem. Cultuam a mitologia do herói, são intolerantes ao contraditório, têm talento para criar distrações, alimentam fantasias persecutórias, nutrem rancores, exibem-se onipotentes, não permitem que lhes façam sombra, profetizam como quem descobriu a pólvora e enxergam no adversário um inimigo a ser aniquilado.

Há outras semelhanças. Fiquemos nas mais evidentes a fim de não atrair a ira dos arautos da tese da falsa equivalência. As descritas acima bastam para desenhar o traço de união que demonstra o atrativo que as exorbitâncias exercem sobre a conduta do eleitor.

Atraentes o bastante para superar o senso de moderação visto nas pesquisas. Vejam a coincidência. Em 2021, a consultoria Quaest apontava que 57% preferiam candidatura alternativa a Lula ou Bolsonaro. Em 2023, o Ipec apontou também 57% desejando o mesmo para a próxima eleição presidencial.

O apreço ao centro não se viu nas urnas em 2022. Tampouco se vê agora, embora a maré possa virar se os extremos seguirem mais ocupados em criar caso, apostando no medo e na rejeição.

 

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