sábado, 1 de abril de 2023

Hélio Schwartsman - O plano e a realidade

Folha de S. Paulo

Regra fiscal proposta pelo governo exige combate ao patrimonialismo; difícil dar certo

No papel, é boa a proposta do ministro Fernando Haddad para um novo arcabouço fiscal. Ela põe uma trava a gastos desenfreados que governos ficam tentados a fazer em tempos de vacas gordas e assegura um mínimo de investimentos em caso de penúria. Seria uma forma arrojada de juntar a responsabilidade nas finanças públicas com as preocupações sociais. Se seus pressupostos se materializarem, o plano poderá zerar o déficit primário já no ano que vem. O problema, como sempre, é o "se".

Para funcionar, isto é, para não sofrer sabotagens variadas, incluindo aquelas oriundas do PT, a proposta exigiria fortes aumentos na arrecadação. E, se isso já não é muito fácil em condições normais, fica ainda mais difícil de fazer sem recorrer à criação de impostos ou aumento de alíquotas dos já existentes, como prometeu Haddad. A solução, como o próprio ministro já antecipou, seria fazer com que aqueles que hoje não pagam tributos ou pagam pouco passem a dar a sua justa contribuição.

É aí que a porca torce o rabo. O plano só terá sucesso se derrotar os muitos lobbies que mantêm e dilatam as benesses tributárias distribuídas a grupos influentes. E eu não creio que a administração Lula tenha a convicção e a força política necessárias para fazê-lo. Pelo contrário, é um governo com sérias debilidades no Congresso e que, por isso, está nas mãos do chamado centrão, cujos parlamentares são os campeões das isenções, renúncias e privilégios. Basta ver que a bancada da Bíblia se articula para ampliar as imunidades tributárias concedidas a templos, e há sinais de que o PT poderá apoiar a empreitada.

Minha impressão, pensando no "big picture", é que Lula cumpriu sua missão histórica já em outubro, ao impedir Bolsonaro de conquistar o segundo mandato, o que teria sido desastroso para o país. Não devemos esperar muito mais. O combate sério ao patrimonialismo, receio, ficará para outra gestão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Compreendo o ceticismo além de entender também que o colunista nunca foi fã do PT, mas dizer que o máximo que pode-se chegar é o zero, ou seja, permanecer do jeto que está é no mínimo indecente. Aliás, existem as big techse outros grupos a se taxar nesse país. Acho que a coisa pode dar pé sim.