sexta-feira, 12 de maio de 2023

Pedro Doria - Deixa Durov falar

O Globo

Plataformas têm o direito de publicar com clareza e transparência seus pontos de vista

O Projeto de Lei que pretende regular as redes sociais não é, de forma alguma, uma ameaça à democracia. Tampouco dá a qualquer governo poder de censura — aliás, basta ler o texto com atenção mínima para entender que ele não tenta estabelecer o que é verdade ou mentira. A mensagem que o Telegram publicou em seu canal, e apareceu para todos os usuários da plataforma, porém, diz isso. Ainda assim, ao mandar apagar o texto, publicar uma correção e ameaçar suspender a plataforma, o ministro Alexandre de Moraes cruzou uma linha indevida.

A democracia brasileira não está sob ameaça. Esteve. Hoje, graças à investigação da Polícia Federal, sabemos que o planejamento de um golpe de Estado no coração do governo Jair Bolsonaro não se limitou à minuta de um Ato Institucional nº 1 encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Houve pressão do comando do Exército, planejou-se a prisão do próprio ministro Alexandre. Os ataques de 8 de janeiro foram a rebarba de conversas ativas. Ainda saberemos muito mais nos próximos meses.

O governo Jair Bolsonaro fez pairar sobre nossas cabeças o grande pesadelo nacional, o hábito que as Forças Armadas cultivaram desde 1889 de nos impor interrupções no período democrático. Durante seu mandato, ele neutralizou a Procuradoria-Geral da República, a Câmara dos Deputados e capturou os algoritmos das redes para manipular a realidade para tantos brasileiros. O Supremo em geral, e o ministro Alexandre em particular, soube usar os alertas de filósofos liberais como Karl Popper e John Rawls: nos raros momentos em que grupos conseguem capturar instituições da democracia para ameaçá-la abusando das liberdades inerentes ao regime, é preciso se defender.

Nada, neste momento do Brasil, é simples. O PT, no governo, vive uma guerra interna contra seu ministro da Fazenda. A Câmara não tem mais o poder do orçamento secreto, mas está fragmentada, incontrolável, e não disfarça estar insaciável por recursos. Precisamos de uma lei que regule as redes sociais e está difícil caminhar para a frente.

Mas estamos numa democracia. E a lógica mais básica de uma democracia é que construiremos leis pelo debate público. Isso quer dizer que as plataformas têm o direito de publicar com clareza e transparência seus pontos de vista. Quem decidiu que é abuso de poder o Google colocar um link em sua página levando à sua posição? Qual o limite entre uma interpretação de má-fé da lei, uma equivocada e uma de que discordamos?

Estou certamente entre os que acham que o Telegram e seu CEO, Pavel Durov, agem de má-fé. Durov é um inimigo político de Vladimir Putin que criou horror a quaisquer governos e, daí, escolheu viver numa ditadura árabe. Ocorre que má-fé não é necessariamente crime. Opinião distorcida tampouco. Às vezes, num debate público, a prudência recomenda dar espaço para que as conversas ocorram até com canalhas. As plataformas não estão se escondendo atrás de bots. Estão assinando com clareza aquilo que dizem.

Este pode não ser o governo dos sonhos de muita gente, mas é um governo democrático. Podemos discordar de como pensa muita gente, mas, se algo parece claro, é que gente como Marina SilvaFlávio DinoSimone TebetSilvio Almeida e o próprio Fernando Haddad são pessoas não apenas íntegras. São pessoas com evidente capacidade e currículo para ocupar as pastas que ocupam.

Por isso não estamos mais no mundo do Paradoxo da Tolerância. Não é mais hora para medidas de força. Poder não é para sair usando simplesmente porque se pode. Não gosto de Durov, discordo de Durov. Mas, ora, uma democracia se mede assim mesmo. Deixa ele falar.

 

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