O Globo
Nos últimos dez anos, a profissão de
educador tornou-se um ofício de risco
Depois de nove anos sem abrir concurso, o
governo paulista lançou edital para contratar 15 mil professores. Com o
congelamento das vagas efetivas por quase uma década, dos cerca de 217 mil
docentes, 97 mil são temporários. Os salários: R$ 5 mil por 40 horas semanais;
R$ 3.125 para 25 horas semanais.
De imediato, parece boa notícia. Os 15 mil
novos professores estarão distribuídos entre as 3.500 escolas estaduais.
Portanto serão em torno de quatro novos educadores para cada estabelecimento de
ensino básico.
Aí você usa uma matemática básica (não aquela bolsonarista de - 5% + 4% é igual a 9%): se hoje os temporários são 97 mil e abriram vagas para 15 mil, permanecerá um déficit recauchutado em mais de 80 mil educadores. De qualquer jeito, já é alguma coisa, pensaria o otimista. Vale anotar que o concurso foi autorizado ainda no início de 2022, pelo então governador João Doria. Só agora saiu publicado o edital.
Depois surge a pergunta: como o maior e
mais rico estado brasileiro fica quase uma década sem contratar efetivamente
professores para o ensino fundamental? Vivendo no “puxadinho”. Nesse período,
muitos se aposentaram, outros morreram (isso acontece), ainda outros largaram a
profissão.
Nos últimos dez anos, a profissão de
educador tornou-se um ofício de risco. Não apenas pelo salário depauperado
(depois de muito tempo, só agora houve aumento no piso federal da classe).
Também por causa das redes sociais e do ativismo de extrema direita. O pobre do
educador viu-se confrontado pelos registros dos smartphones e ameaçado ainda
por algo chamado Escola sem Partido, uma jabuticaba fabricada por setores
interessados em aprisionar o ensino na Idade Média. Ou no regime militar.
Conceito direitista forjado para afastar da sala de aula questões como educação sexual,
de gênero ou de raça. Enfim, Deus, pátria e família, como anteriormente pedia o
nazifascismo e, recentemente, o capitão Jair. A inspiração já diz a que veio.
Sem esquecer os estudantes patriotas e seus
celulares buscando constranger os professores, com inquéritos estúpidos para
alcançar likes e justificar uma demissão por justa causa. A profissão ganhou em
insalubridade outros graus com as redes sociais, onde qualquer mané disserta
sobre Clarice Lispector (para condená-la) ou se mostra um expert em dosimetria
(disciplina que os Bolsonaros deverão estudar em breve).
Até que a goiana Universidade de Rio Verde,
motivada pelo post de um deputado cloroquina, retira de seu vestibular a
indicação de leitura de “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”
(lindo título, aliás), livro de Marçal Aquino, sob a acusação de ser pornográfico.
Por certo, a eminência nem sequer leu a Bíblia ou “O Ateneu”, de Raul Pompeia,
dois exemplos distintos do que poderia ser maldosamente chamado de alta sedição
sexual. Incesto, mesmo em sensualidade bíblica, não vale.
A censura a um livro demonstra não apenas o
nível do debate político, como escande a questão educacional brasileira. O
reitor da universidade, pelo ato de conivência, deveria transformá-la numa
borracharia, porque revela o teor do que almeja ensinar a seus alunos. Dali
brotarão mais defensores da cloroquina e da Terra plana.
De novo, encontraremos o ultrajado ofício
de professor em meio aos acampamentos de patriotas, das redes sociais e das
câmeras de celulares. E, agora, torpedeado por um informal Escola sem Partido.
Corre o risco de algum goiano bolsonarista se escandalizar com a indicação de
um livro como “O cortiço”, de Aluísio Azevedo, por haver sexo em pé atrás do
muro, ou mesmo de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, onde se
ridiculariza o marechal-ditador Floriano Peixoto.
Vida dura a de professor. Olhemos o lado
financeiro. À primeira vista, o salário acenado no concurso parece razoável? O
rendimento médio do brasileiro, em 2022, estava em torno de R$ 2.715. A renda
média domiciliar do paulistano beira R$ 3.500, pouco menos de três salários
mínimos.
Existem outras réguas para justificar o
desânimo de ser professor no Brasil. Em 2018, quando foi descoberta a mamata,
Wal do Açaí recebia em torno de R$ 1.400. Conforme a denúncia, levava sem
trabalhar no gabinete do então deputado federal Jair
Bolsonaro. De acordo com o MP carioca, em 2023 um
funcionário-fantasma no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro embolsa R$ 10 mil
mensais. Fora os benefícios.
Pesquisas no Brasil mostram que um
professor prestes a se aposentar ganha em média 50% a mais sobre seu salário de
início de carreira. No enclave bolsonarista de Santa
Catarina a percentagem é miseravelmente menor, claro.
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