terça-feira, 9 de maio de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - Batendo cabeça

Folha de S. Paulo

Governo age como se o projeto do PT tivesse amplo apoio popular e no Legislativo

O governo Lula segue amargando derrotas no Congresso: PL das Fake News, privatização da Eletrobras, Marco do Saneamento. E isso num período que deveria ser marcado por uma agenda positiva, aproveitando a boa vontade de Congresso e população. Mas, em vez de focar nos temas em que haveria fácil consenso, Lula governa com a agenda da ala radical do PT.

Lula venceu a Presidência com 50,9% dos votos. A vitória só veio graças a alianças com políticos de centro. Foi a minoria de eleitores moderados —incapaz de levar um candidato ao segundo turno— que pendeu mais para o lado de Lula e decidiu a eleição a seu favor.

Na mesma eleição, o Congresso veio majoritariamente de direita. Sempre é possível negociar, mas a distância ideológica cobra um preço mais alto para entregar alinhamento.

Nada disso, contudo, parece ter sido internalizado pelo governo. Lula tenta governar como se o projeto petista raiz tivesse amplo apoio popular e força no Congresso.

Ninguém deveria esperar do governo do PT uma agenda de privatizações. Mas entre não levar novas adiante e desfazer aquelas já aprovadas no passado há uma grande distância. Não sou eu quem está dizendo, mas o próprio Arthur Lira, em entrevista à CNN.

Lira foi eleito presidente da Câmara com recorde de votos. Talvez fosse uma boa ideia o governo alinhar melhor com ele e outros interlocutores de peso do Congresso em vez de partir para novas derrotas. O governo quer fazer um governo apenas do PT.

E existe ainda também uma coisa chamada povo, que escapa até mesmo ao presidente da Câmara. E a relação da opinião pública com a política mudou desde que Lula deixou o poder em 2010. Antes imperava o mais profundo ceticismo quanto à ideia de a população impactar o que acontecia em Brasília; hoje impera a crença contrária.

Graças às redes sociais, as pessoas acompanham, formam opinião, discutem e querem se fazer ouvir em Brasília. O grau de entendimento das questões pelo cidadão médio é discutível, mas o fato é que essa postura tem um impacto, como vimos na derrota do PL das Fake News. A agenda petista radical não tem tração junto à sociedade.

Para o governo, cada pauta que naufraga na Câmara é uma desmoralização. Para o Brasil, com tanto por fazer, é tempo perdido. O que me leva à pergunta: se o Congresso é mais hostil e a opinião pública não apoia os pontos mais radicais da agenda petista, o que explica a insistência? Pura teimosia?

Não ouso fazer a psicanálise do poder. Mas suspeito que o governo conte com a cartada do recurso à terceira casa do Legislativo: o Supremo.

O argumento de que o Supremo é "apenas provocado" pouco muda as coisas nesse jogo, dado que a todo momento partidos de todos os lados provocam o Supremo com assuntos de seu interesse. Privatização da Eletrobras, Marco do Saneamento, regulação das redes; todos os temas da República chegam à mesa dos ministros.

Na falta de meios de controle externos, cabe torcer para que o Supremo pratique a autocontenção que vem sendo esboçada desde o fim do ano passado e reconheça que nem todas as discussões se resolvem na interpretação constitucional. Tendo isso, aí quem sabe o governo reajuste sua atitude e tenha mais humildade na relação com Congresso e povo. Não sei qual é mais improvável.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Joel Pinheiro.