terça-feira, 20 de junho de 2023

Carlos Andreazza - Estreitos colaboradores

O Globo

Aprovada a Lei Eduardo Cunha, ficarão protegidas operações financeiras — qualquer “outro serviço” — promovidas por “estreitos colaboradores” de “pessoas politicamente expostas”.

A Câmara votou pela Lei Eduardo Cunha — projeto de Dani Cunha, filha do ex-presidente da Casa. O PL 2.720/23 pretende tipificar — ainda a depender do Senado — os crimes de discriminação contra pessoas politicamente expostas. Por exemplo: Dani e todos os demais detentores de mandatos eletivos no Legislativo da União. (A lista de corporações beneficiadas é longa.)

Também seriam privilegiados pela cobertura do troço — com efeito que perduraria por cinco anos a partir da data em que se deixou a condição especial — os familiares (papai), os estreitos colaboradores e as pessoas jurídicas de que participe o indivíduo politicamente exposto.

Atenção aos “estreitos colaboradores”.

O texto explica o que sejam: “Pessoas naturais que são conhecidas por terem sociedade ou propriedade conjunta em pessoas jurídicas de direito privado ou em arranjos sem personalidade jurídica, que figurem como mandatárias, ainda que por instrumento particular, ou possuam qualquer outro tipo de estreita relação de conhecimento público com uma pessoa politicamente exposta; pessoas naturais que têm o controle de pessoas jurídicas de direito privado ou em arranjos sem personalidade jurídica, conhecidos por terem sido criados para o benefício de uma pessoa exposta politicamente”.

Guarde a figura do “estreito colaborador”. É isso mesmo que você entendeu. Um queiroz. Voltaremos ao tipo. Sua definição foi mantida no substitutivo aprovado em plenário, do relator Claudio Cajado, homem de confiança de Arthur Lira; que suprimiu, entre outros, o artigo 4º — aquele que previa punição (reclusão de dois a quatro anos e multa) por: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor”.

Repita-se, porque houve muita desinformação a respeito: Cajado cortou esse item do relatório. Não pode passar sem alarme, porém, que parlamentar tenha se sentido à vontade para formular lei de índole censora com o objetivo de intimidar o livre exercício da crítica. Isso enquanto — o espírito do tempo — ministro do Supremo permite “o afastamento excepcional de garantias individuais” e determina censura prévia contra youtuber.

Ou haverá outro nome para o que impôs Alexandre de Moraes ao baixar por “necessária, adequada e urgente a interrupção de eventual propagação dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”?

Juiz de Corte constitucional obrigando a interrupção “de eventual propagação” — interrompido desde já aquilo que não ocorreu. Em nome da normalidade institucional e democrática. A ele, Moraes, cabendo definir o que seja discurso de ódio e subversivo. (Quem, aliás, estabeleceria, se prosperando o artigo 4º de Dani, o escopo de ofensa a deputado — ou a ministro do STF — somente por sua condição de politicamente exposto?)

O que pensará Cármen Lúcia, a juíza do “cala a boca já morreu”, ante o fato de continuar valendo a licença excepcionalíssima que deu — por proibir, no curso do processo eleitoral de 2022, a exibição de um filme até o fim do segundo turno? Licença para que o tribunal agisse — só um pouquinho, rapidinho — à margem da Constituição.

De volta ao “estreito colaborador”. Cajado o manteve; como manteve todo o conjunto original destinado a proteger — atenção ao “outro serviço” — os “politicamente expostos” contra discriminações de natureza bancário-financeira.

Pena de dois a quatro anos de reclusão, mais multa, a quem “negar a celebração ou a manutenção de contrato de abertura de conta-corrente, concessão de crédito ou de outro serviço a qualquer pessoa física ou jurídica, regularmente inscrita na Receita Federal do Brasil, em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou de pessoa que esteja respondendo a investigação preliminar, termo circunstanciado, inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, ou de pessoa que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso”.

É isso mesmo que você entendeu. Que, aprovado o PL, ficarão protegidas operações financeiras — qualquer “outro serviço” — promovidas por “estreitos colaboradores” de “pessoas politicamente expostas”.

Toda essa aberração inconstitucional — a prioridade de votar contra a discriminação ao laranjal — decidida no colégio de líderes pervertido, instância que, como num conclave, e então a fumaça branca dos elmares, de repente substituiu o debate em comissões, progressivamente esvaziadas, de súbito a urgência forçada, aterrada a dinâmica da atividade parlamentar; o parecer chegando ao plenário da Câmara com a votação já iniciada. Mais uma vez.

O rito sumário Lira aprovando a Lei Cunha. O espírito do tempo.

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