segunda-feira, 22 de maio de 2023

Alex Ribeiro - BCs debatem por que o juro alto não teve o efeito previsto

Valor Econômico

Vários banqueiros centrais participaram de seminário internacional promovido pelo BC na semana passada e discutiram o tema

Não é apenas no Brasil: em várias partes do mundo, os bancos centrais estão tentando entender por que os juros altos não tiveram ainda os efeitos previstos para esfriar a economia e baixar a inflação.

Vários desses banqueiros centrais participaram de um seminário internacional promovido pelo BC na sexta, em São Paulo. Foi uma discussão técnica, mas também política. Com o evento, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, passou a mensagem de que não está mantendo os juros altos por sabotagem ou capricho.

Na plateia, estavam mais do que os economistas e operadores de mercado que normalmente acompanham cada palavra do presidente do Banco Central. Entre os convidados ilustres, compareceram o economista Persio Arida, um dos pais do Plano Real, e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Também estiveram presentes Roberto Setúbal, do Itaú, e Octavio Lazari Jr., do Bradesco. Discretamente, também circulou pelo evento o economista Gabriel Galípolo, secretário-executivo da Fazenda, que foi indicado para uma diretoria do Banco Central, no que pode ser o primeiro passo para assumir a presidência do Banco Central.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um discurso cobrando mais uma vez o corte de juro. De certa forma, teve o apoio do diretor gerente do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), Agustín Carstens. Não no mérito da baixa de juro, mas no direito de falar. Para Carstens, a autonomia do BC não significa isolamento. “Um diálogo pode, e eu diria deve, existir entre os bancos centrais e os ministros de Finanças”, disse. “Políticas monetária e fiscal são inerentemente ligadas.” Carstens ajudou também o BC. Campos Neto tem reconhecido o direito de Haddad falar sobre política monetária, embora tenha condenado a politização do tema, mas o mercado financeiro tem visto essas cobranças como um enfraquecimento da autonomia do BC. Carstens conhece os dois lados: no México, em períodos diferentes, ele esteve à frente do banco central e do Ministério das Finanças. A necessidade de coordenação das políticas fiscal e monetária não é exatamente nova. Em 1964, quando o BC se tornou independente pela primeira vez, o ministro da Fazenda, Otavio Gouveia de Bulhões, disse que o órgão mais importante criado tinha sido o Conselho Monetário Nacional (CMN) justamente para fazer esse serviço.

A discussão relevante, na verdade, é quem domina a relação monetária e fiscal. Haddad disse, em seu discurso, que fiscal e monetário são dois braços de um mesmo corpo, citando o economista Olivier Blanchard. Ele pregou que os braços sejam iguais e harmônicos, mas isso não é fácil: um costuma dominar, seja em destros, seja em canhotos. Haddad tem defendido o afrouxamento monetário para facilitar o ajuste das contas públicas. O ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles sugeriu, no mesmo evento, que a analogia mais adequada seria tratar a política fiscal e monetária como dois pés. O problema, disse, é quando o fiscal anda para frente, com uma expansão de gastos, e a política monetária caminha para trás para baixar a inflação.

Campos Neto, num painel, perguntou aos colegas banqueiros centrais por que, em várias partes do mundo, apesar de os juros subirem tanto, a atividade econômica se encontra tão resiliente, sobretudo no mercado de trabalho, e a inflação está demorando para cair. O brasileiro quis saber, primeiro, se eles achavam que a taxa neutra de juros aumentou.

Tiff Macklem, presidente do Bank of Canada, disse que eles refizeram as contas e não acharam nada de novo. Mas expressou uma visão pessoal de que, caso a taxa neutra tenha mudado, é mais provável que seja maior do que se supunha do que menor. Para ele, uma vantagem do sistema de metas de inflação é que, ao longo do tempo, será possível verificar o que houve. “Se a inflação não estiver baixando tão rápido quanto previmos, e a taxa neutra estiver subindo, vamos ajustar, seja mantendo os juros altos por mais tempo ou subindo ainda mais”, disse.

O que diferencia o Brasil nessa discussão é que, por aqui, os juros entraram no território contracionista mais cedo e de forma mais intensa do que em outros países, por isso já é possível comparar a inflação com o que era esperado. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), alguns membros disseram que algo parecia errado, provavelmente porque juro neutro seria ainda maior do que os 4% ao ano estimados.

Mas pode ser que a inflação esteja surpreendendo por outros fatores. O presidente do banco central do Peru, Julio Velarde, citou uma possível inércia mais forte. O presidente do Banco de Espanha, Pablo Hernández de Cos, afirmou que pode estar ligado aos fortes estímulos fiscais ou o uso de poupança precaucional. Macklem, do Canadá, disse que as pessoas ainda estão recuperando o tempo perdido, consumindo serviços que não podiam na pandemia, como restaurantes e turismo.

Apesar de toda a controvérsia sobre as causas da resistência da inflação, a implicação prática é que os juros devem ficar altos. “O regime de metas de inflação tem nos prestado um bom serviço”, disse Campos Neto. “Precisamos perseverar para ter certeza de que vamos trazer a inflação de volta para as metas.”

 

Nenhum comentário: