terça-feira, 9 de maio de 2023

Pedro Cafardo - Sutiã chinês invisível, o queridinho das blogueiras

Valor Econômico

Ibovespa costuma ter altas excepcionais no início de governos

O tema Shein, sobre a intenção do Ministério da Fazenda de taxar compras no exterior com valor inferior a US$ 50 praticamente saiu do noticiário com o recuo do governo após repercussão amplamente negativa nas redes sociais.

Mas dona Ana ficou intrigada com o assunto depois de uma experiência própria. Semanas atrás, ela viu um anúncio nas redes sobre um “sutiã invisible, o queridinho das blogueiras”. Gostou do produto porque a lingerie é das que não aparecem mesmo quando se usa vestido com profundo decote nas costas.

Sem hesitar, Ana clicou no link e foi direcionada a um marketplace provavelmente chinês, mas vai saber. O fato é que ela comprou uma peça e ganhou outra de graça, tudo por R$ 140.

Na semana passada, Ana nem se lembrava mais da compra, feita há quase um mês, quando recebeu em casa um saquinho cinza com as duas peças. Não nega, gostou do sutiã, mas viu coisas estranhas na etiqueta colada na encomenda. A (ou o) remetente do produto era uma pessoa física da China que dona Ana, naturalmente, desconhecia. Na declaração para a alfândega brasileira, um dos itens da etiqueta, o valor das duas peças, com frete e seguro de US$ 0,5, somava US$ 5,5. Algum imposto pago no Brasil? Nenhum centavo.

Dona Ana não é economista nem advogada, mas sem recorrer a ninguém chegou a uma óbvia conclusão: havia sido ponta involuntária de duas supostas fraudes. A primeira estava estampada no nome do remetente, que não era o da loja vendedora (pessoa jurídica) e sim de uma pessoa física chinesa, que pode existir ou não, sabe-se lá. A segunda via-se no valor da venda. Ela havia pago o equivalente a US$ 30 pelas duas peças, mas a declaração na etiqueta mostrava apenas US$ 5,50.

A pessoa remetente era tão “despojada”, pensou dona Ana, que abriu mão de receber o produto de volta em caso de “não nacionalização” da mercadoria na alfândega brasileira. A instrução na etiqueta, caso isso ocorresse, era para “tratar como abandono”.

Milhares de vendas como essas - melhor talvez seria chamá-las de operações - ocorrem diariamente, chegando ao consumidor brasileiro sem pagar nenhum imposto.

Everardo Maciel comandava a Secretaria da Receita Federal em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, quando foi criada essa isenção para envio de mercadoria custando menos de US$ 50 de pessoa física para pessoa física. Em entrevista à jornalista Sonia Racy, Maciel explicou que a intenção era isentar pequenos presentes enviados por amigos ou parentes do exterior para brasileiros. Mas hoje “não faz mais sentido”, disse. Não havia na época marketplace nem comércio eletrônico globalizado e, desde então, o mundo mudou, observou.

O governo perdeu a batalha da Shein, cujo objetivo era obter uma receita tributária de R$ 6 bilhões por ano? Não se sabe ainda. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, houve, no caso, recuo “na forma, mas não no conteúdo”. A oposição, porém, ganhou de lavada a batalha nas redes sociais, criou memes, disse que se pretendia taxar até blusinhas baratinhas chinesas em vez de grandes desvios de sonegadores. Lula então mandou trocar a medida por uma fiscalização mais rigorosa dessas operações - esse seria o recuo “na forma”.

Ainda que, no caso da dona Ana, o sutiã chinês invisível tenha agradado, entre parênteses, é preciso observar que no site Reclame Aqui, a “store” vendedora é classificada como “não recomendada”, porque deixa de responder a pelo menos 50% das reclamações recebidas.

O fato é que as varejistas chinesas, ao vender produtos no país sem pagar imposto e com dados aparentemente fictícios, sejam blusinhas, meinhas ou sutiãs, lesam o fisco e fazem concorrência desleal aos fornecedores e varejistas brasileiros.

“Pode isso, Arnaldo?”, perguntaria o renomado narrador esportivo.

Putin, senhor da guerra

Na semana passada, a Rússia acusou a Ucrânia de tentar matar Vladimir Putin. Verdade ou não, vale mudar de assunto para relembrar o temperamento brigão do presidente da Rússia, relatado no livro “Putin: a face oculta do novo czar” (2012), da jornalista russa Masha Gessen.

Desde criança, conta Gessen, Putin sempre reagiu com violência a qualquer provocação. Baixinho, aos 11 anos saiu à cata de um lugar para aprender a arte das lutas. Escolheu o sambo, que mescla golpes de judô, caratê e luta livre. Ganhou musculatura e passou a se meter regularmente em brigas na escola e nas ruas, batendo até em grandalhões. Foi descrito como alguém impulsivo, fisicamente violento e que mal conseguia controlar o próprio gênio. Ele mesmo se descreveu para um de seus biógrafos como “vândalo e delinquente” na infância/juventude.

“Imagine um garoto que sonha se tornar oficial da KGB quando todos os demais querem ser cosmonautas”, observou um biógrafo. De fato, ele acabou fazendo carreira na KGB durante o regime soviético e depois na agência secreta que a sucedeu, a FSB.

Tendo como padrinhos políticos o então presidente da Rússia Boris Yeltsin e o bilionário oligarca Boris Berezovsky, Putin foi eleito presidente e assumiu em maio de 2000. Seu primeiro decreto dava imunidade judicial a Yeltsin. E o segundo estabelecia uma nova doutrina militar, abandonando a velha política de não agressão com armas nucleares e enfatizando o direito de usá-las “se outros meios de solução do conflito se esgotarem ou se revelarem ineficazes”.

Antes de se candidatar e assumir a Presidência, Putin foi presidente interino após a renúncia de Yeltsin, em 1999. Masha Gessen, em seu livro, observa que, se alguém na Rússia ou no exterior prestasse atenção, teria percebido que as semanas em que ele esteve no seu trono temporário já davam todas as pistas sobre o novo regime autoritário. “Mas o país estava ocupado demais elegendo um presidente imaginário, e o resto do mundo só começaria a questionar sua escolha anos mais tarde.”

Tanto quanto as divergências geopolíticas, sabem russos e ucranianos, o temperamento brigão e autoritário de Putin é um impulsionador de conflitos e guerras.

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