Valor Econômico
O presidente ganhou instrumentos
orçamentários para pressionar deputados da base aliada, mas viés conservador do
Congresso limita sua governabilidade
Comido com o devido cuidado, o que requer
roê-lo, com as mãos mesmo, para evitar seus espinhos, o pequi é uma fruta
silvestre, iguaria das culinárias goiana e mineira, em geral misturado ao arroz
e galinha ou carne de sol. Quem vive no Cerrado conhece e festeja seu sabor
único e seu aroma inconfundível. Um projeto de lei para criar a “política
nacional do pequi”, portanto, deveria ser uma irrelevância, daquelas que passam
anos dormitando sem entrar em pauta, e quando entram, são aprovadas em meio à
indiferença geral.
A sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara desta quarta-feira (10) mostrou como os tempos mudaram. A proposta foi alvo de uma discussão durante mais de duas horas no plenário da Comissão, governistas a favor do pequi, bolsonaristas contra, e terminou não sendo votada. O ano legislativo avança com lentidão, com combates corpo a corpo sendo travado a cada rua, a cada quarteirão, em uma guerra interminável.
Falta o espaço para a costura, a
negociação. Sobra clima de campanha e parlamentares votando sob influência das
redes sociais. Qualquer pauta pode ser vista como “teste da base”, “recado para
o governo” e coisas assim.
O desenho do Congresso há tempos tirou
força do presidente da República, com a impositividade das emendas individuais,
turbinadas agora com R$ 30 milhões garantidos para cada deputado e R$ 50
milhões para cada senador.
Diminuiu também o poder de fogo do
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), com a decisão do Supremo Tribunal Federal em dezembro do ano passado
que tornou inconstitucional o chamado “Orçamento Secreto”.
Metade do bolo deste orçamento para 2023,
de R$ 19 bilhões reajustou as emendas individuais. A outra metade voltou a ser
decidida pelo governo federal, que gerencia um rateio de cerca de R$ 3 bilhões
para o Senado e R$ 6 bilhões para a Câmara. Durante o governo Bolsonaro
empenhos orçamentários eram decididos em ofício do presidente das casas
legislativas.
O que acontece neste instante, de acordo
com o deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), relator do projeto do
pequi, é que cada parlamentar se sente muito empoderado, e, desta forma,
bastante independente.
Lira manda muito, mas não tanto quanto
mandava até o fim do ano passado. Segundo um importante parlamentar petista, o
deputado tensiona a relação com o governo para manter influência sobre os R$ 6
bilhões que serão pagos em emendas não impositivas. Ele depende do sucesso
nessa empreitada para controlar a própria sucessão, em 2025. Para alcançar a
meta, não convém ao presidente da Câmara uma ruptura com o Planalto.
O governo recuperou instrumentos que
Bolsonaro não tinha. Pode manejar os ministérios para dosar o pagamento das
emendas e criar musculatura para sua base. É o diagnóstico que faz um
oposicionista, o deputado Domingos Sávio (PL-MG), no caso bastante pessimista,
desde a sua perspectiva, sobre o rumo da relação entre Executivo e Legislativo.
“O isolamento da oposição é o maior risco
que corremos, com o velho fisiologismo. É assustador e deprimente. Só nos resta
a resistência e esperar que a população volte às ruas”, disse.
Se Sávio estiver certo, a derrota do
governo na votação sobre o decreto do saneamento terá sido um tropeço numa
caminhada maior. Estaria nas mãos da articulação política do Planalto usar os
instrumentos que dispõe para aprovar sua agenda.
E o Planalto está lançando mão destes
instrumentos agora mesmo. Voltou a pagar emendas represadas ainda dos
orçamentos administrados por Bolsonaro e começou a liberar as emendas do
ex-orçamento secreto que saiu das mãos de Lira e Pacheco.
Vai funcionar? Em termos. O Congresso
Nacional eleito no ano passado, se não é propriamente bolsonarista,
definitivamente não é lulista. É um Congresso que representa, em seu núcleo
dominante, uma continuidade em relação ao Legislativo que afastou Dilma
Rousseff, aprovou o teto de gastos, a reforma trabalhista, a reforma
previdenciária, a privatização da Eletrobras.
Se tivesse um rosto, seria o do ex-presidente Michel Temer.
Um veterano lobista faz um prognóstico:
todas as propostas do governo federal que sinalizem convergência com a maioria
do empresariado nacional e do mercado tendem a ser aprovadas. Portanto, deve
passar o arcabouço fiscal, com um aperto do cabresto sobre o Executivo, caso
não consiga cumprir as regras estabelecidas.
Também o Congresso não deve criar entraves
para as iniciativas do governo que reforcem uma política social ampla, como
ficou nítido durante a votação da PEC da Transição no ano passado.
Senado e Câmara tendem a barrar,
entretanto, as iniciativas que contrariem interesses empresariais, o que inclui
acima de tudo preservar a herança da pauta econômica das gestões Temer e
Bolsonaro. Eis aí um limite que Lula poderá testar, como parece ter feito com a
questão do saneamento, mas não irá transpor.
E o que quer que o Legislativo venha a
fazer este ano, o fará muito lentamente, dada a dificuldade das lideranças em
disciplinar seus liderados. Não há mais as ferramentas disponíveis
anteriormente, do lado do Congresso, e nem a capacidade de articulação do Lula
de 20 anos atrás, do lado do Executivo. Pequi roído, como se sabe, vale muito
pouco.
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