O Globo
Plataformas têm o direito de publicar com
clareza e transparência seus pontos de vista
O Projeto de Lei que pretende regular as
redes sociais não é, de forma alguma, uma ameaça à democracia. Tampouco dá a
qualquer governo poder de censura — aliás, basta ler o texto com atenção mínima
para entender que ele não tenta estabelecer o que é verdade ou mentira. A
mensagem que o Telegram publicou
em seu canal, e apareceu para todos os usuários da plataforma, porém, diz isso.
Ainda assim, ao mandar apagar o texto, publicar uma correção e ameaçar
suspender a plataforma, o ministro Alexandre de Moraes cruzou uma linha
indevida.
A democracia brasileira não está sob ameaça. Esteve. Hoje, graças à investigação da Polícia Federal, sabemos que o planejamento de um golpe de Estado no coração do governo Jair Bolsonaro não se limitou à minuta de um Ato Institucional nº 1 encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Houve pressão do comando do Exército, planejou-se a prisão do próprio ministro Alexandre. Os ataques de 8 de janeiro foram a rebarba de conversas ativas. Ainda saberemos muito mais nos próximos meses.
O governo Jair Bolsonaro fez pairar sobre
nossas cabeças o grande pesadelo nacional, o hábito que as Forças Armadas
cultivaram desde 1889 de nos impor interrupções no período democrático. Durante
seu mandato, ele neutralizou a Procuradoria-Geral da República, a Câmara dos
Deputados e capturou os algoritmos das redes para manipular a realidade para
tantos brasileiros. O Supremo em geral, e o ministro Alexandre em particular,
soube usar os alertas de filósofos liberais como Karl Popper e John Rawls: nos
raros momentos em que grupos conseguem capturar instituições da democracia para
ameaçá-la abusando das liberdades inerentes ao regime, é preciso se defender.
Nada, neste momento do Brasil, é simples.
O PT,
no governo, vive uma guerra interna contra seu ministro da Fazenda. A Câmara
não tem mais o poder do orçamento secreto, mas está fragmentada, incontrolável,
e não disfarça estar insaciável por recursos. Precisamos de uma lei que regule
as redes sociais e está difícil caminhar para a frente.
Mas estamos numa democracia. E a lógica
mais básica de uma democracia é que construiremos leis pelo debate público.
Isso quer dizer que as plataformas têm o direito de publicar com clareza e
transparência seus pontos de vista. Quem decidiu que é abuso de poder o Google
colocar um link em sua página levando à sua posição? Qual o limite entre uma
interpretação de má-fé da lei, uma equivocada e uma de que discordamos?
Estou certamente entre os que acham que o
Telegram e seu CEO, Pavel Durov, agem de má-fé. Durov é um inimigo político
de Vladimir
Putin que criou horror a quaisquer governos e, daí, escolheu
viver numa ditadura árabe. Ocorre que má-fé não é necessariamente crime.
Opinião distorcida tampouco. Às vezes, num debate público, a prudência
recomenda dar espaço para que as conversas ocorram até com canalhas. As
plataformas não estão se escondendo atrás de bots. Estão assinando com clareza
aquilo que dizem.
Este pode não ser o governo dos sonhos de
muita gente, mas é um governo democrático. Podemos discordar de como pensa
muita gente, mas, se algo parece claro, é que gente como Marina Silva, Flávio Dino, Simone Tebet, Silvio
Almeida e o próprio Fernando
Haddad são pessoas não apenas íntegras. São pessoas com
evidente capacidade e currículo para ocupar as pastas que ocupam.
Por isso não estamos mais no mundo do
Paradoxo da Tolerância. Não é mais hora para medidas de força. Poder não é para
sair usando simplesmente porque se pode. Não gosto de Durov, discordo de Durov.
Mas, ora, uma democracia se mede assim mesmo. Deixa ele falar.
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