O Globo
A retórica arrevesada do governo vem lhe
causando sérias dificuldades no Congresso Nacional
Tendo tomado posse já há mais de quatro
meses, Lula ainda não entendeu que não foi a esquerda que o elegeu, e sim a
aversão que grande parte do eleitorado de centro nutria por Bolsonaro. Continua
convicto de que as urnas lhe conferiram mandato para levar adiante ideias
arcaicas das alas mais atrasadas do PT. E ainda não parece ter percebido a real
extensão das restrições que lhe serão impostas pela sólida maioria de
centro-direita eleita para o Congresso.
O discurso econômico do governo não dá
sinais de melhora. Parece a cada dia mais torto. E não chega a ser
surpreendente que lhe venha causando sérios embaraços no Congresso.
De um lado, há o fascínio por uma agenda restauracionista, de insistência em políticas que se provaram equivocadas no passado: manipulação de preços de combustíveis, construção de refinarias, desenvolvimento da indústria naval, exigências severas de conteúdo local, programas de crédito subsidiado, complacência com o MST e fixação na ideia de “reindustrializar” o país a qualquer custo.
De outro há uma cruzada de desmantelamento
de tudo que esteja remotamente associado aos governos Temer e Bolsonaro: teto
de gastos, Lei das Estatais, reforma trabalhista, reforma do ensino médio,
marco do saneamento, Banco Central independente e privatização da Eletrobras.
As eleições para as Mesas da Câmara e do
Senado, em fevereiro, já prenunciavam as dificuldades que Lula enfrentaria para
construir uma base governista minimamente sólida.
Mais difícil ainda se tornou o desafio
quando, ao se empenhar na ampliação da base, o Planalto deixou claro que a
ideia não era propriamente montar um governo de coalizão. O presidente nem
mesmo tentou dissimular que a participação de outros partidos no Ministério não
tinha outro objetivo que o de angariar o apoio de suas bancadas em votações no
Congresso.
Agora, o Planalto deu-se conta da
precariedade da base que pensou ter armado no Congresso. Tendo sido incapaz de
bloquear a criação de duas CPIs de enormes custos políticos — a do 8 de Janeiro
e a do MST —, o governo viu se obrigado a jogar a toalha na tentativa de
aprovar o PL das Fake News, no qual investira considerável capital político.
Pior ainda, não teve como impedir que, por
decreto legislativo, a Câmara derrubasse, por 295 votos a 136, trechos dos
impensados decretos de Lula que alteravam o marco do saneamento.
O Planalto tinha razões de sobra para
querer bloquear a criação da CPMI do 8 de Janeiro. Por mais que a comissão
pudesse servir para reforçar a incriminação de bolsonaristas, o governo não
teria como evitar que as investigações também lhe fossem desgastantes, tendo em
conta a incúria com que se permitira não tomar as precauções que se faziam
necessárias para lidar com a altíssima probabilidade de ocorrência de uma
baderna daquele tipo.
Mas o bloqueio tornou-se inviável após
terem vindo a público vídeos com cenas comprometedoras do então recém-nomeado
ministro do Gabinete de Segurança Institucional, em meio à invasão do Palácio
do Planalto.
Já a CPI do MST foi só o desfecho
inevitável da crescente irritação do Congresso com a irredutível complacência —
completamente irracional — que o governo continua a ter com invasões de
propriedades rurais pelo MST, não obstante a insegurança que isso vem trazendo
ao agronegócio, o setor mais dinâmico e promissor da economia.
Trata-se de uma CPI que promete não só
trazer sérios dissabores ao Planalto, como dificultar ainda mais a montagem de
uma bancada governista confiável.
Sem dispor de base parlamentar adequada, o
governo se vê, agora, tendo de lidar ao mesmo tempo, no Congresso, com uma
agenda muito mais ampla, multivariada e complexa do que esperava.
Já é hora de o Planalto mostrar mais
lucidez no seu discurso e mais discernimento na difícil gestão dos limitados
recursos políticos com que de fato conta.
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