Valor Econômico
Vários banqueiros centrais participaram de
seminário internacional promovido pelo BC na semana passada e discutiram o tema
Não é apenas no Brasil: em várias partes do
mundo, os bancos centrais estão tentando entender por que os juros altos não
tiveram ainda os efeitos previstos para esfriar a economia e baixar a inflação.
Vários desses banqueiros centrais
participaram de um seminário internacional promovido pelo BC na sexta, em São
Paulo. Foi uma discussão técnica, mas também política. Com o evento, o
presidente do BC, Roberto Campos Neto, passou a mensagem de que não está
mantendo os juros altos por sabotagem ou capricho.
Na plateia, estavam mais do que os economistas e operadores de mercado que normalmente acompanham cada palavra do presidente do Banco Central. Entre os convidados ilustres, compareceram o economista Persio Arida, um dos pais do Plano Real, e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Também estiveram presentes Roberto Setúbal, do Itaú, e Octavio Lazari Jr., do Bradesco. Discretamente, também circulou pelo evento o economista Gabriel Galípolo, secretário-executivo da Fazenda, que foi indicado para uma diretoria do Banco Central, no que pode ser o primeiro passo para assumir a presidência do Banco Central.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez
um discurso cobrando mais uma vez o corte de juro. De certa forma, teve o apoio
do diretor gerente do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em
inglês), Agustín Carstens. Não no mérito da baixa de juro, mas no direito de
falar. Para Carstens, a autonomia do BC não significa isolamento. “Um diálogo
pode, e eu diria deve, existir entre os bancos centrais e os ministros de
Finanças”, disse. “Políticas monetária e fiscal são inerentemente ligadas.”
Carstens ajudou também o BC. Campos Neto tem reconhecido o direito de Haddad
falar sobre política monetária, embora tenha condenado a politização do tema,
mas o mercado financeiro tem visto essas cobranças como um enfraquecimento da
autonomia do BC. Carstens conhece os dois lados: no México, em períodos
diferentes, ele esteve à frente do banco central e do Ministério das Finanças.
A necessidade de coordenação das políticas fiscal e monetária não é exatamente
nova. Em 1964, quando o BC se tornou independente pela primeira vez, o ministro
da Fazenda, Otavio Gouveia de Bulhões, disse que o órgão mais importante criado
tinha sido o Conselho Monetário Nacional (CMN) justamente para fazer esse
serviço.
A discussão relevante, na verdade, é quem
domina a relação monetária e fiscal. Haddad disse, em seu discurso, que fiscal
e monetário são dois braços de um mesmo corpo, citando o economista Olivier Blanchard.
Ele pregou que os braços sejam iguais e harmônicos, mas isso não é fácil: um
costuma dominar, seja em destros, seja em canhotos. Haddad tem defendido o
afrouxamento monetário para facilitar o ajuste das contas públicas. O
ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles sugeriu, no
mesmo evento, que a analogia mais adequada seria tratar a política fiscal e
monetária como dois pés. O problema, disse, é quando o fiscal anda para frente,
com uma expansão de gastos, e a política monetária caminha para trás para
baixar a inflação.
Campos Neto, num painel, perguntou aos
colegas banqueiros centrais por que, em várias partes do mundo, apesar de os
juros subirem tanto, a atividade econômica se encontra tão resiliente,
sobretudo no mercado de trabalho, e a inflação está demorando para cair. O
brasileiro quis saber, primeiro, se eles achavam que a taxa neutra de juros
aumentou.
Tiff Macklem, presidente do Bank of Canada,
disse que eles refizeram as contas e não acharam nada de novo. Mas expressou
uma visão pessoal de que, caso a taxa neutra tenha mudado, é mais provável que
seja maior do que se supunha do que menor. Para ele, uma vantagem do sistema de
metas de inflação é que, ao longo do tempo, será possível verificar o que
houve. “Se a inflação não estiver baixando tão rápido quanto previmos, e a taxa
neutra estiver subindo, vamos ajustar, seja mantendo os juros altos por mais tempo
ou subindo ainda mais”, disse.
O que diferencia o Brasil nessa discussão é
que, por aqui, os juros entraram no território contracionista mais cedo e de
forma mais intensa do que em outros países, por isso já é possível comparar a
inflação com o que era esperado. Na última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom), alguns membros disseram que algo parecia errado,
provavelmente porque juro neutro seria ainda maior do que os 4% ao ano
estimados.
Mas pode ser que a inflação esteja
surpreendendo por outros fatores. O presidente do banco central do Peru, Julio
Velarde, citou uma possível inércia mais forte. O presidente do Banco de
Espanha, Pablo Hernández de Cos, afirmou que pode estar ligado aos fortes
estímulos fiscais ou o uso de poupança precaucional. Macklem, do Canadá, disse
que as pessoas ainda estão recuperando o tempo perdido, consumindo serviços que
não podiam na pandemia, como restaurantes e turismo.
Apesar de toda a controvérsia sobre as
causas da resistência da inflação, a implicação prática é que os juros devem
ficar altos. “O regime de metas de inflação tem nos prestado um bom serviço”,
disse Campos Neto. “Precisamos perseverar para ter certeza de que vamos trazer
a inflação de volta para as metas.”
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