Folha de S. Paulo
A reação ao combate a corrupção assume
formas variadas
Os acontecimentos no Brasil lembram-me da
sina de Andrew Feinstein, protagonista da luta contra a corrupção na África do
Sul, e do Arms Deal Scandal. O caso envolveu o ANC, o partido que governa a África
do Sul na era pós-apartheid.
Jovem estrela do partido e membro do
Parlamento, Feinstein integrava a Comissão de Contas Públicas, à qual cabia a
nomeação do titular e a supervisão do Auditor General, o órgão de cúpula de
controle externo.
A presidência da comissão cabia, como no Reino Unido, aos partidos da oposição; no caso, ao Inkhata Freedom Party, partido da província de Kwazulu Natal. O professor de finanças públicas, Gavin Woods, da Universidade de Stellenbosch, nativo e criado na província, como me explicou em entrevista, assumiu o posto.
Feinstein relatou que um belo dia recebeu
no seu escaninho uma peça de auditoria sobre uma das licitações para a compra de
caças e submarinos (valor US$ 5 bilhões) e que apontava
irregularidades. Feinstein e o eminente professor —cujo ar de gravidade era
acentuado pela perna amputada e braço com severas limitações— deflagraram
investigações, constatando desvio de US$ 90 milhões para o ANC.
O tsunami político instalado culminou no
recall pelo ANC do presidente Thabo Mbeki (o presidente é eleito pelo
Parlamento, onde o ANC tem tido
cerca de 70% das cadeiras).
Um mandachuva do partido, Jacob Zuma, o
substituiu. Mas a situação teve que piorar muito para melhorar. Zuma soçobrou
em outro escândalo de US$ 6 bilhões (o "Gupta Family").
O partido também destituiu Feinstein da comissão e o excluiu das listas
eleitorais da ANC.
Tive a oportunidade de entrevistá-lo no
aeroporto de Joanesburgo, quando retornava à Inglaterra, onde havia se
autoexilado. "Todas as portas estão fechadas para mim na África do
Sul", disse. Na ocasião, o caso contrastava com o julgamento do mensalão,
recém-concluído. O desfecho de escândalos na Argentina, onde eu também
pesquisava naquele momento, reforçava meu relativo otimismo com o Brasil.
Naquele país, Menem havia extinguido o
Tribunal de Contas, que o ameaçava, substituindo-o pelo modelo de Auditor
Geral. A nomeação pela oposição (no caso a UCR) do Auditor Geral parecia, em
tese, algo promissor. Foi um fiasco. Leandro Despouy, nomeado pela UCR para o
cargo, durante o governo de Cristina Kirchner, me confidenciou: "Nós
requisitamos informações dos órgãos federais, e eles nos ignoram. Não dá em nada".
Meu otimismo baseava-se na constatação de
que não havia nada semelhante aos controles hegemônicos da ANC e do peronismo no nosso
sistema multipartidário. Mas os inimigos do combate à corrupção exercem
controle por outras vias.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco
e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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