terça-feira, 20 de junho de 2023

Andrea Jubé - Lula, Lira, e a política ‘em nome do pai’

Valor Econômico

Articuladores políticos do governo terão de se esforçar para não desagradar mais a base aliada

A habilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em desarmá-lo no momento em que ele precisa atacar tem contribuído para o desassossego do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL).

A sinalização de que o deputado Celso Sabino (União Brasil-PA) será nomeado para o Ministério do Turismo na próxima semana, quando Lula retornar da viagem à Europa, resolveu parcialmente a turbulência política na Câmara, mas o desfecho da crise é remoto.

Um interlocutor de Lira confirmou à coluna que os movimentos da semana passada contribuíram para o “início de um entendimento”. O gesto principal foi a conversa, a sós, entre Lula e Lira na sexta-feira (16), no Palácio da Alvorada.

Após esse encontro, Lira confidenciou a alguns aliados que Lula o deixa desconcertado. Relatou que apesar dos impasses na relação, a conversa com o chefe do Executivo transcorreu em clima tão cordial e bem humorado, que ficou difícil discordar do mandatário. O problema, acrescentou, é que passados alguns dias, nada muda e os problemas persistem.

Um pequeno grupo de aliados testemunhou o dia em que Lula desarmou um Arthur Lira com os nervos à flor da pele quando, no dia 30 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou a vitória do petista na eleição presidencial. Lira estava apreensivo com o resultado porque havia feito campanha à luz do dia pela reeleição de Jair Bolsonaro.

Aliados recomendaram a Lira que telefonasse para Lula para cumprimentá-lo, e fizesse uma declaração reconhecendo o resultado. Ainda atordoado com a derrota de Bolsonaro, Lira obedeceu os aliados e telefonou para Lula. Antes de balbuciar qualquer palavra, o petista foi mais ligeiro e disparou do outro lado da linha: “Boa noite, Arthur, como está a saúde do seu pai?”

Segundo quem presenciou a cena, e passou o relato adiante, Lira surpreendeu-se e comoveu-se com a menção ao seu pai, o prefeito de Barra de São Miguel (AL), Benedito (Biu) de Lira, 81 anos, que estava se submetendo a um doloroso tratamento de câncer.

Um dos deputados que estava ao lado de Lira naquela noite era Celso Sabino, o futuro ministro do Turismo, e um dos quadros mais próximos do alagoano. Também estavam na residência oficial o então líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), o líder do PP, André Fufuca (MA), o líder do PSB, Felipe Carreras (PE), os deputados Hugo Leal (PSD-RJ) e Danilo Forte (União-CE).

Ex-senador e três vezes deputado federal, Biu de Lira é personagem relevante: foi mais votado que Renan Calheiros (MDB-AL) no pleito para o Senado em 2010. Antes, foi um aliado estratégico do governo Lula 1 (2003-2006) como autor da proposta de emenda constitucional (PEC) 101/03 que autorizaria os presidentes da Câmara e do Senado a tentarem a reeleição para os cargos no meio da legislatura.

Em 2004, se aprovada, a emenda concederia mais dois anos de mandato ao petista João Paulo Cunha (SP) no comando da Câmara, e a José Sarney (MDB-AP) na direção do Senado. Ambos, Cunha e Sarney, eram aliados de primeira hora de Lula.

A PEC de Biu de Lira foi a empreitada que chegou mais perto de permitir a reeleição dos dirigentes das Casas Legislativas no meio da legislatura. Em maio de 2004, faltaram apenas 5 votos para aprovar o substitutivo do deputado Paes Landim (PTB-PI). O documento obteve 303 votos favoráveis, 127 contrários, e 9 abstenções. Em 2020, a mesma pretensão capitaneada por Davi Alcolumbre (União-AP) no Senado e por Rodrigo Maia (RJ) na Câmara foi sepultada no nascedouro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A recondução com votação recorde de 464 votos em fevereiro suscitou rumores de que Lira poderia se movimentar para tentar aprovar uma PEC nos mesmos termos daquela apresentada pelo seu pai há 19 anos. Essa possibilidade gerou apreensão no Palácio do Planalto porque Lira é um adversário obstinado, difícil de “tourear”, segundo a descrição de um ministro não palaciano.

Contudo, com tantos caciques do Centrão que já se movimentam de olho na sucessão do alagoano, e diante do fim das emendas de relator (RP9) - instrumento que inflou o poder de Lira - são remotas as chances de que uma PEC nesses termos possa prosperar.

Porém, mesmo que em contagem regressiva para deixar o cargo, Arthur Lira ainda é um chefe de poder com um ano e meio de mandato pela frente, e tinta na caneta para acelerar ou refrear o andamento de pautas estratégicas para o governo.

Acima de tudo, Lira é porta-voz da insatisfação de mais de uma centena de deputados que cobram do governo um acordo não cumprido relativo à PEC da Transição, estimado em R$ 9 bilhões das extintas emendas de relator. Esse montante teria sido convertido em recursos do Tesouro Nacional, mas que os deputados pretendem repassar para suas bases na forma de convênios com prefeituras.

Enquanto o Congresso não concluir a votação do novo marco fiscal, avançar com a reforma tributária e aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) - que refletirá as premissas do novo arcabouço - os articuladores políticos de Lula terão de rebolar para não desagradar mais a gelatinosa base aliada. Será preciso mais que o poder de persuasão de Lula e as piadas sobre futebol para aprovar as matérias relevantes do governo na Câmara.

 

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