Folha de S. Paulo
Governo age como se o projeto do PT tivesse
amplo apoio popular e no Legislativo
O governo
Lula segue amargando derrotas no Congresso: PL das Fake
News, privatização da Eletrobras, Marco do Saneamento. E isso
num período que deveria ser marcado por uma agenda positiva, aproveitando a boa
vontade de Congresso e população. Mas, em vez de focar nos temas em que haveria
fácil consenso, Lula governa com a agenda da ala radical do PT.
Lula venceu a Presidência com 50,9% dos votos. A vitória só veio graças a alianças
com políticos de centro. Foi a minoria de eleitores moderados —incapaz de levar
um candidato ao segundo turno— que pendeu mais para o lado de Lula e decidiu a
eleição a seu favor.
Na mesma eleição, o Congresso veio majoritariamente de direita. Sempre é
possível negociar, mas a distância ideológica cobra um preço mais alto para
entregar alinhamento.
Nada disso, contudo, parece ter sido
internalizado pelo governo. Lula tenta governar como se o projeto petista raiz
tivesse amplo apoio popular e força no Congresso.
Ninguém deveria esperar do governo do PT uma agenda de privatizações. Mas entre
não levar novas adiante e desfazer aquelas já aprovadas no passado há uma
grande distância. Não sou eu quem está dizendo, mas o próprio
Arthur Lira, em
entrevista à CNN.
Lira foi eleito presidente da Câmara com recorde de votos. Talvez fosse uma boa
ideia o governo alinhar melhor com ele e outros interlocutores de peso do
Congresso em vez de partir para novas derrotas. O governo quer fazer um governo
apenas do
PT.
E existe ainda também uma coisa chamada povo, que escapa até mesmo ao presidente
da Câmara. E a relação da opinião pública com a política mudou desde que Lula
deixou o poder em 2010. Antes imperava o mais profundo ceticismo quanto à ideia
de a população impactar o que acontecia em Brasília; hoje impera a crença
contrária.
Graças às redes sociais, as pessoas acompanham, formam opinião, discutem e
querem se fazer ouvir em Brasília. O grau de entendimento das questões pelo
cidadão médio é discutível, mas o fato é que essa postura tem um impacto, como
vimos na derrota do PL das Fake News. A agenda petista radical não tem tração
junto à sociedade.
Para o governo, cada pauta que naufraga na Câmara é uma desmoralização. Para o
Brasil, com tanto por fazer, é tempo perdido. O que me leva à pergunta: se o
Congresso é mais hostil e a opinião pública não apoia os pontos mais radicais
da agenda petista, o que explica a insistência? Pura teimosia?
Não ouso fazer a psicanálise do poder. Mas suspeito que o governo conte com a
cartada do recurso à terceira casa do Legislativo:
o Supremo.
O argumento de que o Supremo é "apenas provocado" pouco muda as
coisas nesse jogo, dado que a todo momento partidos de todos os lados provocam
o Supremo com assuntos de seu interesse. Privatização da Eletrobras, Marco do
Saneamento, regulação das redes; todos os temas da República chegam à mesa dos
ministros.
Na falta de meios de controle externos, cabe torcer para que o Supremo pratique
a autocontenção que vem sendo esboçada desde o fim do ano passado e reconheça
que nem todas as discussões se resolvem na interpretação constitucional. Tendo
isso, aí quem sabe o governo reajuste sua atitude e tenha mais humildade na
relação com Congresso e povo. Não sei qual é mais improvável.
Um comentário:
Joel Pinheiro.
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